Uma casa de ópera, com vista sobre o Atlântico, que nasceu por causa de um trilho de pegadas de dinossauros? Pode parecer bizarro mas, de certa forma, é verdade.

Reza a lenda que, no séc. XIV, terá sido encontrada na zona do Cabo Espichel uma imagem de Nossa Senhora por dois velhos pescadores, que relataram terem ambos visto num sonho a Nossa Senhora a ser carregada por uma mula branca a subir a falésia, marcando o trilho com os seus cascos. A partir daqui nasceu o culto da Nossa Senhora do Cabo e a zona tornou-se num local de romaria. Na falésia, onde está o trilho de pegadas, foi edificada no séc. XIV a Ermida da Memória, com o intuito de guardar a imagem encontrada da Nossa Senhora. No interior desta Ermida estão painéis de azulejos, de grande valor iconográfico, que relatam estes episódios da aparição da Santa.

Durante o séc. XVIII, por ordens de D. Pedro II e de D. José, foi construído todo um santuário que incluía, para além da Igreja, hospedarias para os sírios, um aqueduto e uma Casa de Ópera. Edificada em 1770, esta Casa tinha por objectivo promover animação cultural para os romeiros e festeiros. A própria família real, que visitava o santuário durante o período de romaria, também promoveu aqui espectáculos.

Na transição do séc. XIX para o séc. XX, o santuário entrou numa fase de declínio e as misteriosas pegadas foram entretanto identificadas como sendo de dinossauros saurópedes do Jurássico Superior.

Hoje, o edifício da Casa de Ópera, em cujo palco chegaram a actuar os maiores artistas e grupos teatrais da Europa (sobretudo italianos), encontra-se, infelizmente, em ruínas. Porém, desde 2007, a Câmara Municipal de Sesimbra presta-lhe homenagem através de um Festival, a que deu o nome de “Temporada de Música da Casa de Ópera do Cabo Espichel” e que acontece todos os anos, entre Março e Abril. A sua 8.ª Edição decorrerá entre 7 de Março e 12 de Abril  de 2015, com concertos em vários espaços do concelho. A programação é muito diversificada e inclui a ópera Don Giovanni de Mozart, pelo ateliê de ópera da Orquestra Metropolitana de Lisboa, recitais de piano, canto e piano, poesia, música religiosa e conferências. No concerto pascal no dia 4 de Abril teremos, na primeira parte, árias de ópera e o ciclo Canções do sol poente de António Fragoso, e na segunda parte, para além da actuação do Grupo Coral de Sesimbra,  o Requiem de Fauré pelo Choralphydellius.

Para além da gastronomia, das praias e dos locais de “vista assombrosa” (como é o Cabo Espichel, segundo dizia o Prof. José Hermano Saraiva), vale a pena também visitar Sesimbra pela boa música.

Programação completa aqui.

Sobre o autor

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Doutorada em Música e Musicologia (ramo de Interpretação) pela Universidade de Évora, é actualmente investigadora do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Iniciou os seus estudos musicais no Instituto Gregoriano de Lisboa. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas: Estudos Ingleses e Alemães (FLUL) e em Canto (ESML). Posteriormente obteve o grau de LGSM (Licenciate by the Guildhall School of Music and Drama) através do Trinity College. Como cantora de ópera, foi “Fanny” em 'O Tanoeiro' de Thomas Cooper (Teatro da Trindade), “2.ª Dama” na 'Flauta Mágica' de Mozart e “Sebastiana”, numa versão portuguesa da sua autoria da ópera 'Bastien und Bastienne' de Mozart. Para além de se apresentar regularmente em recitais, é membro do Coro Gulbenkian.