A 28.ª edição do Festival Dias de Música Electroacústica (DME) ocorreu de 30 de Abril a 1 de Maio na Casa Municipal das Artes – Conservatório de Música de Seia, com duas tertúlias e duas apresentações de obras de Jeff Treviño e Mehmet Can Özer, e com improvisações de Abdul Moimême e João Neves.
Pouco depois, nos dias 7 e 8 de Maio, o compositor Jaime Reis apresentou o 29.º DME em Seia — 47.ª edição internacionalmente — desta vez com obras de várias compositoras, entre as quais Clotilde Rosa, Isabel Soveral, Ângela da Ponte e Ângela Lopes.
Foi na última edição, a número 28 de Seia, que Jeff Treviño iniciou a sua residência no DME, onde apresentou duas peças para electrónica e violino solo, respectivamente Trailer for ‘UBIK’ e To Stop the Theft of your Identity, Call, com fortes referências literárias, musicais, entre outras — por exemplo, o título da segunda peça foi (re)apropriado de um anúncio de jornal. Para Trailer for ‘UBIK’, Treviño baseia-se numa obra de Philip K. Dick, particularmente no tema recorrente da relação entre tecnologia e o ser humano, e compõe uma peça através de sons de tecnologias e de meios de comunicação que nos são familiares. O som é ‘disparado’ através de apenas um altifalante, o que empresta à peça um carácter não só metafórico como humorístico.
A segunda peça, To Stop the Theft of your Identity, Call, baseia-se no conceito de ‘ter uma melodia na cabeça’, que Treviño apropria e reinventa através de variações, fazendo também referência ao segundo Capricho de Paganini através do uso oitavas no violino de Ludovic Afonso. Esta foi uma obra incrivelmente simples e em que o jogo entre o silêncio, repetição e variação foi perfeitamente equilibrado, terminando de forma surpreendente com um pizzicato que se insurge e interrompe. Nota-se claramente uma influência das obras iniciais para música de câmara de Morton Feldman, e contrasta drasticamente com Trailer for ‘UBIK’, não só na instrumentação, como na própria forma de a ouvir. Treviño demonstrou que é um compositor com uma linguagem fortemente conceptual, dando extrema importância à relação entre música e construção de significado.
Mehmet Can Özer apresentou quatro peças para electrónica e electroacústica mas seguindo uma linha distinta da de Treviño. Para Can Özer, o processo de transformação de sonoridades através da sua manipulação é importante para a compreensão das suas obras, especialmente no que toca às peças para electrónica em tempo real, como Ensemble Xtended e Reflections III, esta última também com violino e fita magnética. Trata-se de obras que exploram a indeterminação relativamente ao intérprete e ao conteúdo, que é desenvolvido por algoritmos em tempo real, ganhando desta forma hibridez, tal como o próprio compositor afirma. De Özer, destaca-se no entanto a peça Canon a 9 sonori, para electrónica sobre suporte fixo, onde um simples canon é progressivamente desconstruído, mantendo-se presente mas adquirindo outras formas.
O segundo concerto do Festival DME foi dedicado à música improvisada. João Neves, vencedor da Startup Lisboa Momentum com a sua Sensi Guitar, abriu este concerto com uma improvisação livre na guitarra eléctrica que ele próprio construiu e que lhe permite compor e controlar o som como se o fizesse através de um sintetizador. Foi uma improvisação onde Neves explorou texturas contrastantes que se encadeavam de forma lógica, reconstruindo a narrativa a cada momento. De seguida, o DME contou com a improvisação livre de Abdul Moimême, com duas guitarras eléctricas preparadas e objectos diversos que Moimême manipulava contra duas placas metálicas, e não só. A manipulação de diferentes objectos, desde diapasões a formas de cozinha, criou uma palete de sons diversa, acrescida também de um certo impacto visual. Abdul Moimême explora as capacidades de cada objecto sem recurso a efeitos diversos, criando uma improvisação viva.
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