A Casa das Artes, em Vila Nova de Famalicão, recebeu no passado dia 25 de Fevereiro
o concerto de lançamento do 28.º CD da série melographia portugueza, produção do
MPMP Património Musical Vivo. Intitulado Ao encontro da alegria, este álbum reúne
música da autoria do compositor vila-realense Fernando Lapa, interpretada pela
soprano Carla Caramujo, acompanhada pelo Ensemble MPMP. Neste concerto, para
além da apresentação das obras do CD, o público contou com uma conferência de
apresentação do trabalho entre o compositor Fernando Lapa, a solista Carla Caramujo
e o pianista, e presidente do MPMP, Duarte Pereira Martins. Esta introdução
aproximou intérpretes e público, num ambiente íntimo e quase familiar, para o qual
muito contribuiu o clima acolhedor do grande auditório da Casa das Artes. Falou-se do
contexto de escrita das obras da noite e transmitiu-se a história e contextualização da
produção das mesmas. Foi notória a proximidade, estima e admiração entre os
intervenientes, e que muito se iria notar durante a performance musical.

O concerto foi um verdadeiro tributo à música com língua portuguesa. As obras
apresentadas revelaram a vasta experiência de escrita de música vocal em português
de Fernando Lapa. Para além da beleza dos poemas escolhidos, salienta-se a subtileza
e destreza do compositor, que revelou um soberbo domínio da composição musical
para a língua portuguesa.

O programa foi composto pelas obras do CD. Confissões, sobre um poema de Eduarda
Freitas (2016), abriu o concerto. Nessa obra, foi notória a agradável conjugação
tímbrica da voz feminina e do clarinete, sendo este agrupamento um dos predilectos
no âmbito da música de câmara para clarinete. A voz de Carla Caramujo foi
belissimamente complementada pelo timbre veloso do clarinete de Miguel Costa, um
dos mais distintos intérpretes nacionais deste instrumento, na actualidade.

De seguida, ouviu-se a obra que deu nome ao álbum discográfico, Ao encontro da
alegria, para soprano e piano. Esta obra foi dedicada a Carla Caramujo, sobre seis
poemas de Nuno Higino (2019), um amigo comum da cantora e do compositor.
Através da escrita, Fernando Lapa soube evidenciar as mais valias da voz da solista
que, por sua vez, impressionou pela polivalência e destreza vocais: do mais ínfimo
pianíssimo ao forte mais sonante e poderoso.

A obra central do programa, O mar também é abismo… (2000), um excerto de “Para a
Ilha do Tesouro” cantata sobre poema de Álvaro Magalhães, foi apresentado na versão
para violoncelo e piano. Situar esta obra no centro do programa foi uma feliz escolha
de alinhamento. Revigorou o concerto e ajudou a captar a atenção do público através
da apresentação de um instrumento que ainda não tinha sido ouvido nessa noite. O
violoncelista Nuno Cardoso teve uma interpretação competente da curta peça, uma
“canção do mar”, conforme apelidada pelo próprio compositor.

Seguiu-se Imagem (2016) do Livro das Horas, para soprano e piano. Nesta obra, Carla
Caramujo mostrou a ampla versatilidade da sua voz, exprimindo evidentemente todas
as cores do poema de Miguel Torga, que fez chegar ao público com imensa clareza e
expressão.

A última obra do programa foi Destinos (2010), para soprano, clarinete, violoncelo e
piano, com poemas de José Manuel Mendes. Foi uma escolha adequada para finalizar
o concerto, por reunir os quatro solistas da noite. Nela, destacou-se novamente o
lirismo da soprano Carla Caramujo em conjunção com o clarinete e o violoncelo, que
quase pareciam um trio vocal acompanhado pelo piano. Por último, e não menos
relevante, salienta-se a vasta versatilidade e segurança do pianista Duarte Pereira
Martins, que não só conduziu todas as obras do programa como mostrou grandes
capacidades de modelagem e adaptação às personalidades interpretativas dos
parceiros.

Por fim, louva-se o significante trabalho que o MPMP Património Musical Vivo tem
desenvolvido desde 2010. A melographia portugueza conta com uma considerável
colecção de música vocal portuguesa, obra que nem sempre é valorizada no campo da
música erudita da mesma forma que o canto em língua italiana, alemã ou inglesa.
Longe de se tratar de mera uma questão patriótica, a música portuguesa consiste num
vasto e rico património cultural imaterial. Plataforma que muito contribui para a
valorização e divulgação dos músicos e da música erudita portuguesa, o MPMP
consiste numa das associações que mais tem contribuído para a mudança deste
paradigma.

 

 

 

Sobre o autor

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Ana Lúcia Carvalho iniciou os estudos musicais no Orfeão de Leiria. Concluiu a Licenciatura em Música (2012) e em Musicologia (2014), na Universidade de Évora. É mestre em Ensino de Música na variante de Direcção Coral e Formação Musical pela Universidade do Minho (2021). Como coralista, ingressou o Ensemble Vocal Manuel Mendes, o Ensemble Eborensis, o Coro Ricercare e o Coro Ninfas do Lis. Frequentou formações em Direcção Coral e pedagogia coral infanto-juvenil e tem realizado publicações nessa área disciplinar. Actualmente, é professora do Ensino Artístico Especializado e estudante-investigadora no Programa Doutoral em Estudos da Criança (Educação Musical) na Universidade do Minho.