O compositor brasileiro Flo Menezes lançará em breve o livro Matemática dos Afetos: Tratado de (Re)Composição Musical, pela Editora da Universidade de São Paulo (EdUSP). O texto foi apresentado pelo autor quando pleiteou a cadeira de Professor Titular da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em 2011, cargo que passou a ocupar como um dos mais jovens dessa instituição. No entanto, Menezes decidiu converter essa tarefa burocrática num grande desafio há muitos anos almejado: discorrer sobre a Composição Musical em forma de tratado.

Aluno de grandes nomes como Luciano Berio, Karlheinz Stockhausen e Henri Pousseur, Menezes dirige projetos pioneiros no Brasil, dos quais foi idealizador: o Studio PANaroma, estúdio de música eletroacústica fundado em 1994 em cooperação com a UNESP e a Faculdade Santa Marcelina, e que, desde 2001, é um organismo autônomo da primeira instituição; o Concurso Internacional de Música Eletroacústica (CIMESP), criado em 1995, que tem ajudado a revelar novos compositores nesse âmbito; e a Bienal Internacional de Música Eletroacústica (BIMESP), realizada em São Paulo desde 1996, um dos raros eventos do país totalmente dedicados à música contemporânea ligada às vanguardas do pós-Segunda Guerra Mundial.

Dotado da mesma energia e firmeza com que coordena essas iniciativas e defende suas convicções musicais, Menezes constrói um texto abrangente, mas não por isso superficial. Já no “Prelúdio”, a primeira parte do livro, tem-se uma leitura densa, na qual o autor esmiúça não somente o conteúdo das páginas vindouras, mas também sua vida e seu lugar no mundo. Por isso, o relato se torna extremamente impactante e repleto de identificação para aqueles que vivem da – e pela – Música.

O texto de Matemática dos Afetos, embora fluído e claro, requer muita reflexão de leitura devido à complexidade das temáticas abordadas. Isto se evidencia a partir do segundo capítulo do livro, intitulado “Poética Musical”, onde Menezes deixa evidente sua segunda paixão: a Filosofia. As elucubrações apresentadas pelo autor permeiam a construção de suas próprias obras musicais, mas de maneira nenhuma se restringem apenas a elas. É por meio dessas indagações particulares que o leitor pode pensar a Música irrestritamente.

Os capítulos centrais da publicação são destinados à abordagem de aspectos mais técnicos da Composição Musical. A partir daí, a leitura não prescinde de conhecimentos musicais, com exceção da última parte do terceiro capítulo, “Fundamentos da Composição” – a qual, embora bastante específica, é fundamental aos leigos que se interessem por compreender o pensamento musical de forma mais aprofundada. Destacam-se em tais capítulos as explanações sobre as técnicas de composição desenvolvidas pelo próprio Menezes na década de 1980, quando ainda era um jovem estudante, e que acabaram por permear toda a sua obra. No entanto, o que mais surpreende é que, ao falar de seu próprio universo compositivo, o autor aponta para toda a História da Música Ocidental, estabelecendo conexões entre o arcabouço no qual se inserem suas composições e a música dos séculos anteriores. Este é um dos pontos altos da publicação, pois mostra ao leitor o quanto a produção musical hodierna se liga ao repertório que a antecedeu, levando-o a uma compreensão mais plena da música atual.

Por fim, integra o livro uma coleção de textos que abordam obras de destaque do autor. É sempre interessante, a compositores e não compositores, entender o percurso criativo dos que exercem esse métier. Vale ressaltar que um compact disc com os exemplos musicais apresentados acompanha a publicação, o que vem enriquecer ainda mais essa experiência de leitura. Trata-se de um livro intrigante, uma viagem musical em que Menezes conduz os leitores com a paciência de um bom mestre – ou de um sacerdote, conforme diz o próprio autor. Para aqueles que desejam adentrar as profundezas da complexidade musical, é uma leitura indispensável.

 


 

ARTIGO PUBLICADO NA GLOSAS 8 ( Clique aqui para ler o artigo na versão impressa ).

Sobre o autor

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Pianista, é doutoranda em Música pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). É Bacharel em Música com Habilitação em Piano (2003) e Mestre em Música (2006) nessa mesma instituição. Tem como foco de pesquisa as inter-relações entre música electroacústica e música instrumental, com ênfase na música mista e no repertório pianístico de György Ligeti.