Ana Barros
soprano

Gostaria de dar os parabéns ao MPMP pelo seu grande contributo para a redescoberta da música portuguesa, mas também por fazerem florescer novas músicas em Portugal.

Ao longo destes dez anos de existência, é possível constatar que a música e os intérpretes portugueses têm sido divulgados e valorizados, quer através dos vossos artigos na revista Glosas, quer pelas belíssimas edições de partituras e CDs do trabalho de compositores que se encontravam esquecidos e que voltaram à luz nos nossos dias.

Tive o grato prazer de editar o meu projecto, Severa, o fado de um fado, através do MPMP, projecto que, para além do CD, contava com a edição dos fados com os arranjos que por nós foram encomendados. Todo o processo de edição, quer do disco, quer das partituras, foi extremamente pormenorizado e cuidado, e todo o relacionamento com os membros da equipa foi o mais agradável possível! Espero que continuem a vossa missão por muitos e bons anos, com o mesmo empenho, a qualidade e a alegria que tanto vos caracteriza!

  

Bruno Caseirão
musicólogo

Um movimento de vivência da música erudita portuguesa

É com entusiasmo que correspondo à solicitação do Edward Luiz Ayres d’Abreu, não esquecendo os contactos estabelecidos ao longo de anos com a Luzia Rocha e o José Carlos Araújo, para, neste vigésimo número, tão importante para a revista Glosas, e nesta celebração do décimo aniversário do próprio MPMP, deixar o meu testemunho sobre este “movimento” que tem vindo adquirir e a ocupar um lugar de relevância no universo da música erudita portuguesa.

Começaria por destacar quão oportuno o projecto foi logo de início, pois a “nossa” música, não obstante os esforços e contributos hercúleos de uns, tem sido crónica e frequentemente menosprezada por uns outros tantos. É certo que, nas últimas décadas, em particular nesta, este cenário tem-se vindo a alterar pelo facto de a academia, nomeadamente no campo da investigação musicológica, bem como no do ensino da música e, neste, o da interpretação musical, ter ampliado de forma exponencial o enfoque sobre a música portuguesa. Da dita “música antiga” àquela nossa contemporânea alcançou-se uma quantidade e qualidade (pois é esta última que nos interessa e que perdurará) nunca antes imaginada(s).

Naturalmente, não podemos também olvidar o papel determinante, de divulgação e programação de inúmeras instituições nacionais, as quais, finalmente despertas para a importância do nosso “cânone” musical, da sua qualidade e da sua vivência, começam a incluí-lo assiduamente e com destaque na programação regular.

É no seio desta conjuntura de “ouro” da música portuguesa que o MPMP e a revista Glosas têm desempenhado um papel muito relevante no “nutrimento” da nossa música. Nomeadamente, na divulgação e assinalamento de efemérides de particular relevância, na edição “cirúrgica” e oportuna de partituras, livros e monografias que abarcam muito da história da nossa música. Inclusive sentindo a premência de fazer “viver” todo um repertório esquecido, criando um ensemble para a sua execução e ao qual associou, mais recentemente, o prémio de composição Musa.

Gostaria de destacar os inúmeros projectos de edição discográfica, entre os quais as integrais das sonatas para instrumentos de tecla de Carlos Seixas, estas em instrumentos históricos, por José Carlos Araújo, e daquelas para piano de João Domingos Bomtempo por Philippe Marques. Refiro-os, em particular, pois estamos perante projectos de grande dimensão, frequentemente desenvolvidos em parceria com outras instituições, como é o caso do Museu Nacional da Música, exigindo planeamento, recursos financeiros e materiais, o que muito nos revela da “saúde” e resiliência do MPMP e dos artistas a ele associados.

Realço também a inteligência com que esta jovem equipa comunica, o que transparece no cuidado estético dos inúmeros materiais produzidos, nomeadamente nas tão sugestivas e “apetecíveis” capas de muitos dos CDs já publicados.

A terminar, enquanto colaborador e usufruidor de tantas actividades do MPMP e da revista Glosas, faço votos para que não só não percam o entusiasmo e a qualidade, bem como esse tão saudável “sangue na guelra”. Que continuem “glosando” e “movimentando” por muitos e bons anos!

 

Cândido Lima
compositor

Arquipélagos

Ao longo dos anos, envolvi-me fora dos espaços académicos em actividades diversas paralelas às leis e aos ditames da sobrevivência humana. Poucos eram os que se aventuravam a afrontar o status quo musical, social, político, cultural, económico no interior das instituições. Focos no país de inquietação e de cumplicidades fora dos paradigmas da época rareavam. Os tempos foram mudando e Portugal musical foi-se transformando num arquipélago de ilhas e de aglomerados, fechados entre si a exemplo e à margem das grandes instituições musicais e de instituições com música. Avessos a transportes marítimos, terrestres, rodoviários, aéreos, subterrâneos, internéticos, proliferam grupos e movimentos em grande e saudável efervescência, que fazem de um país pequeno uma terra gigantesca de sonhos e de utopias, apesar de tudo transformados em realidades tangíveis. O deserto antigo tornou-se num deserto inundado de oásis onde pululam e fervilham de vida projectos musicais de maravilha e de natureza diversa, apoiados ou não pelos poderes, como outrora os grandes criadores e os mecenas de sempre. O MPMP, Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, é um desses projectos de sonhos, utopias e práticas que brilham na floresta musical cheia de vida do Portugal moderno.

Conheci há alguns anos um dos seus criadores, o compositor Edward Luiz Ayres d’Abreu. Tornei-me interveniente ocasional de algumas iniciativas suas e da associação de que é Presidente, ao ser incluído em dois projectos evocativos dedicados a um compositor. O n.º 10 da revista Glosas foi um desses projectos, com textos de análise, de entrevista e de contribuições das artes expressamente concebidas para essas páginas: Mário Cláudio, escritor, António Quadros Ferreira, artista plástico. Seguiu-se a ousada ideia da edição de um CD com algumas obras gravadas em concerto (justiça lhe seja feita, José Atalaya, homem da rádio, quis fazer o mesmo comigo há umas décadas, ele que foi o primeiro a apresentar uma obra, a obra Oceanos, na Tribuna de Compositores da UNESCO!). Desenvolveram-se pesquisas longas sobre as gravações a incluir e intensos trabalhos de estúdio na recuperação e limpeza de registos, em comunicação regular com o autor, entre Lisboa e Porto; longas diligências do Presidente da associação e do compositor para as devidas autorizações a instituições e intérpretes, quer do país, quer do estrangeiro; contactos para patrocínio de edição levados a cabo ao longo de mais de um ano, em esperas desgastantes e infrutíferas junto de individualidades e de instituições, com a paciência infinita de ambos os compositores, interlocutores dessas instituições. Finalmente, a Sociedade Portuguesa de Autores encontrou uma fórmula que permitiu sair do impasse. Reuniram-se cinco dessas obras, após longa observação de gravações susceptíveis de serem incluídas nesse registo fonográfico. Foram locais de estreia, ou de apresentação ao vivo, a Sala Suggia da Casa da Música, no Porto, o Grande Auditório da Fundação Gulbenkian, em Lisboa, os Claustros do Mosteiro dos Jerónimos, em Belém, o Auditório 2 do Centro Cultural de Belém e o Teatro Sá de Miranda de Viana do Castelo. O Sond’Ar-Te Electric Ensemble e o Ensemble Aleph, o Grupo Música Nova, o REMIX Ensemble-Casa da Música, o Grupo Pearls Before Experience (ao vivo) e o Grupo Música Nova (em gravação), e a Orquestra do Conservatório Regional de Viana do Castelo foram os intérpretes. Intitulei este CD de Oceânides. Foi lançado na Escola Superior de Música de Lisboa, perante dezenas de alunos.

Retiro deste encontro uma história invulgar que vale a pena contar. O Presidente do MPMP contacta-me um dia por telefone. Entre outros assuntos, faz-me uma revelação de espantar. Ao telefone, um jovem estudante de composição declara-lhe algo de inimaginável: “ouvi doze vezes o CD!” (Oceânides). Não soube como reagir a tal confissão, dada a irrelevância de que a obra do compositor e o próprio compositor gozam no meio lisboeta (a não ser nos espaços semi-abertos das tais ilhas do arquipélago…), incluindo nas instituições académicas musicais e não musicais. Essa revelação ganha um particular relevo no contexto das relações inter-regionais da música contemporânea no país. Este episódio invulgar mereceria, só por si, da parte do compositor, o reconhecimento ao MPMP pela descoberta, por parte do jovem estudante, de outras músicas, de outro compositor, anónimo para ele, para os professores e para os jovens estudantes de composição das gerações anteriores à sua. Essa experiência seria suficiente, pelo seu simbolismo e ineditismo, para que o compositor em causa se mostrasse grato ao Presidente do MPMP, ao retirar aquelas cinco obras das sombras de um arquivo, obras diferentes e iguais entre si que cativaram o jovem estudante: Gestos-Circus-Círculos, HEÁMAÓAMAÉH-sulcos.silêncios, Canções de UR, MÚSICAS DE VILLAIANA-coros oceânicos-Parte II e NANGHÊ. O jovem ouviu e descobriu, como que numa busca e num caminhar hipnóticos, outra música, outras perspectivas, outro compositor, privilégio raro, para ambos, no mundo musical português contemporâneo.

Evoco ainda o convite da revista Glosas, pela voz do seu Director, para escrever uma página de música dedicada ao compositor renascentista Gaspar Fernandes, numa edição da revista que lhe foi dedicada. Estimulado pelo nome e pela obra de Ravel que o faz lembrar, à distância de séculos do compositor português, a minúscula peça de uma página para piano foi envolta em semânticas contrastantes e confluentes no título “Gaspar la nuit motete”, onde se fundem sonoridades de ambos os compositores, onde se fundem o nome do compositor português e o título da obra do genial francês Gaspard de la nuit. Memórias e tributos a duas grandes figuras da música ocidental…

Neste ano de 2020, em que o MPMP comemora dez anos de vida, há todos os motivos para um músico se congratular pela existência de um original universo musical cuja longevidade é só possível pela inteligência, talento, tenacidade e generosidade de todos os seus construtores e agitadores. Não é por dívida (que tenho também para com as outras ilhas do arquipélago), mas por gesto cívico de músico e de homem de cultura que presto homenagem ao MPMP e à revista Glosas, instrumentos de cultura de singular dinamismo musical, instrumentos de valorização e de divulgação voltadas para património musical lusófono, objectivo para o qual foram concebidos e para o qual estão vocacionados.

Que os propósitos de origem se expandam, atravessem ilhas e passem a outros espaços, consolidando-se na sociedade musical portuguesa, nas sociedades dos povos lusófonos e dos povos não lusófonos, num longo e luminoso futuro caminho de descoberta e de conciliação entre tradição e modernidade.

  

Carolina Figueiredo
meio-soprano

Queridos amigos do MPMP, muitos parabéns! Chegados a este marco tão redondo, dez anos, é tempo de fazer um balanço: por todo o vosso trabalho, todo o vosso esforço, pesquisas, descobertas e apresentações, o panorama musical português está hoje certamente muito mais rico. Junto-me a tantos outros músicos e melómanos num agradecimento sincero pela missão que decidiram levar a cabo, pela forma como a estão a cumprir, por toda a música antiga que veio novamente à luz, pela música contemporânea que estão a fomentar e difundir. Por cada partitura editada, cada artigo da Glosas, cada concerto, cada programa. Pela experiência que convosco partilhei!

Parabéns a todos os que estão e estiveram ligados ao projecto MPMP… e que venham mais dez, mais vinte anos, sempre com muita música portuguesa! Um abraço!

 

Fernando Lapa
compositor

Porque nos inventamos todos os dias

A falta de informação regular relativa ao campo da arte musical, tanto na rádio e na televisão como nas publicações escritas ou outros suportes, tem sido uma das mais gritantes lacunas do nosso actual panorama cultural. Fica-se com a impressão de que nunca foi tão mau… A atenção dos meios de comunicação aos assuntos da música não comercial praticamente não se vislumbra, fora o caso de meia dúzia de nomes de intérpretes mais mediáticos, e mesmo esses de reduzidíssimo alcance para a larga maioria dos cidadãos. Inquietamo-nos, com razão. Mas muitas vezes parece que já nem estranhamos.

Por isso, o papel da revista Glosas e do MPMP que a suporta têm sido da máxima importância, neste paupérrimo panorama, pois têm vindo a ocupar um espaço praticamente deserto nos tempos que correm. O simples facto de a revista existir é já uma razão para nos congratularmos. Afinal também há por aqui uma pequena aldeia de irredutíveis gauleses…

Posso alinhar de seguida alguns pontos que me parece caracterizarem a actividade relevantíssima da Glosas, não só para os músicos e para o meio artístico, mas também para a escola, para a sociedade e para a cultura portuguesa.

O primeiro aspecto, e o mais geral, consiste na teimosia de afirmar e demonstrar que esta música existe. Toda a música, sim, mas principalmente aquela que tem tradição, presente e futuro: história, portanto. O jazz também a tem, claro, e as músicas tradicionais, rurais ou urbanas. Mas refiro-me sobretudo à musica-arte, aquela que aposta em inventar-se todos os dias. É sobretudo neste território que a Glosas trabalha, tornando-se, hoje em dia, um elemento de referência nestes domínios, funcionando como espaço de afirmação da arte musical no panorama artístico nacional. (É certo que há outros navegadores solitários que navegam em águas próximas. Mas somos tão poucos para tanta carestia ou tanta fome…)

A Glosas é uma revista sobre a música portuguesa e de países lusófonos, mas também sobre a acção de músicos portugueses noutras paragens. Sem complexos nem fundamentalismos: como dizia Miguel Torga, “o universal é o local, sem paredes”.

Sendo uma revista preocupada com a informação relativa às agendas musicais, por ela circulam muitos dados sobre o que se fez e se faz na música portuguesa. A vertente informativa, num plano mais centrado na música vulgarmente designada por erudita, tem ocupado um lugar com importância na prática da revista. (A informação generalista dos nossos meios de comunicação, quando diz alguma coisa, quase sempre trata estes assuntos de forma muito aligeirada e a traço largo, muitas vezes com gritantes lacunas, erros, falta de critério e de noção da real importância das coisas. Mas a falha maior reside sobretudo na quase total ausência da música erudita como tema de reportagem, de informação generalizada ou de publicação sustentada. Já não falo de pretensão pedagógica, que manifestamente não se vê em praticamente nenhuma publicação.)

Por isso, a folha de serviços da Glosas é de grande importância. Algumas das principais razões dessa orgulhosa militância: ter um conjunto de profissionais da música que conhecem o território que pisam, e que escrevem sobre os assuntos de que alguém deveria ocupar-se também entre nós; ter uma palavra a dizer no campo da preservação e divulgação da música, tanto ao nível da gravação quanto da edição de partituras, absolutamente decisivas para a divulgação do repertório junto dos jovens estudantes e intérpretes; promover a interpretação da música de todos os tempos, mobilizando formações e intérpretes em actividade no país e criando os seus próprios meios de difusão, sejam ensembles ou edições; proporcionar a muitos jovens músicos, ou a alguns outros menos jovens mas sem tribuna ou coluna de jornal, espaço para apresentação do seu trabalho, das suas formas de ver, da forma como lêem o mundo; insistir, contra todas as demissões e abandonos, em manter canais de crítica musical, que preservem um sentido crítico face àquilo que vamos sendo e fazendo; promover diversas acções que interpelam a escola artística e procuram implicar-se no mundo dos conservatórios e academias de música. (Muitos portugueses estão longe de ter uma noção global do que significa este sector da escola portuguesa, e da sua real dimensão, sempre tão longe das primeiras páginas e dos holofotes…)

Eu próprio tive o privilégio de ter uma pequena parte nesta “empreitada”, com uma colaboração regular durante alguns números. Era um espaço que eu intitulava de “notas de passagem”, por onde passavam algumas das minhas inquietações. Mas muitos outros o têm podido fazer de forma mais regular e sustentada. A todos eles o meu agradecimento pelo espaço criado e mantido, na defesa da música que fizemos e faremos. Parabéns!

 

Helena Lopes Braga
musicóloga

Tenho acompanhado as “celebrações” nas redes sociais e não quero deixar de congratular o MPMP e a Glosas por tudo o que representaram para a música portuguesa ao longo dos últimos dez anos. Muita coisa mudou, para melhor, com existência do MPMP, e a Glosas tornou-se um marco que ficará para sempre inscrita na história da musicologia. Foi para mim uma honra e um prazer ter contribuído para estes projectos, e espero que haja um futuro para a revista. Continuação de bom trabalho!

  

João Vieira de Andrade
violinista

Comemoramos dez anos do MPMP, Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, porque, ao longo destes anos, houve sempre gente que acreditou ser possível concretizar este projecto! Assim foi e assim é graças ao empenho desta família que, dia sim, dia sim, se esforçaram e se esforçam para que esta noção entranhada do que é o MPMP seja de tal apreço. São parcas as palavras para descrever o que significam estes dez anos, quando outrora começaram por procuras, descobertas, música e amizade, pautados pelo seu enlace até hoje. Em meu nome, agradeço a todos os que com o seu trabalho, talento, empenho e dedicação tornaram possível estarmos aqui, como exemplo que certamente ajudará a dar continuidade a esta construção permanente e necessária. Com um sentido bem-haja, que venham muitas mais décadas!

 

Jorge Matta
maestro e musicólogo

Com a minha dupla faceta de musicólogo e de músico (director coral), desde há muito que me dediquei à procura de obras de compositores portugueses, geralmente dos séculos XVI, XVII e XVIII. Conhecia apenas, nos primórdios das minhas investigações, os cancioneiros ibéricos, incluindo o Cancioneiro de Elvas, numa velha edição, os livros editados pelo Instituto Espanhol de Musicologia e os preciosos volumes da Portugaliae Musica, alguns já de feitura antiga.

Comecei eu próprio a editar, no princípio escrevendo ainda à mão, e fui dando a conhecer, em partituras e em concertos ao vivo, obras (muitas vezes grandes obras) dos nossos compositores de séculos passados. Apareceram outros editores, individuais ou empresas, mas nem todos duraram muito. Criei uma empresa de edições on-line, com o saudoso Artur Carneiro, mas também essa, por falta de tempo e de investimento, acabou por desaparecer. A um outro nível, sob a alçada do Ministério da Cultura, tem que ser referido o enorme mérito e a utilidade da PortugalSom que, pela acção do Arq.º Romeu Pinto da Silva, fez ao longo dos anos inúmeras edições e gravações pioneiras, que deram a conhecer as obras de muitos dos nossos compositores.

O Departamento de Ciências Musicais da Universidade Nova de Lisboa, sobretudo através dos seus centros de investigação CESEM e INET-md, começou há alguns anos a ser um veículo importante no estudo e edição do património musical português, tanto actual como de séculos passados, e também a Fundação Calouste Gulbenkian apoiou e financiou a recuperação e edição de muitas obras, destinando-se estas a serem executadas (quase sempre estreadas) nas suas temporadas de música. Refiro como exemplo os Te Deum setecentistas, destinados ao ciclo Te Deum em São Roque.

Apesar de todo este meritório trabalho de pessoas ou instituições (apenas referi algumas), foi o MPMP que elegeu como seus objectivos principais a criação prática, a edição de partituras, o estudo interpretativo, as gravações em CD e a investigação de obras de compositores portugueses, com um foco especial nas obras do nosso tempo. Creio que é esta a diferença em relação ao que se passava antes: em geral estudava-se e editava-se para um determinado concerto, enquanto o MPMP passa a fazê-lo como tarefa primeira, para o conhecimento e a divulgação em si mesmos, sem se subordinar a uma necessidade ou ocasião específicas. O Ensemble MPMP executa, mas não é só para isso que o estudo e a edição se realiza.

Considero muito importante a execução regular de obras dos nossos compositores actuais. Todos sabemos que estrear uma obra nova até acontece com alguma facilidade, mas depois da estreia mais ninguém se sente com a responsabilidade de voltar a executá-la, condenando-a a uma velha estante. Quando as obras têm qualidade têm que ser feitas com regularidade, tornando-se parte real do património musical, e é isso que o Ensemble MPMP tem feito, sobretudo quando as instituições com temporadas regulares de concertos se regem frequentemente por uma lógica de atracção de público, preferindo nomes e obras que o possam atrair facilmente.

Também a revista Glosas tem sido importante, com entrevistas, artigos sobre património musical português, celebração de efemérides… Não é propriamente uma revista científica (para isso temos a Revista Portuguesa de Musicologia ou outras publicações de âmbito académico) mas um meritório órgão de divulgação.

Parabéns, MPMP! Que continue com a mesma energia!

 

Philippe Marques
pianista

Breves notas sobre o MPMP
(Variações sobre frases de Gonçalo M. Tavares)

Movimento:    0 . “O movimento era uma forma de tornar visível o que a imobilidade antes transformara em coisa inexistente.”

1 . Como as obras de teatro musical da Constança, que vivem do movimento.

2 . O movimento do mar na praia de Valadares, onde apanhámos os seixos para um piano preparado.

3 . Ou, novamente, o movimento circular dos tubos harmónicos da Constança, na bonita estreia do Ensemble MPMP (Porto, 2012).

 

Patrimonial:    0 . “O tempo, num país inteligente, é a extensão mais significativa.”

1 . Investir tempo em bibliotecas.

2 . Resgatar o que o tempo esqueceu.

3 . Duarte Lobo a João Pedro Oliveira, passando por todos os outros.

4 . O que de tão significativo já se fez em dez anos.

 

Música:           0 . “Pensar numa música que possa mudar a cor das coisas. Não de uma forma poética, mas concreta, pragmática.”

1 . Pensar que as óperas de Francisco António de Almeida, Marcos Portugal e Alfredo Keil podem mudar a cor dos teatros.

2 . Pensar que os bailados de Frederico de Freitas e de Ruy Coelho podem modificar a forma das cadeiras.

3 . Pensar que as sinfonias de Bomtempo, Freitas Branco e Joly Braga Santos podem alargar as paredes dos auditórios.

4 . Pensar que o MPMP molda também o meio musical.

 

Portuguesa:     0. “Vergonha da arte: localizada, como qualquer ponto mesquinho do mapa. Nenhum artista se encontra generalizado pelo mundo inteiro desde a Europa à Ásia.”

1 . Orgulho da arte: Ser plural, ter várias vozes, falar várias línguas.

2 . Orgulho da música portuguesa: Poder ser cantada em língua portuguesa, a mais bela.

3 . Vergonha da arte portuguesa: complexo de inferioridade.

4 . Orgulho da revista Glosas: Ser composta por artigos em língua portuguesa, a mais bela.

5 . Inevitabilidade do MPMP: Continuar a tocar, publicar, gravar, estrear e descobrir música de compositores portugueses, tão bela como todas as outras.

 

Rui Bôrras
coralista

Nestes dez anos tive o privilégio e o prazer de poder colaborar convosco em vários projectos; e, se a minha profissão me permite fazer o que gosto a maior parte das vezes, é verdade que o projecto MPMP é especial para mim, pois comungo da vontade de divulgar a música portuguesa. É portanto com muito gosto que “visto a camisola” (o que poderá ser literal quando me oferecerem a do Lopes-Graça, para além da preta que já tenho [mpmpmpmpmpmpmpmp]), e espero que haja ainda muitíssimos projectos à nossa frente em que possamos juntar-nos. Um grande abraço e Longa Vida ao MPMP!

 


 

Textos escritos no âmbito
do 10.º aniversário do MPMP

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