Andreia Pinto Correia
compositora

Breves reflexões desde Nova Iorque

Como compositora, inúmeras vezes sou abordada acerca dos títulos e possíveis fontes de inspiração das minhas obras. Sendo o alicerce de grande número das minhas composições de natureza literária, essa derivação é, na realidade, secundária. De facto, não se trata de música programática que acompanha uma narrativa específica e rigidamente pré-estabelecida, mas sim de um aproveitamento estrutural de uma ideia. Em suma, de uma inspiração secundária que serve como um motor, ou um catalisador para um desenvolvimento estrutural ou tímbrico, e que confere uma coerência e unidade à obra.

É claro que esta abordagem, e de uma forma geral a abordagem de um compositor em relação às suas fontes de inspiração, é bastante subjectiva, dando azo a interpretações distintas, não só em relação à própria intenção de escrita, como também a questões estéticas e até de natureza ética. Mas, neste contexto, falo da subjectividade de uma intenção de “portugalidade” na escrita e na recepção de obras de compositores portugueses em Portugal e no estrangeiro.

Vivemos, de facto, num mundo de globalização, no qual o acesso a gravações e vídeos em apenas fragmentos de segundos nos permite reunir uma enorme variedade e quantidade de informação acerca de música de diferentes épocas, géneros e continentes. No entanto, essa imediatização e multiplicação de informação cria novas barreiras, como o desaparecimento da importância contextual de uma determinada obra musical, performance ou género.

E esse tem sido o papel imprescindível que, ao longo desta década, o MPMP tem vindo a representar. Explorando distintas formas de co-habitação musical, construindo uma memória colectiva, oferecendo contexto e continuidade.

*O presente texto nasceu de uma intervenção proferida
na Fondation Calouste Gulbenkian em Paris, dia 21 de Outubro de 2015. 

 

Eli Camargo Jr.
compositor 

Quando se rarefazem as nossas expectativas positivas sobre o futuro, como no envelhecimento avançado, por exemplo, o nosso ser torna-se resiliente, revivendo subjectivamente o seu anterior poder de acção no mundo. Aliás, nesta palavra transparece a proximidade entre vida e memória, já que “reviver” é lembrar de forma intensa. O mesmo pode ser visto no declínio de sociedades inteiras, tantas vezes acompanhado da exasperada glorificação do seu próprio passado. Independente da amplitude de acção no mundo, este comportamento é transversal a indivíduos e sociedades; face à expectativa de não futuro, recorremos à memória como forma de resiliência.

Há nisto uma reafirmação profundamente subjectiva de individualidade, algo fugidio e complexo, que se poderia descrever como: “ser eu mesmo é lembrar-me daquilo que apenas eu me lembro”, ou talvez fosse mais correcto dizer “lembro, logo existo”, parafraseando cogito ergo sum. É um factor humano próprio da nossa residência neste mundo, onde, física ou subjectivamente, viver significa uma constante urgência de existir, utilizando as memórias para continuar a ser. Sob esta pressão, criámos Arte e Música, que seguem como portadores da nossa subjectividade em resiliência activa, ávida e constantemente recriada, absolutamente necessária para manter vivo o nosso mistério como seres: existir, agir, sentir e lembrar.

Parece-me inimaginável a complexidade do ancestral fluxo de obras de arte e memórias que a humanidade fabrica e mantém, mas na verdade a sua vida deve-se apenas a dois factores básicos: criadores e difusão. A revista Glosas faz parte deste rio, agindo em estímulo aos criadores e na sua difusão, nos seus estudos, fluindo numa zona cultural onde a carestia financeira não significa de forma alguma pobreza artística, mas sim territórios a explorar. Esta revista é um cadinho cultural do nosso tempo, na sua postura de chispas vivas que põe o nosso passado musical em fusão imediata com o presente, e promove os possíveis futuros com a força que só pode ter um ideal. Um ideal daqueles que se vêem apenas de longe em longe.

Compositor e músico brasileiro emigrado para Portugal em 1985, desde então vivi activamente a construção de escolas, o crescimento do ensino, o surgimento de gerações de criativos, e testemunhei Glosas como um valor maior também na vida da música portuguesa e brasileira. Sinto-me imensamente feliz de constatar a sua saúde e perspectivas de futuro. Esbocei este artigo ainda antes da pandemia, que só reforçou a minha ideia desta revista como única e imprescindível, também porque segue afirmando, como Sophia de Mello Breyener Andresen, que a obra do artista vem sempre dizer-nos que não somos apenas animais acossados na luta pela sobrevivência.

Toda a dramática cadeia de transformações que vivemos neste momento não vai apagar a necessidade cultural que faz desta revista uma resposta preciosa, e parece-me mesmo muito provável que esta necessidade cresça.

À Glosas os meus mais sentidos votos de sucesso e longevidade, e os meus sinceros parabéns. Um grande abraço a todos.

 

Elvira Archer
cantora

Congratulo-me por constatar que o MPMP, com a sua revista Glosas, tem seguido um caminho brilhante, comemorando já o seu décimo aniversário. Quando, há uns anos, soube deste empreendimento, fiquei entusiasmada com este grupo, ainda para mais formado por jovens músicos, que veio preencher uma lacuna no nosso meio musical: a promoção dos músicos portugueses, não só como executantes, mas também da música que compõem e da restituição do seu património tantas vezes ignorado.

Por este motivo, a ele recorri, através de Duarte Pereira Martins, para realizar, em colaboração com João Paulo Santos, a edição da canção inédita Tristeza, da autoria de José Vianna da Motta, com texto de João de Deus, que descobri no Rio de Janeiro. Esta obra para barítono, editada sob a direcção de Luís Salgueiro, e com desenho da capa do conhecido e eminente artista José Brandão, oferece o acompanhamento pouco habitual de solo de harpa e orquestra de arcos.

O pronto acolhimento que obtive a esta proposta e a sua óptima execução obrigam-me a agradecer e a desejar a todos os elementos desta associação a continuação, tão necessária, da sua actividade, com o maior sucesso.

 

Filipe Mesquita de Oliveira
musicólogo

A revista Glosas veio ocupar um espaço essencial no contexto da actividade editorial periódica de música erudita na comunidade de língua portuguesa, pelo que, desde já, felicito toda a equipa que levou a cabo este projecto. No que me diz respeito em particular, a investigação em musicologia histórica, é de sublinhar o facto de a Glosas permitir um acesso a toda a comunidade musical em geral de estudos de cariz académico, os quais, em grande parte dos casos, se encontram circunscritos a publicações científicas da especialidade. Os meus parabéns, portanto, à abertura de horizontes que a Glosas representa, sob todos os quadrantes musicais!

Felicito ainda o esforço editorial do MPMP em prol da recuperação e da divulgação da música erudita no espaço de língua portuguesa e a consequente recriação prática de tesouros musicais desde há muito arredados do conhecimento público!

 

Jakub Szczypa
colaborador do Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa / MIC.PT

A revista Glosas e, de uma forma mais abrangente, a entidade que a edita, o MPMP, Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, são um importante projecto no panorama português que activamente contribui para a disseminação do trabalho de compositores e compositoras em Portugal, contrariando a tendência dominante que reduz a música portuguesa à sua vertente popular, turística e comercial.

O MPMP e a Glosas convidam-nos a (re)descobrir a composição erudita portuguesa, a sua história e a riqueza das criações contemporâneas, valorizando e dando projecção a uma arte que constitui um elo fundamental na identificação cultural desta parte da Europa.

No 10.º aniversário do MPMP e da revista Glosas desejamos à associação o maior êxito no desenvolvimento deste projecto de excelência, já tão enraizado no universo da música portuguesa.

É na continuação e colaboração entre entidades como as nossas, que se cria a oportunidade para tornar a música de compositores e compositoras em Portugal mais “visível e audível”, dentro do país e além fronteiras.

 

Joana Maia
fagotista

Para mim, o Ensemble MPMP é um projecto fantástico que me fez evoluir, tanto a nível profissional como pessoal. Já tive a oportunidade de trabalhar e de poder fazer música com excelentes músicos, desde maestros, instrumentistas e produção. É sempre com grande entusiasmo e profissionalismo que esta orquestra mostra o que vale e leva a música ao mais alto nível de execução. É um prazer fazer parte deste projecto!

Quero felicitar o MPMP por estes dez anos. Espero que, num futuro próximo, possamos festejar todos juntos.

 

Manuel Durão
compositor

O MPMP e a sua revista Glosas são projectos fundamentais para a cultura portuguesa!

Parabéns pela perseverança! Força para o futuro!

 

Mariana Calado
musicóloga

Os anúncios das temporadas de ópera no Teatro de São Carlos, no Coliseu ou no Teatro de São João, as notas biográficas de elementos das companhias líricas, os programas de concertos sinfónicos e de séries de música de câmara, as anotações sobre as actividades de intérpretes, maestros, orquestras, bandas militares e filarmónicas, associações diversas, estabelecimentos de ensino e sociedades de concertos, a análise das carreiras de compositores, a recepção de obras novas, a crítica musical e as reacções do público, a prática de música amadora, as novidades editoriais, os episódios mais anedóticos, os comentários gerais e debates sobre a actualidade musical e artística… em síntese, a vida musical portuguesa (porém, sobretudo limitada à dos maiores centros urbanos) foi encontrando eco nos jornais e revistas de música publicados no país ao longo do último século e meio. A estes conteúdos mais efémeros, informativos e de opinião, juntavam-se habitualmente artigos de história da música e de organologia, ensaios de teoria musical, sobre harmonia, acústica ou notação, biografias de compositores contemporâneos e do passado, entre outros assuntos que pudessem despertar o interesse do redactor, ou que estivessem ao seu alcance. Procuravam, assim, colocar a música portuguesa no quadro europeu e, ao mesmo tempo, contribuir para a formação musical do leitor.

Entre as primeiras décadas do século XIX e o final da primeira metade do século XX (período ao qual tenho dedicado algum estudo neste campo), publicaram-se em Portugal cerca de três dezenas de periódicos consagrados à arte musical. Estes podiam assemelhar-se nos conteúdos, tipo de assuntos que tratavam e na estrutura, mas cada um constitui um documento único que permite ao investigador perceber melhor as vivências musicais coevas e conhecer as figuras que as protagonizaram. Porém, diversas circunstâncias marcaram o percurso dessas publicações. Dificuldade em manter leitores e assegurar o pagamento das assinaturas, ou de captar o apoio financeiro da publicidade, custos gerais de impressão e as variações do preço do papel (ou a falta dele), problemas na distribuição e divulgação, desintegração da direcção ou dispersão dos colaboradores foram alguns dos problemas que, em muitos casos, ditaram o encerramento prematuro, por vezes sem aviso, do projecto editorial. Excepção feita a alguns casos particulares como Amphion, A Arte Musical (tanto a que foi lançada por Lambertini em 1889, como a dirigida por Luís de Freitas Branco, de 1930), Echo Musical e Gazeta Musical, que, em comparação, se estenderam por vários anos e números, mantendo durante grande parte desse tempo a regularidade da periodicidade anunciada.

Vem isto a propósito da comemoração dos dez anos de Glosas, não como um aviso sobre alguma espécie de inevitabilidade dos destinos da imprensa periódica musical, mas porque Glosas já faz parte desta longa e diversificada história, partilhando com tantos outros periódicos, uns conhecidos ainda, outros entretanto caídos no esquecimento, ambições e perspectivas. Esta breve divagação só poderia terminar com os votos para que outros tantos anos, ou mais, se sigam, e para que os propósitos de descoberta, reflexão e discussão lançados no primeiro número continuem a ser praticados.

 

Rui Antunes
compositor e violinista

 

Ao Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa,
por ocasião do seu 10.º aniversário:

Muitos são os de inacção,
Ou os que se limitam, quais
Velhos do Restelo, à crítica da movimentação.

(Património de inércia herdou
A descendência da resiliência.)
Tantos mais são, no entanto, os que com paciência
Rumam à dignificação do que dos nossos ficou.

Mantendo o balanço entre o que ficou por conseguir,
Único, e o que hoje fica
São bastião para o que há de vir.

Por sua insigne luta, celebremos agora
Os feitos destes navegadores do presente
Rumando aos ideais desta frente,
Toldados pelos de outrora.

 

 

Salomé Monteiro

coralista

Foi num projecto belíssimo com o MPMP que cantei as palavras de José Tolentino Mendoça: “O teu silêncio, ó Deus, altera por completo os espaços”. Talvez agora esse “silêncio” altere ainda mais do que os espaços. É aterrador perceber que todas as rotinas dadas como certas são grandes conquistas, muitas vezes inconscientes, de que vamos usufruindo na vida.

Muitos projectos do MPMP fazem parte, hoje, de memórias felizes, das quais tive o privilégio de usufruir. Talvez agora, mais do que nunca, sinta a falta de cantar. Quando digo cantar, incluo todas as boas sensações de fazê-lo com as pessoas de que gostamos e que admiramos. E também fazê-lo com o resultado que desejamos, e fazê-lo com toda a serenidade e brio que a música merece!

Neste mês de Maio festeja-se o aniversário do MPMP. É com enorme alegria que vejo um pouco deste projecto a crescer e a transformar-se numa referência musical em Portugal. É um enorme gosto fazer parte de uma equipa que trabalha com o objectivo de promover Portugal e os portugueses. Se ser português é compreender a palavra saudade, com muita saudade revejo os ensaios e concertos que, sem saber, foram os últimos por um período indeterminado.

Sem medo, aguardo as futuras oportunidades que virão. Sem medo e com orgulho, pois a casa MPMP dar-nos-á no seu regresso música cheia de ânimo, coesão e solidez. Dou o meu sincero agradecimento a quem fez nascer este projecto e a quem promove a cada passo o seu crescimento no panorama nacional.

O silêncio na música talvez faça parte da peça. Tal como eu acredito que este “silêncio” temporário faça parte de um caminho que teria mesmo de ser assim. Despeço-me com outras palavras que cantei, palavras de Bruno Munari: “Uma árvore é uma semente que cresce devagar e em silêncio.”

 


Textos escritos no âmbito
do 10.º aniversário do MPMP

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[Publicações de amigos, colaboradores, associados, no contexto do aniversário do 10.º aniversário do MPMP]