Beethoven Cello Sonatas & Variations é o título do disco lançado no dia 21 de Março, pelas 19h, na Casa da Arquitectura, em Matosinhos, local onde foi gravado ao longo do ano de 2021. Este projeto já havia sido disponibilizado nas plataformas digitais no final do ano passado. O CD, editado pela Artway Records, apresenta-nos em duo Filipe Quaresma, ao violoncelo, e António Rosado, ao piano, parelha que nos é familiar, uma vez que já lançaram o disco Luís de Freitas Branco / César Frank: Sonatas for Cello and Piano, em 2016. O lançamento contou também com a apresentação de alguns excertos, ao vivo, além da participação de Jorge Costa, Bernardo Mariano, Tiago Hora e Vanessa Pires. A sessão foi finalizada com a oferta de um porto-de-honra.
Numa entrevista concedida ao programa As horas extraordinárias, na RTP3, António Rosado explica-nos o porquê desta escolha de repertório: ambas as sonatas escolhidas foram compostas no ano de 1815, apresentando um estilo de composição mais intrincado, se comparado às anteriores. Estão, portanto, enquadradas no terceiro período composicional do mestre vienense, fase coeva ao avançar da sua surdez.
“Beethoven foi, praticamente, o primeiro a escrever sonatas para os dois instrumentos, já que o violoncelo, anteriormente, era mais utilizado como baixo contínuo […]. Ele escreveu cinco sonatas e neste disco estão a quarta e a quinta que são, digamos, as mais profundas e, ao mesmo tempo, as mais equilibradas.”
Além das Sonatas n.º 4, em dó maior, e n.º 5, em ré maior, o disco conta também com sete variações do tema “Bei Männern, Welche Liebe Fühlen”, apresentando um total de quinze faixas, as quais perfazem, aproximadamente, um serão de quarenta minutos.
A gravação conta com o uso de um violoncelo italiano do século XVIII, que pertenceu a Guilhermina Suggia, célebre violoncelista portuense, tendo sido cedido pela câmara da cidade. Por sua vez, o disco apresenta-se como uma homenagem de António Rosado a Paulo Gaia Lima, violoncelista falecido no ano passado, com o qual havia trabalhado em projetos como o Artis Trio.
A colaboração de Quaresma e Rosado encontra-se, com efeito, muito bem conseguida. Em nenhum momento se perdem as intervenções de ambos os instrumentos, sentindo-se, em simultâneo, um encaminhar para focos de atenção alternados. Desta forma, o surgimento de diálogos entre os dois instrumentos fazem deles algo aparentemente complementar e indissociável, mesmo em pequenos momentos mais solísticos. Claro está que isto já é fomentado pela própria escrita beethoveniana, a qual tece, inteligentemente, uma série de elementos partilhados pelo duo.
Entre os momentos mais proeminentes, destaca-se o terceiro andamento da Sonata n.º 4, um Adagio — Tempo d’andante que apresenta um ambiente taciturno, materializado por uma sucessão de notas sustentadas pelo violoncelo, as quais suportam uma intermitente melodia no piano, elementos que consumam um anticlímax conseguido na perfeição. Por sua vez, as variações que se seguem fluem de tal forma que a passagem entre elas é quase impercetível, sem com isso perderem a sua singularidade, algo especialmente audível na tão simbiótica e bem interpretada quarta variação. Por fim, destaco a prestação de Filipe Quaresma no segundo andamento da Sonata n.º 5, um Adagio com molto sentimento d’affetto, cujas linhas melódicas evocam tormentosas realidades, nas quais se encontram compositor e intérpretes.
A prestação de ambos é, sem dúvida, exímia, estando ao nível de publicações internacionais já consagradas, como a de Mischa Maisky e Martha Argerich para a Deustche Gramaphon, mesmo sendo importante ressalvar a melhoria da qualidade de som entretanto conseguida dados os vinte e oito anos que as separam. Ainda assim, a versão do duo português ganha ao apresentar-se mais sóbria, interpretação que nos permite aproveitar cada nuance, seja a nível dinâmico ou de recorte nas diferentes frases musicais. Recomenda-se, portanto, não só a audição deste disco nas plataformas de streaming mas também a compra do registo físico, cuja qualidade dos seus elementos textuais é notória, entre os quais saliento a narrativa sobre as duas sonatas elaborada por Artur Pereira, pianista e professor da Universidade de Manchester. Ainda assim, ressalto o facto de os textos apenas serem disponibilizados em inglês. O CD conta também com alguns apontamentos iconográficos, que nos aproximam um pouco do momento da sua gravação.