Muitos consideram que os quatro maiores poetas portugueses do século XX são Fernando Pessoa. A sua inegável personalidade como homem plural persegue-o e é explorada e transfigurada por inúmeros desenhadores e artistas.

Tal aconteceu na Exposição Mundial de 1998, em Lisboa, onde o artista alemão Konstantin Ritcher desenhou uma capital portuguesa povoada apenas por um Pessoa que se multiplica em todas as suas esquinas. Podemos encontrar uma reprodução desta ilustração na fotobiografia de Fernando Pessoa com direção de Joaquim Vieira, de 2008. No meio dos múltiplos heterónimos, conseguimos descobrir dois deles a tocar instrumentos. O primeiro encontra-se em Alfama, e toca uma guitarra portuguesa, enquanto o segundo pode ser visto no Convento do Beato a tocar violoncelo.

 

 

Alfama e fado são duas palavras que se encontram indiscutivelmente no mesmo campo. Se as raízes desta zona pudessem falar cantar-nos-iam fados, algo que subsiste até aos dias de hoje dado o perdurar desta tradição. Assim sendo, é natural a associação feita por Richter ao representar Pessoa, que se encontra em Alfama, com uma guitarra portuguesa: “Alfama não cheira a fado / Mas não tem outra canção”, cantava Amália Rodrigues. No que toca a Pessoa representado no Convento do Beato, é possível que este esteja a tocar violoncelo devido à esfera musical sacra, representada frequentemente com cordofones. Isto pode dever-se também aos vários putti que geralmente o tocam em pinturas que representam episódios sacros.

Ainda que só tenham sido apresentados dois instrumentos nesta obra em duas localizações específicas, poderiam ter sido aproveitadas muitas outras zonas para tal. No Castelo de São Jorge, na Praça de Touros ou até mesmo no Padrão dos Descobrimentos, poderiam ter sido desenhados aerofones, por exemplo. No entanto, a representação da música feita pelo pintor em Alfama e no Convento já é significativa, e traduz uma das características da zona que dificilmente poderia ser simbolizada de outra maneira.

 

 

Resta-nos perguntar, no meio de tanta pluralidade: onde se encontra o verdadeiro Pessoa no mundo da música? Ainda que não tenha chegado a musicar nenhum dos seus poemas, alguns deles fazem referências à voz, ao canto ou ao tipo de ritmo e melodia. Não é por acaso que a poesia de Pessoa tem entrado na música popular nas vozes de Zeca Afonso, António Variações, Madredeus ou Salvador Sobral, no fado com Carlos do Carmo, Camané, Ana Moura ou Mariza e até na música erudita com as Três cancões de Fernando Pessoa, de Fernando Lopes-Graça, entre muitos outros. Parafraseando Álvaro de Campos, Pessoa encontra-se “cada vez mais perto do mito, cada vez menos perto de mim”.

 


Pilar Lorente Corisco assina o “Música entre Artes #7” a convite de Luzia Rocha.

Sobre o autor

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Pilar Lorente Corisco, com nacionalidade portuguesa e espanhola, nasceu em Lisboa. Concluiu o Conservatório na Escola de Música de Linda-a-Velha. Frequenta o Curso de Canto com Joana Levy e faz parte do Coro de Câmara de Lisboa e do Serviço de Música de São Roque. Actualmente, encontra-se no terceiro ano da Licenciatura de Ciências Musicais, e frequenta um 'minor' em Língua, Literatura e Cultura Inglesa. Realiza um Estágio Formativo em Iconografia Musical com Luzia Aurora Rocha, e outro Estágio Curricular com David Cranmer. É colaboradora do CESEM no Grupo de Música no Período Moderno, mais precisamente na Linha Temática de Iconografia Musical.