A temporada de Junho-Julho do MPMP — a primeira de 2021 e a primeira desde a comemoração dos dez anos da plataforma — não poderia começar de melhor forma senão com a redescoberta de Mattutino de’ morti de João Domingos Bomtempo, monumental partitura que, na sua versão integral, já não era escutada há mais de um quarto de século.
Nos últimos anos, o MPMP tem vindo a dedicar-se com especial ênfase à obra de Bomtempo, desde a integral das sonatas para piano — lançadas na colecção discográfica melographia portugueza —
até à revisitação de importantes obras coral-sinfónicas — como o Requiem “À memória de Camões” (Festival Dias da Música, 2017), o Libera me e as Quatro absolvições (Festival Música em São Roque, 2019). Por todas estas razões, este novo passo é especialmente significativo, tanto mais que se prevê, juntamente com o concerto, a gravação discográfica da obra para oportuno lançamento no bicentenário da estreia histórica, em 2022.
Entre o legado que João Domingos Bomtempo nos deixou, Mattutino de’ morti avulta como a sua partitura mais desafiante e de maior fôlego. A música monumental dos nove responsórios de matinas de defuntos foi escrita no contexto da trasladação de D. Maria I, falecida no Rio de Janeiro, para a Basílica da Estrela, em Lisboa, em 1822. Para o mesmo contexto terão sido também executados o seu Requiem e as Quatro absolvições. Bomtempo granjeara então a estima de D. João VI, que lhe confia em decreto de Fevereiro desse ano a música daqueles actos litúrgicos, constando justamente de matinas, missa e absolvições.
É também em 1822 que Bomtempo reúne as condições para a fundação da ambiciosa Sociedade Filarmónica — à imagem do exemplo da Philharmonic Society de Londres, de que Bomtempo foi, em 1813, um dos primeiros membros associados. A sociedade portuguesa, todavia, manter-se-á activa apenas até a reviravolta miguelista obrigar o compositor, em 1828, a refugiar-se por cinco anos no Consulado da Rússia em Portugal.
A última apresentação integral de Mattutino de’ morti aconteceu em 1995, no Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian. Coro e orquestra da instituição foram dirigidos pelo maestro chinês Muhai Tang, participando como solistas a soprano Annegeer Stumphius, a contralto Joke de Vin, o tenor Albert Bonnema, os barítonos Victor Gaspar e Paulo Lourenço e o baixo Henk van Heijnsbergen.
Agora, a primeira oportunidade moderna de gravação da obra integral, sob a direcção de Jan Wierzba, contará com os solistas Susana Gaspar, soprano, Cátia Moreso, meio-soprano, Marco Alves dos Santos, tenor, e os baixos Juan Orozco, André Henriques e Nuno Dias.