desde o torso em torno
do teu ombro eu faço eu construo
o meu país o meu irmão de areia e ar
cercado perseguido pelos teus braços de âmbar
entre a terra e o perfume do mar
eu faço algo fluvial para os pássaros
algo de água pura para os teus lábios 
pela tua anca nacarada  eu faço os rios algo azul como este sangue
e as vertentes viradas expostas ao peso desta mão
dadas à clave do vento à melopeia das searas eu faço
porque nas veias tenho este país este sangue
cinzelando a raiz submersa das paisagens construindo as casas:
o cereal moído a orla marítima deste coração: eu escrevo sempre por cima
deste cárcere o declive lírico a raiz do sol dentro da pedra, e esta, a
a agrária paixão deste sangue revolto: e que timbre às mãos isto faz
a força a vergar a erguer os homens nos navios em meio da água
e nos aquedutos a tua fome a vergar o meu sangue luso
a vergar a minha mão fluvial diante do teu rosto
a vergar o que eu quero: este nome do meu sangue erguido
a dizer a pôr a mão o poema cor de ouro sobre o meu ombro
se só tu és este nascimento esta raiz de ouro que é como um esquecimento do espaço


Imagem: Apolo, de Nadir Afonso.

ARTIGO PUBLICADO NA GLOSAS 3, a propósito da música de Joly Braga Santos
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Sobre o autor

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Luís Felício nasceu em Tavira, em 1982. Estudou História de Arte e Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e foi editor e director da revista literária 'Cràse'. Tem diversos textos publicados sob o pseudónimo Ruy Narval. Tem tido várias distinções literárias: venceu o concurso Jovem Criador, organizado pela Câmara Municipal de Aveiro, em 2007 e 2008; foi seleccionado para a Colectânea Jovens Escritores em 2008, 2009 e 2010; venceu o Concurso Literário Artefacto Poesia 2010; com o livro 'A sombra dos lugares' (ed. Arcádia, 2012) venceu o Prémio Literário Cidade de Almada 2011 e, com o livro 'cânone contínuo' o Prémio Edmundo Bettencourt 2011, da Câmara Municipal do Funchal. Actualmente vive na Polónia onde ensina português em regime de voluntariado.