Durante o período de medidas restritivas, no âmbito do combate à pandemia, as atividades ligadas à música erudita na Região Autónoma da Madeira foram severamente limitadas. Uma das poucas instituições que sempre fez tudo para se empenhar na continuidade da sua oferta artística, apesar de cancelamentos pontuais e das várias atuações com acesso limitado a cinco pessoas, conforme as medidas impostas na altura pelo Governo Regional, foi a Orquestra Clássica da Madeira, gerida pela Associação Notas e Sinfonias Atlânticas.

O seu mais recente concerto, no passado dia 30 de Outubro, já foi apresentado com a possibilidade de encher por completo a plateia, neste caso o Auditório do Centro de Congressos Casino da Madeira, uma oportunidade ainda não totalmente aproveitada pelo público, que deve continuar a sentir algum receio mas ao qual também foi exigida, conforme as medidas atuais em vigor, a apresentação de um teste rápido de antigénio negativo à entrada.

O programa deste concerto afirmou a aposta da direção artística de a formação se manter na vanguarda da programação sinfónica em Portugal, tendo constado dele, para além dum concerto duplo para violino e violoncelo de Vivaldi, duas estreias portuguesas de obras para estes dois instrumentos solistas com orquestra. Tratou-se do Concerto para violino e violoncelo de Philip Glass e da obra The Life of Piazzolla do compositor argentino Jorge Bosso.

Os solistas nestas três obras foram o violinista Michael Guttman e a violoncelista Jing Zhao, dois músicos eminentes de duas gerações distintas. As suas interpretações distinguiram-se pela qualidade sonora dos seus instrumentos do século XVIII, concretamente um violino de Carlo Bergonzi e um violoncelo de Matteo Goffriller.

 

 

A obra de Bosso foi composta no ano corrente, no âmbito do centésimo aniversário do nascimento de Astor Piazzolla, especificamente para estes dois solistas, que também realizaram a sua estreia mundial. A obra, em cinco andamentos, é caracterizada pela simbiose eclética de linguagens musicais de inspiração direta e indireta: a “Toccata”, baseada num tema de Ginastera, é interpretada em estilo de Emerson, Lake & Palmer, “Deus Xangô” e “Years of Solitude”, ambos de Piazzolla, em estilo de Jerry Mulligan, “Lo que vendrá”, também de Piazzolla, em estilo parisiense, e “Malambo finale”, de Ginastera, já com a reinterpretação do próprio compositor.

Relativamente à obra de Philip Glass, foi originalmente encomendada pelo Nederlands Dans Theater e em 2010 foi apresentada em forma de bailado pela Residentie Orkest da Filarmónica de Haia, numa digressão pela Holanda. Já no ano seguinte, foram Michael Guttman e Wendy Sutter que apresentaram a estreia mundial desta obra em concerto. A partitura está construída de uma maneira invulgar, com um dueto a preceder cada um dos três andamentos orquestrais. Numa utilização requintada do princípio “concertante”, sem no entanto insistir no dualismo e no contraste, este concerto entrelaça momentos sinfónicos e momentos típicos de sobreposição assincrónica minimalista, mantendo uma estrutura orgânica e envolvente, oscilando entre os momentos íntimos e os exaltantes e terminando num último dueto e numa nota sombria e solitária.

Foi uma aposta atrevida, esta de prescindir, nestas obras ritmicamente e texturalmente complexas, do papel típico de um maestro dedicado, mas a repartição da coordenação geral entre os dois solistas e o concertino, Norberto Gomes, que também é o Diretor Artístico da orquestra, resultou musicalmente numa ainda mais elevada envolvência e cumplicidade.

As duas obras merecem indubitavelmente a sua apresentação aos públicos portugueses. O público deste concerto, composto, conforme habitualmente, pelos melómanos madeirenses e pelos visitantes da ilha, apreciou por aclamação e de pé esta oferta única, tanto pela atratividade e variedade do discurso musical como pela entrega dos executantes e pela eloquência da sua comunicação artística.

Sobre o autor

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Robert Andres é diplomado em piano pela Academia de Música de Zagreb (Croácia), tendo também estudado em São Petersburgo e Viena. Enquanto bolseiro Fulbright, estudou nos Estados Unidos com Sequeira Costa na Universidade de Kansas, tendo recebido o doutoramento em artes musicais, assim como um mestrado em musicologia. Desde 1993 ensina no Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira, sendo atualmente professor de quadro e delegado do grupo de instrumentos de tecla. Para além da actividade concertista, orienta regularmente masterclasses de piano e já integrou mais de uma dezena de júris de concursos internacionais. Tem escrito para revistas musicais especializadas, enciclopédias reputadas e jornais. Em 2001 a editora americana Scarecrow Press publicou o seu livro sobre os inícios da abordagem científica da técnica pianística.