Bruno Monteiro, violinista português reputado internacionalmente, fala à Glosas sobre um pouco do seu trajecto e sobre a história da sua educação e vida musical, bem como dos seus mais recentes projectos

Obrigada, Bruno, por ter aceitado o convite da Glosas para esta entrevista. Começaria por lhe perguntar por onde passou a sua educação formal e informal em Portugal; e que personalidades, entidades e instituições marcaram a sua vida ainda enquanto aluno de violino e como jovem músico?

Ora bem: eu nasci no Porto e comecei a estudar Música por volta dos seis ou sete anos, mas comecei por estudar Piano, curiosamente, por três motivos. Primeiro, porque a minha Mãe tinha estudado piano, depois porque havia um piano em casa e, por fim, porque não havia necessidade de comprar outro instrumento. Estudei Piano até aos onze anos e, embora a minha professora da altura dissesse que eu tinha muito jeito, um dia houve um momento marcante na escola onde estudava, a Academia de Música de Paços de Brandão.

Havia uma orquestra de câmara, constituída por professores e por alunos mais adiantados – temos de situar em 1988/89. Hoje, qualquer escola tem uma orquestra, mas, na altura, era muito raro. Então, um dia – segundo me contam, eu já não me lembro – ninguém sabia onde eu estava e foram dar comigo a assistir ao ensaio da orquestra de câmara. Foi um momento de grande transformação para mim: e apaixonei-me pelo violino. Depois, lembro-me de ir a uma loja de música com a minha Mãe, e eu não conhecia nada de compositores – tinha para aí nove ou dez anos – e lembro-me de querer um disco de um concerto para violino. Então, o senhor da loja mostrou-me o Concerto para Violino de Mendelssohn. Curiosamente, mais tarde vim a perceber que era Isaac Stern com a Orquestra de Filadélfia, com Eugene Ormandy. Inicialmente, os meus Pais não queriam que eu fosse para violino, porque já estudava piano há uns anos e tinham de comprar um instrumento (aquelas coisas…), mas lá comecei.

O meu primeiro professor, com quem estudei um ano, foi o Osvaldo Ferreira, que é maestro, e, na altura, tinha vinte e três anos – e foi um excelente professor. Depois, passado um ano, ele achou bem que eu continuasse a estudar com o professor dele, na altura, o Carlos Fontes, que foi durante muitos anos Concertino da Orquestra Sinfónica do Porto. Fiz uma audição para ele, ele gostou, e comecei a estudar. Depois, por volta dos catorze anos, toquei para o Gerardo Ribeiro, que, na altura, vinha muito a Portugal, e foi aqui precisamente, na Fundação Gulbenkian, que mo apresentaram e aparentemente mostrei algum talento; ele, então, passou a ser o meu orientador, o meu “guru”. Estudei com ele aqui em Portugal, nas masterclasses, e, depois, ele também conseguiu uma bolsa da Fundação Gulbenkian e da Fundação Luso-Americana; com quinze ou dezasseis anos fui para os Estados Unidos. Estudei lá dois meses: depois vinha, depois voltava, sempre com ele. Foram esses, digamos, os professores essenciais da minha formação.

Lopes-Graça

Anteriormente ao período dos Estados Unidos, houve alguma circunstância, algum acontecimento que o tenha feito tomar uma decisão mais séria em relação a uma prática musical profissional?

Sempre foi sério. Eu sempre quis ser músico, só não estava no instrumento certo, o que acontece muitas vezes. Mas, sim: houve um momento marcante; foi quando estudava violino há um ano e houve o concurso da Juventude Musical Portuguesa. Na altura, só existiam dois concursos em Portugal, o Concurso da Juventude Musical Portuguesa e o Prémio Jovens Músicos: não havia mais nada. Foi nessa altura, um ano e meio depois de começar a estudar violino, que decidi concorrer ao CJMP, em 1990. Na altura, ninguém queria que eu concorresse, porque estudava violino há um ano e meio e as possibilidades de ganhar alguma coisa seriam muito poucas – ia concorrer com outras pessoas que estudavam há muito tempo, com outra bagagem, e para os meus Pais chegar à final já era um prémio: eles nem punham a hipótese de eu ganhar. Depois, cheguei à primeira eliminatória, passei e cheguei à final e ganhei o primeiro prémio. A partir daí, os meus Pais convenceram-se de que as coisas seriam a sério. Aliás, tenho de dizer que os meus Pais, desde o princípio – e sinto-me muito afortunado –, ao contrário do que acontece com muitos miúdos, nunca me forçaram a fazer nada. Nunca me forçaram a ganhar tudo, a ser o melhor, a estudar oito horas por dia. As coisas aconteceram naturalmente, foram pelo seu caminho e nunca houve pressão. Se calhar, foi por causa disso que eu “sobrevivi” musicalmente e outras pessoas não, pois nunca senti tensão da parte deles: se eu queria construir uma carreira na Música, tinha de ser eu a fazer as coisas.

A propósito da pergunta anterior, houve algum tipo de repertório, algum compositor em específico ou alguma obra que o tenha levado a tomar essa decisão, ainda que inconscientemente, de uma forma mais emocional?

Não, não: tudo o que fosse repertório violinístico para mim era bem-vindo. Claro que depois começamos sempre pelos clássicos, por Beethoven, por Brahms, por Schumann, mas, mais tarde, quis também conhecer a música contemporânea. Independentemente disso, tudo o que fosse para violino era do meu agrado, fossem concertos, sonatas, peças virtuosas: era uma paixão generalizada.

Tem de se tocar bem, e tem de se tocar bem durante muito tempo. Tem de se ser afável e humilde, no sentido de saber lidar com as pessoas. […] Nada é garantido: temos sempre de continuar a trabalhar.

Falando, então, dos Estados Unidos, como ocorreu a transição e a adaptação cultural e artística? O que o mudou e chocou nessa transição?

Sabe que, naquela altura, as coisas eram diferentes. Hoje existe muito mais informação, mas, na altura, um miúdo com 17 anos com uma bolsa da Gulbenkian, do Ministério e do Centro Nacional de Cultura não era uma coisa propriamente usual; não sei como é hoje, mas quando eu fui não era muito comum. Tinha sido o Gerardo Ribeiro quem me tinha recomendado ir estudar para determinada escola, quem me tinha apresentado aos professores necessários, eu fiz as audições e, quando cheguei a Nova Iorque, tudo para mim era uma descoberta. Naquela altura era toda a agitação de conhecer pessoas de todo o lado, músicos e professores de todo o mundo e, no princípio, era muito bom.

À medida que o tempo foi passando, fui mudando: Nova Iorque é uma cidade para se ir, estar e voltar. Não é para ficar lá, pois acaba por se tornar muito esgotante. Acabei por ir para Chicago estudar com provavelmente um dos melhores professores do mundo, o violinista israelita Shmuel Ashkenasi, que ganhara o Concurso Tchaikovsky de Moscovo em 1962 e foi durante muitos anos primeiro violino do Quarteto Vermeer – até já tocou aqui, na Gulbenkian, várias vezes. Depois, tive uma bolsa do Ministério da Cultura e da Fundação para a Ciência e Tecnologia e terminei lá o meu Mestrado. Adorei: era uma cidade bem mais calma, muito limpa, comparada com Nova Iorque, e foi fantástico. Ainda pensei em ficar na América, porque foram surgindo propostas para lá ficar, mas decidi regressar e continuar aqui a minha vida.

Durante esses cinco anos, como se manteve a sua relação com o meio musical português?

Muito boa, muito boa. Sempre que vinha cá tinha concertos, no Verão e no Natal, obrigatoriamente, e tinha sempre concertos com orquestra, ou recitais ou música de câmara. Foi assim que se manteve o contacto.

E essas colaborações surgiram de ligações anteriores, de quando ainda era jovem, ou foram ligações que se criaram durante essa altura?

Ambas as coisas: cheguei a fazer concertos com a Orquestra Clássica da Madeira, solos, muitos recitais, mas só comecei a estruturar a minha carreira com determinadas pessoas quando começou a minha parceria com João Paulo Santos, em 2001, que dura até aos dias de hoje. A partir daí toquei com a English Chamber Orchestra no CCB (Dias da Música), a Orquestra Sinfónica Portuguesa, a Orquestra de Palma de Maiorca, a Orquestra do Norte, a Filarmonia das Beiras, e por aí…

Em relação aos prémios que obteve até agora: como acha que esse tipo de atribuições glorificam ou validam um intérprete?

Bem, se calhar vai ficar chocada com o que lhe vou dizer, mas eu acho que os concursos hoje em dia, em qualquer parte do mundo, têm muito pouco valor. Pelo simples facto que de, antigamente – há 20, 30 ou 40 anos – havia cinco concursos no mundo, enquanto hoje há concursos em todo o lado. Antigamente, ganhar o Concurso Tchaikovsky, em Moscovo, ou o Queem Elizabeth, em Bruxelas, significava vir na primeira página dos jornais todos e ter uma carreira na música garantida. Hoje, as pessoas que ganham esses concursos são anónimas, já ninguém sabe quem ganha e não se lhes dá valor. Se tivermos, em todo o espectro dos concursos, cerca de sessenta ou setenta, que acontecem normalmente uma vez por ano, acontece que há 1.º e 2.º prémio para aproximadamente 150 violinistas e é quase impossível toda esta gente ter uma carreira. Dantes havia menos concursos, mas cada um deles tinha maior peso artístico; hoje, normalmente, as pessoas ganham o prémio – é sempre melhor ganhar do que não ganhar – mas fazem meia dúzia de concertos e acabou. Porque no ano seguinte vem outra pessoa que ganha e que vai tomar este lugar, também pela falta de adesão em massa aos concursos – muitos deles têm pouquíssimos concorrentes. As atenções acabam por dispersar e atribuir menos valor a cada um deles.

Em relação a isso, e tocando no outro lado da vida artística, quais são as dificuldades que um intérprete sente ao longo da carreira que acabam por ficar ocultas? Quais as frustrações e obstáculos que emergem de uma vida de concertista?

Creio que o mais importante é manter uma carreira, e não tocar só uma vez aqui e ali e ganhar um ou outro concurso.

Ser consistente?

Essencialmente, é que as pessoas tenham interesse em que a pessoa toque e continue a tocar. Nós só tocamos se os outros quiserem que nós toquemos, e mesmo que eu queira muito, só o farei se as pessoas me derem essa oportunidade. O mais difícil não é conseguir começar, é manter. Para o meu lado as coisas têm corrido bem, trabalho muito para aquilo que me é importante, tenho conseguido manter boas relações com as pessoas e tenho tido possibilidade de fazer muitas coisas. E nunca existem garantias nenhumas, nós somos tão bons desde a última vez que tocamos. Toda a gente acaba por ter os seus 15 minutos de fama de ganhar um concurso, ou gravar um disco ou tocar naquela e noutra casa. Mas o que interessa é o que vai acontecer a seguir, manter uma regularidade – mesmo que não seja com muitos momentos de glória e mediatismo – que o satisfaça a si mesmo e ao público.

E, na sua opinião, como é que isso se faz?

Primeiro tem de se tocar bem, e tem de se tocar bem durante muito tempo. Tem de se ser afável e humilde, no sentido de saber lidar com as pessoas. Depois também é uma questão de ter um bocadinho de sorte, porque isto depende sempre do mercado e do estado da economia, está em constante mutação. Na América, cheguei a ver miúdos de 10 e 12 anos a tocar muitíssimo bem e as suas professoras muito pouco confiantes sobre as possibilidades de carreira dos alunos. Depende sempre de quem é que aparece, de quem acaba por se destacar de uma forma extra-musical, por aí… Nada é garantido: temos sempre de continuar a trabalhar.

Szymanowski

Ainda em relação ao tema da receptividade e da recepção: durante a sua vida profissional, alguma vez, até agora, sentiu inclinação por parte de professores, produtores ou da crítica para se dedicar a determinado repertório?

Eu gosto de tocar música de todos os períodos. O que toco mais acaba por ser a música romântica do final do século XIX e do início de XX. Depois também depende dos convites das orquestras e do repertório que as entidades escolhem após uma conversa e uma abordagem ao intérprete. Em relação à gravação de discos, tem também a ver com as editoras com que se trabalha: com as que eu tenho trabalhado, normalmente fazem uma sugestão de repertório (duas ou três) e dessas eu posso escolher uma, a que se adequa mais a mim. Em suma, eu gosto de variar, não gosto de tocar as mesmas coisas.

E essa versatilidade acaba por defini-lo enquanto intérprete?

Sim, e dentro disso as pessoas já sabem mais ou menos o tipo de repertório que eu faço. Por exemplo, eu prefiro tocar uma sonata de Brahms ou um concerto de Beethoven a tocar concertos de Bach, até porque é uma área já muito preenchida. Eu gosto sobretudo de fazer coisas que são pouco feitas, como, por exemplo, a obra integral de Fernando Lopes-Graça para a Naxos, que foi um disco que vendeu imenso e teve críticas fantásticas no mundo inteiro. Na altura ninguém o tinha feito: fiz a obra para violino solo e violino e piano com o João Paulo Santos. Havia uma gravação antiga muito boa de Vasco Barbosa, mas que já nem sequer estava em circulação e nem todas as obras estavam gravadas. Depois, o disco que gravei a seguir foi a obra completa de Szymanovski, que foi a primeira gravação em todo o mundo que incluiu a obra toda do compositor para violino e piano. Por isso, sim: talvez a minha marca seja tocar coisas que normalmente não são tão tocadas, apesar de os compositores até serem bem conhecidos.

Trabalho, trabalho e trabalho. É sempre bom quando nos reconhecem e nos dão boas críticas, mas nunca parar de trabalhar, só quando se morre. Ter projectos, continuar a tocar e nunca pensar que já se chegou a algum lado…

Em relação aos seus últimos recitais e concertos, o que há para contar?

A última vaga de concertos começou em Almada, no dia 29 de Outubro, com um recital só de Lopes-Graça, um concerto relativamente curto, no Fórum Romeu Correia. Precisamente por já termos gravado a integral e já a termos tocado várias vezes em público, não fizemos integral dessa vez, mas só algumas obras com comentários do João Paulo Santos. São obras que vão desde o início da composição de Lopes-Graça até às suas últimas obras e onde se tenta criar um panorama geral, para, com um bocadinho de cada coisa, as pessoas terem a ideia – pelo menos em Almada – do que foi a obra de Lopes-Graça para violino solo e violino e piano.

No dia 12 de Novembro, fizemos um recital na Mostra Portuguesa, em Madrid, com um programa de Luiz de Freitas Branco (a Sonata para violino e piano), Heitor Villa-Lobos e John Williams (o Violino no Telhado), um programa um bocadinho diferente. Repetimos esse programa em Viena, no Musikverein, a 28 de Novembro, e também na Embaixada de Portugal, em Paris. Foi um programa apresentado em três países e a ideia foi mostrar um bocadinho da música portuguesa, brasileira e americana.

Em Inglaterra, em 2017, faremos Luiz de Freitas Branco e Lopes-Graça novamente, a Sonata para violino de Elgar – visto que estamos em Inglaterra – e uma obra de Saint-Saëns, também muito pouco tocada, o Capricho em Forma de Valsa, que é para piano, mas adaptada para violino e piano. Em relação a gravações, o meu último disco é dedicado à integral da obra para violino e piano de Erwin Schulhoff, na editora holandesa Brilliant Classics.

Schulhoff

Como descreve a sua convivência musical com João Paulo Santos?

É óptima. O João Paulo Santos, como toda a gente sabe, é um excelente pianista, maestro e músico. Nós começámos a tocar em 2002, ele já era um músico reputado e eu ainda era um miúdo, e a colaboração começou de uma forma muito curiosa, porque na altura eu tinha tido experiências um pouco negativas com outros pianistas, ia fazer um concerto no Museu Gulbenkian e não tinha pianista. Na altura, o Dr. Pontes Leça, Director-adjunto da Fundação, com quem eu me dava muito bem, sugeriu-me o João Paulo. Nós contactámo-nos, fizemos um ensaio e as coisas continuaram desde então. Hoje é uma das pessoas com quem eu mais trabalho, é um dos meus melhores amigos e temos uma relação profissional e pessoal excelente. Já gravámos 10 discos e fizemos dezenas de concertos, portanto já nos conhecemos muito bem e cada um já sabe o que tem de fazer quando vamos tocar.

Se tivesse que resumir numa lição, num ensinamento a sua relação com ele, qual seria?

Trabalho, trabalho e trabalho. É sempre bom quando nos reconhecem e nos dão boas críticas, mas nunca parar de trabalhar, só quando se morre. Ter projectos, continuar a tocar e nunca pensar que já se chegou a algum lado: isso só para lá dos 70 anos [risos]. O João Paulo é um exemplo disso: é uma pessoa que, apesar de já andar nisto há umas quatro décadas, continua a trabalhar com o afinco e o fulgor de um jovem que está agora a começar…

No domínio da música portuguesa, o que sente que falta ser feito para uma divulgação e compreensão mais generalizada e democrática das obras e dos autores que ainda permanecem obscuros?

Eu acho que se tem feito muito nos últimos anos. Posso dizer-lhe que, há 25 anos, se queríamos uma partitura de um compositor português, não conseguíamos nada. Existem muitas, mas lembrei-me agora de que a AVA tem feito um bom trabalho na edição de partituras de compositores portugueses. Existem também muitos intérpretes portugueses que estão a gravar e a divulgar muita coisa ao nível da música portuguesa. Outro processo importante tem justamente sido alguns músicos portugueses que estão no estrangeiro e tocam música portuguesa regularmente por lá, e que gravam para editoras estrangeiras este repertório, que é consequentemente distribuído mundialmente. Começa a existir um reconhecimento externo dos compositores portugueses assim. Na parte que me toca, tenho feito o que posso e assim continuarei sempre e acho que se toda a gente fizer o seu papel, correrá bem!

Eu não quero que os meus alunos sejam os melhores do mundo, mas quero que eles façam o melhor que podem com o talento que têm. Acho que toda a gente devia dar aulas, nem que seja só uma vez na vida: é algo que nos engrandece e que nos coloca noutra perspectiva.

Sendo actualmente também professor, em Santa Maria da Feira, quais são as suas preocupações ao nível do ensino?

Dar aulas é um processo complicado, especialmente aulas de instrumentos. Acima de tudo, eu tento incutir aos meus alunos bons hábitos para tocar. Primeiro, claro, questões técnicas, apesar de tentar sempre acompanhar a parte técnica e a parte musical: não gosto de separar as duas coisas. Tento sempre dar-lhes boas bases. Sou um professor exigente, mas ao mesmo tempo gosto de ser amigo dos meus alunos. Interesso-me por aquilo que eles fazem, não só na música, mas também nos estudos regulares deles e os seus problemas.

Cada aluno é um caso; não ensino os alunos todos da mesma maneira. Cada aluno tem a sua personalidade e eu tento analisar cada aluno e entender o que cada um deles precisa, seja a nível musical, seja a nível técnico ou como ser humano: acho que isso é muito importante. Tento não forçar o que não deve ser forçado e tenho sempre adequar o meu método. Dar aulas tem sido interessante, porque também me faz analisar coisas que por vezes em mim são naturais, mas que no processo de aprendizagem têm de ser desconstruídas para o aluno entender, como um puzzle, e isso tem sido uma experiência que também me tem ensinado a mim.

E, nesta perspectiva, como é que dar aulas o tornou um melhor músico?

Fez-me acalmar-me, fez-me pensar nas coisas de uma forma menos intuitiva e mais objectiva. Conheço pessoas que dizem que não querem dar aulas, mas recomendo sempre: aprende-se muito a dar aulas. Muitas vezes acabamos por dar soluções a nós próprios, porque estamos a falar com o aluno, mas muitas vezes pensamos: “Isto é um conselho para o aluno… mas eu devia fazer a mesma coisa!” Eu não quero que os meus alunos sejam os melhores do mundo, mas quero que eles façam o melhor que podem com o talento que têm. Acho que toda a gente devia dar aulas, nem que seja só uma vez na vida: é algo que nos engrandece e que nos coloca noutra perspectiva.

Relativamente a essa questão, uma pergunta um pouco mais política: quais é a sua opinião em relação ao estado do Ensino Artístico Especializado em Portugal? O que lhe apraz dizer sobre os programas, a gestão e as políticas que orientam o funcionamento das escolas?

Acho que o ensino artístico está a dar frutos, mas é um programa que tem de ser apoiado. Existem muitos professores que vivem essencialmente de dar aulas e que fazem um excelente trabalho, e o nível nos últimos anos em Portugal tem subido muito graças a estes professores e ao trabalho desenvolvido nas escolas. Os nossos governantes devem ter isso em atenção: seria lamentável se o ensino artístico deixasse de ser apoiado. Todos temos de dar o nosso contributo para que isso não aconteça. Toda a gente tem o direito à sua dignidade enquanto profissional e seria terrível ver uma geração de bons professores a serem despedidos e a não conseguirem trabalhar por causa de questões burocráticas, bem como uma série de jovens privados dessa possibilidade.

Como estudante no estrangeiro e como observador, que tipo de políticas e organização gostaria de ver aplicadas em Portugal com o devido contexto?

Digo-lhe já e muito rapidamente: organização! As coisas estão melhores, mas em Portugal continuam um bocadinho desorganizadas. Quando envio uma comunicação, um e-mail para o estrangeiro, respondem-me imediatamente, enquanto aqui parece existir sempre impedimentos a uma comunicação rápida e fácil. Adoro Portugal e não trocava isto por nada, nem por Nova Iorque, mas acho que temos muitos problemas de organização. Naturalmente há excepções, sempre, mas as coisas fazem-se muito em cima do joelho e de forma pouco orientada. Com mais rigor de planeamento e organização, podíamos ser o melhor país do mundo! [risos] Nos Estados Unidos também é o extremo, as coisas são planeadas com quase três anos de antecedência, mas aqui muitas vezes são com um ou dois meses, e isso cria um certo stress nem sempre benéfico: estamos sempre em estado de alerta.

Para finalizar, trê perguntas rápidas: um sítio para tocar?

A Sala Grande do Carnegie Hall, no Perelman Stage. Já toquei na pequena, mas a grande seria incrível.

Um compositor para descobrir, que ainda não tenha surgido nos planos?

Joly Braga Santos!

O seu disco de ilha deserta?

Ah, eu conheço essa! [risos] Levava dois, um de música clássica e outro não. Levava Pink Floyd, The Wall e provavelmente levaria a Noite Transfigurada de Schoenberg, que já toquei e gravei. É uma obra em que descobrimos sempre mais. Seriam essas as minhas duas escolhas.

A Glosas destaca três críticas de imprensa a Bruno Monteiro:

“O Prelúdio e Fuga e os Esponsais para violino solo (Fernando Lopes-Graça) são cruelmente expostos e exigentes, sendo as suas dificuldades expedidas com uma segurança e eloquência infalíveis por Bruno Monteiro”. Gramophone

“Monteiro tem um modo de tocar ardente e heróico.” The Strad

“Monteiro atinge consistentemente um equilíbrio quase perfeito entre o expressivo e o intelectual, especialmente na obra-prima de Saint-Saëns (Sonata n.º 1 em Ré Menor). O seu som é quente, mas nunca açucarado face aos gestos calmos do pianismo de João Paulo Santos e enquanto duo oferecem, para todos aqueles que se possam ter esquecido de quão brilhante a Sonata em Ré Menor é, um lembrete insistente. A Sonata de Strauss, quase o seu último trabalho para música de câmara e um trabalho enganosamente exigente – técnica e psicologicamente –, concede a Monteiro e Santos uma hipótese para deslumbrarem”. MusicWeb International

Saiba mais sobre Bruno Monteiro aqui.

Sobre o autor

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Sofia Ferreira Teixeira nasceu em 1993 em Torres Novas, Santarém, onde estudou no Conservatório de Música Choral Phydellius, concluindo em 2011 o Curso de Saxofone. É licenciada em Ciências Musicais pela FCSH-UNL e actualmente frequenta o Mestrado em Ensino da Música — Ramo de Formação Musical na ESMAE, Porto. É bolseira do CIPEM — INET-md, onde colabora com o projecto Orelhudo, do Serviço Educativo da Casa da Música. Profissionalmente, é produtora do Festival Dias de Música Electroacústica, dirigido por Jaime Reis, lecciona Formação e Educação Musical no Conservatório de Cascais e trabalha com coros, quer como maestrina assistente, quer como coralista.