CANÇÃO DO BANDIDO
(Em cena de 8 a 18 de Novembro – quarta-feira às 19h00, quinta-feira e sábado às 21h00 e domingo às 16h30)
Música e Direcção Musical | Nuno Côrte-Real
Libretto | Pedro Mexia
Encenação | Ricardo Neves-Neves
Cenografia | Henrique Ralheta
Figurinos | Rafaela Mapril
Desenho de luz | Luís Duarte
Personagens e intérpretes
Bruna | Bárbara Barradas
Severa | Cátia Moreso
Esmeralda | Inês Simões
Guadalupe | Sónia Alcobaça
Macaco | André Henriques
Oponente | Marco Alves dos Santos
Coro do Teatro Nacional de São Carlos
Orquestra Sinfónica Portuguesa
Maestrina titular | Joana Carneiro
Co-produção: Teatro da Trindade – Inatel / Teatro Nacional de São Carlos / Temporada DARCOS
Os homens são um bando de macacos. É caso para dizer que a excepção confirma a regra e que a regra, por seu turno, não confirma a excepção – pelo menos no que respeita ao ser masculino devidamente inserido e considerado em contexto de “alcateia”. O homem, eterno adolescente, inconsequente e irreflectido, deve ser tido, neste cenário, como uma subespécie humana e, por maioria de razão, mais próximo do reino animal. A falta de originalidade no tema que dá vida ao libretto de Pedro Mexia faz com que todas as expectativas recaiam na abordagem do mesmo – mas, afinal, não é essa a vocação do género cómico? Tanto quanto a tradição operática permite constatar, ainda que com algumas excepções, o género cómico viveu sempre muito mais da natureza das próprias personagens do que da riqueza do enredo.
Desde a segunda metade do séc. XX que a ópera cómica esteve, e tem estado, ausente do catálogo dos compositores contemporâneos, em parte pela crise a que a ópera, como um todo, se viu votada no final desse mesmo século. O género chegou mesmo a ser considerado “uma opção pouco prestigiante para um compositor” – como bem lembrou o maestro João Paulo Santos, aquando da conferência que precedeu a estreia, no Teatro Aberto, de Três Mulheres com Máscara de Ferro, no passado dia 5 de Outubro. Desta feita, a comédia está hoje, no imaginário do espectador, muito mais próxima de géneros menos eruditos como o teatro-musical, ou até mesmo o teatro-revista. Daí que esta intenção de aproximar a opera buffa (numa terminologia mais arcaica) à estética musical hodierna mereça vénia.
O libretto apostou numa revisitação não muito feliz desta clássica personagem-tipo do galanteador viril e destemido. Como consta da folha de sala, o autor predispõe-se a uma reflexão um tanto mais ambiciosa, publicitando um texto que pretende questionar o papel do tradicional sedutor, “numa época em que as guerras dos sexos (ou dos géneros) já não são o que eram, ou têm pelo menos discursos e legitimidades diferentes”. Do texto apenas se retira uma sequência de momentos de sedução e conquista, que em nada diferem no modo, ou no conteúdo. Não se trata, ao invés do que a autoria alvitra, “de um Don Juan em tempos de #MeToo”, mas antes de uma visão nada inovadora deste arquétipo literário. A referência implícita ao conto tradicional português O macaco do rabo cortado foi vã – ainda que essa, segundo o programa, tenha sido a intenção confessa do autor, Pedro Mexia. A narrativa original deste conto dá-nos um papel-título marcado pelo cunho da diferença, que tem por frustradas todas as tentativas de alterar a percepção que os demais têm de si próprio. A dinâmica, pobre e repetitiva, não consentiu que as personagens se desenvolvessem numa dimensão psicológica, de modo a ganharem um espaço e uma vida própria no contexto da acção, além do óbvio. Coube à encenação de Ricardo Neves-Neves um papel maior na construção destas personagens. O desenho de cena e os figurinos são de boa qualidade e harmonia estética, situando o decorrer dos acontecimentos algures nos anos cinquenta. Há que dizer, no entanto, que as máquinas de escrever, os vestidos new look e os sapatos de polaina branca apenas contribuem para um aumento da natureza extemporânea da narrativa.
De Don Giovanni à música Pop: é esta a proposta do compositor e maestro Nuno Côrte-Real, conhecido autor da ópera O Rapaz de Bronze (2007). De muito boa memória fica a abertura desta ópera – enérgica, rica nos timbres e com um momento especialmente cómico reservado para a tuba, a que os sorrisos do público não foram indiferentes. No decorrer da peça, a gramática e a elegância reconhecidas deste compositor consagrado parecem ausentar-se, dando ocasião a referências externas pouco coesas, a que se sucede uma apresentação de motivos musicais um tanto repetitiva. Não obstante, alguns momentos mais jazzy, muito bem concretizados, conferem uma jovialidade singular à música desta ópera.
Os aplausos mais calorosos vão, com toda a justiça, para as vozes que dão cor esta produção e que por si só justificam uma ida ao Teatro da Trindade. Muito especialmente para o barítono André Henriques (Macaco), que já havia surpreendido e presenteado o público com a sua voz singular e notória presença de palco numa excelente produção semi-encenada da Fundação Calouste Gulbenkian da cantata dramática Acis and Galatea, de Händel, auspiciando-se uma carreira promissora. Não menos especial foi a prestação do mezzo-soprano Cátia Moreso (Severa), cuja tessitura refinada e voz carismática são amplamente completadas pelas suas qualidades de actuação, o que faz desta cantora uma referência no panorama actual.
Em nada contribuiu para o espectador a ausência dos já tradicionais painéis de legendas, aliada a uma folha de sala desprovida de libretto. Esta falha inconcebível de produção, que raia o amadorismo, não pode ser desculpada pelo facto de esta ópera ser cantada em língua portuguesa. Como é sabido, a música distende a palavra e as falas das personagens, dificultando a sua compreensão e o próprio encadeamento da diegese dramática.