Anterianas. Ana Maria Pinto (soprano), Joana Resende (piano). Brandit Music, 2017 (46:14)


Embora Luiz de Freitas Branco seja sobretudo recordado como autor de música orquestral (pense-se nas suas sinfonias, nos poemas sinfónicos Vathek e Paraísos artificiais, ou nas Suites alentejanas), as canções para voz solista e piano ocupam também um lugar relevante no catálogo do compositor. Escreveu música sobre poesia de Camões, Baudelaire, Mallarmé, Maeterlinck, António Sardinha e Antero de Quental, entre outros, que revelam a evolução estilística da escrita de Freitas Branco e os seus interesses estéticos – a ligação aos ideais do Integralismo Lusitano, por exemplo, levaram-no a interessar-se por escritores associados ao movimento, como António Sardinha, Alberto de Monsaraz e Hipólito Raposo.

Antero de Quental (1842-1891) é uma figura recorrente na obra de Luiz de Freitas Branco (1890-1955), tendo sido inspiração para dois poemas sinfónicos que formam um arco cronológico na produção do compositor: Depois de uma leitura de Antero de Quental, que data da juventude (1908), e Solemnia Verba, uma obra de maturidade (1951). A estes poemas sinfónicos acresce um conjunto de canções escritas nas décadas de 1930 e 1940, sendo a essas canções que Ana Maria Pinto e Joana Resende dedicam o seu mais recente CD, Anterianas, que presta homenagem à ligação entre Luiz de Freitas Branco e Antero de Quental, assim como à Música e à Poesia, no culminar de um projecto que teve início em 2013.

Em Anterianas reúnem-se as canções do ciclo A Ideia (1937-1943) e Três Sonetos – A Sulamita (1934), Idílio (1937) e Sonho Oriental (1941). Fora desta selecção ficou apenas a canção Hino à razão, mas, em contrapartida, o CD inclui ainda a leitura de quatro poemas de Antero de Quental e quatro Lieder de Schubert. A inclusão de Schubert pode parecer inusitada, e cria realmente alguma estranheza pelas linguagens distintas dos dois compositores, mas esse constitui simultaneamente um aspecto cativante deste CD: a comparação do estilo de um compositor romântico com outro que procurou ser anti-romântico, que se antagonizam, mas que, ao mesmo tempo, parecem tocar-se e completar-se. E se Luiz de Freitas Branco não precisaria, à partida, de Schubert, cremos que ainda bem que as autoras do CD aqui o incluíram, porque é sempre com prazer que se escuta Der Leiermann (do ciclo Winterreise) e An die Musik, a concluir em tom luminoso o CD.

Ana Maria Pinto e Joana Resende

A leitura de Ana Maria Pinto e Joana Resende é atenta à dramaturgia poética. Os poemas de Antero são textos intimistas, langorosos, onde transparecem ansiedade e questionamento, que a música procura transmitir por meio de cromatismos, algumas dissonâncias e amplitudes abruptas de dinâmica e altura. O piano, que passa mais despercebido, tanto sustenta a voz como a completa, como nos compassos finais de Mas a ideia quem é?, onde desenha um harpejo cintilante a confirmar o verso. Ana Maria Pinto evidencia sempre uma boa dicção, uma voz forte e maleável, apta a corresponder às amplas tessituras das canções e segurando os pianos em grave. Agradaram-nos menos as leituras dos poemas A um poeta e Nocturno, nos quais emprega um tom de urgência e onde as pausas longas entre versos tornam indistintos os ambientes dos poemas.

Ao longo do presente ano, Ana Maria Pinto e Joana Resende têm realizado recitais de apresentação do CD: o próximo está marcado para dia 12 de Setembro, no Centro de Artes Contemporâneas em S. Miguel (Açores).


Pode encontrar mais informações sobre o CD Anterianas através desta ligação.

Sobre o autor

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Mariana Calado encontra-se a realizar o Doutoramento em Ciências Musicais Históricas focando o projecto de investigação no estudo de aspectos dos discursos e das sociabilidades que caracterizam a crítica musical da imprensa periódica de Lisboa entre os finais da I República e o estabelecimento do Estado Novo (1919-1945). Terminou o Mestrado em Musicologia na FCSH/NOVA em 2011 com a apresentação da dissertação "Francine Benoît e a cultura musical em Portugal: estudo das críticas e crónicas publicadas entre 1920's e 1950". É membro do SociMus – Grupo de Estudos Avançados em Sociologia da Música, NEGEM – Núcleo de Estudos em Género e Música e do NEMI – Núcleo de Estudos em Música na Imprensa, do CESEM. É bolseira de Doutoramento da FCT.