Ontem, dia 23 de Janeiro, a Sala Suggia da Casa da Música acolheu um concerto especial da Orquestra Sinfónica do Porto. O programa intitulou-se recatadamente Portugal XXI, e em boa justiça: a música é, de facto, a de alguns dos mais internacionais e representativos compositores lusos em actividade. Porém, no âmago da tarde esteve a celebração do trabalho e vida de Manuel Dias da Fonseca.
Manuel Dias da Fonseca nasceu em Matosinhos no ano de 1923, e será mais conhecido junto do público melómano como o histórico vereador da Cultura da sua cidade natal. Professor de Fisico-Química, assumiu o pelouro no início dos anos 80, onde, durante cerca de duas décadas, moldou a actividade cultural da cidade, cujo impacto se sentiu em todo o país. Levou a cabo uma política (na altura inédita a nível autárquico) de fomento da produção contemporânea através da encomenda a compositores, que ainda hoje perdura. Já na fase final da sua vida, foi um dos fundadores do Quarteto de Cordas de Matosinhos, “um sonho antigo” e a sua “última grande realização”, segundo Fernando Rocha, seu sucessor na vereação. Publicou três volumes de poesia. Os seus mais de quarenta anos de trabalho deixam como legado estruturas culturais da maior qualidade, incontáveis públicos transformados e servidos e um exemplo ímpar de vida pública em prol da música e da cultura.
O concerto abriu com a estreia da mais recente encomenda da Câmara Municipal de Matosinhos, em parceria com a Casa da Música: Still Point, de Vasco Mendonça, que a dedica à memória de Manuel Dias da Fonseca. À semelhança da sua última obra orquestral, Group Together, Avoid Speech, de 2012, Mendonça vale-se da poesia de T. S. Eliot para o título.
De Luís Tinoco ouviu-se Díptico, para piano e orquestra, escrita em 2005 e nesse ano estreada por António Rosado na Casa da Música, sob a direcção de Martin André. Desta feita, o papel solístico esteve a cargo de Mey Yi Foo, pianista malaia cuja virtuosidade e dedicação (também) à música contemporânea têm sido dignas de elogios da crítica.
A proposta de António Chagas Rosa é a mais antiga deste programa, escrita entre 1992 e 1994 (no final dos estudos do compositor na Holanda). Antinuous, para quarteto de cordas e orquestra, assim chamada por causa de um dos poemas de língua inglesa de Fernando Pessoa, contará com o Quarteto de Cordas de Matosinhos à frente da orquestra.
Transmutations pour orchestre: la bibliothèque en feu, de Pedro Amaral, resulta igualmente de uma encomenda da Cidade de Matosinhos que remonta ao ano de 2005, mas cujo trabalho na resposta foi-se prolongando até à estreia em 2012, pela Orquestra Gulbenkian. A acompanhar o título, que inscreve a peça no final (até ver) de um caminho particular de apuramento técnico e estético, junta-se o envio para um quadro de Vieira da Silva, que, na sua “redução notável do vocabulário” e “admirável aprofundar do gesto numa série de variações consequentes”, terá inspirado o compositor a erigir uma obra de semelhante exuberância e força.
O concerto marcou ainda a estreia portuguesa de Pablo Rus Broseta, um jovem maestro espanhol cuja experiência que acumula até ora parece traçar um caminho natural para uma maturidade artística brilhante.
Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música | Pablo Rus Broseta, direcção | Mei Yi Foo, piano | Quarteto de Cordas de Matosinhos | 23 de Janeiro, 18h | Sala Suggia, Casa da Música, Porto