O presente artigo inaugura uma série de textos de divulgação da actividade cultural na região de Castelo Branco, com especial atenção, como é natural, à prática musical. Porém, antes de iniciar a abordagem a concertos ou espectáculos específicos, nesta primeira nota importa descrever brevemente o panorama actual – bem como o contexto histórico recente – da vida cultural e musical da cidade e da região.

O espaço central de actividade artística em Castelo Branco é o Cine-Teatro Avenida, edifício dos anos 50 com traça arquitectónica de época bem marcada, e que nas últimas décadas do século XX – período em que sofreu devastador incêndio, nos anos oitenta – ficou votado ao abandono. No final da década de 90, a cidade assistiu a um vigoroso processo de requalificação urbanística e de profundas transformações no parque edificado público, com especial menção à recuperação integral do Cine-Teatro Avenida, que, desde então, apresenta nos seus diversos espaços as melhores condições para a apresentação de espectáculos nas diferentes áreas artísticas.

Tratou-se, na altura, todavia, de um investimento quase exclusivamente voltado para a construção ou recuperação de infraestruturas, tendo o renovado Cine-Teatro ficado sem programação, ou, pelo menos com uma programação irregular e algo descontinuada, de alguma forma refém da política então vigente, aguardando o investimento em actividades viradas para as populações – nomeadamente através de uma dinâmica cultural pública que tardava em chegar – que pudessem concretizar o potencial aberto com os novos equipamentos. No âmbito da programação cultural, havia, no entanto, uma assinalável excepção: o notável Primavera Musical – Festival Internacional de Castelo Branco que, nas suas diversas edições anuais, permitiu aos públicos da região o acesso à grande arte musical nacional e internacional, como atesta o preenchido historial de inesquecíveis concertos, com artistas como Jordi Savall, Quarteto Borodin, Orlando Consort, Natalia Gutman, Quarteto Takács, Trio Hantai, Egberto Gistmonti, Anner Bylsma, Tallis Scholars, entre muitos outros artistas do mesmo nível artístico.

Cine-Teatro Avenida

Paralelamente, surgiu na região, com diversos apoios autárquicos, nacionais e internacionais a Associação Belgais – Centro para o Estudo das Artes, cuja reconhecida acção artística, cultural e pedagógica teve um forte impacto na região e no país. Sobre este projecto não há necessidade de nos alongarmos, de tal forma ele foi reconhecido nacional e internacionalmente. Ou, antes, a sua dimensão e o seu impacto merecem talvez um estudo mais aprofundado, que não cabe num artigo deste cariz.

Em 2009 tudo mudou, com a decisão autárquica de investir fortemente na fruição cultural das populações, através de uma programação regular, diversificada e de grande qualidade, assumindo a vivência artística como uma vertente fundamental da qualidade de vida da cidade. Esta programação é divulgada através da agenda Cultura Vibra, que centraliza a comunicação relativa à programação de todos os espaços culturais públicos da cidade. Desde então, tem-se mantido uma forte dinâmica cultural, com grande adesão dos públicos, que hoje atinge patamares a que nunca se assistiu noutras cidades da mesma dimensão no interior do país. Para que se fique com uma imagem exemplificativa do tipo de regularidade e diversidade, consulte-se a actividade cultural da última semana do passado Março na agenda trimestral da Cultura Vibra: no Domingo, um colóquio sobre a poesia de António Salvado; na Terça-feira uma sessão de cinema de autor no Cine-Teatro Avenida; na Quinta-feira, um espectáculo da Companhia Nacional de Bailado; na Sexta-feira, um concerto de Ana Quintans com o Concerto di Cavaliere no Centro de Cultura Contemporânea; e, no Sábado, um concerto do Síntese – Grupo de Música Contemporânea, com três estreias de Sara Carvalho, Paulo Jorge Ferreira e Vasco Mendonça, que teve lugar no Museu Francisco Tavares Proença Júnior. Pela programação regular, e apenas para citar alguns exemplos mais recentes, têm passado artistas como Riccardo Minasi, Brad Mehldau, Ana Bela Chaves, António Rosado, Mário Laginha, diversas orquestras sinfónicas nacionais, entre muitos outros artistas, de forma regular e constante.

A Companhia Nacional de Bailado em actuação no Cine-Teatro Avenida

Para além da programação nas artes performativas, existe uma rede museológica de grande valor, constituída por museus de acervo e museus de circulação. Para além do acervo do Museu Francisco Tavares Proença Júnior, o recente Centro de Cultura Contemporânea relaciona-se em protocolo com a Culturgest, Fundação Serralves, Fundação Berardo, entre outras instituições, por forma a permitir que as populações de Castelo Branco acedam a um grande conjunto de colecções e obras em circulação, integrando desta forma a rede de arte contemporânea europeia. É ainda de assinalar o Museu Cargaleiro, cujo acervo contém todo o espólio do Mestre Cargaleiro, doado por este ao município de Castelo Branco, incluindo quer o segmento principal da sua obra, quer a sua colecção privada.

A actividade cultural, no entanto, não se esgota na programação e musealização, apostando também na valorização das estruturas artísticas locais. É neste âmbito que surge o João Roiz Ensemble, o Concerto Ibérico, as Séries Ibéricas de Música Antiga, ou, na área do teatro, a Terceira Pessoa, ou a Pé de Pano, projectos de criação local com qualidade e reconhecimento que vão muito além das fronteiras regionais. Estas estruturas têm como preocupação a promoção do contacto das populações com as manifestações artísticas de grande qualidade e actualidade, fomentando em simultâneo a prática artística local em diálogo com aquelas, e a valorização dos bens patrimoniais edificados, humanos e imateriais locais, sempre em vista de uma estrutura de conceitos artísticos actualizada, cosmopolita e universal.

A presente dinâmica cultural, constituída num mosaico de fruição artística, tem transformado a maneira como a população vê a cidade e como se olha a si própria, contribuindo para reduzir o impacto que a interioridade inexoravelmente produz na vida quotidiana dos habitantes da região, numa abordagem à cultura e à arte enquanto transformadoras da sociedade e dos indivíduos.

No que diz respeito ao ensino artístico, a rede existente contribui para este estado de coisas: o Conservatório Regional de Castelo Branco é uma das maiores e mais antigas escolas de música do interior do país, e a Escola Superior de Artes (ESART – IPCB) é uma das três escolas superiores de música públicas do país.

Por fim, será relevante deixar algumas breves palavras sobre outras cidades do distrito de Castelo Branco. Deste ponto de vista, a Covilhã tem vivido algo estagnada; com efeito, não dispõe de uma infraestrutura de dimensão adequada para a actividade cultural – o estado de decadência do seu antigo Teatro-Cine, actual Teatro Municipal, não aconselha a realização de eventos culturais – e não existe uma programação regular consistente e pública nos restantes espaços públicos da cidade, com excepção do Teatro das Beiras. O Fundão foi capaz de responder desde já às necessidades de infraestrutura, com a sua excelente Moagem – Cidade do Engenho e das Artes, mas não passou ainda à fase de aproveitamento dos equipamentos para serviço cultural regular e de qualidade para as populações. Idanha-a-Nova apresenta uma programação dinâmica, adequada à sua dimensão, com um especial enfoque na valorização do património local, mas sem perder de vista uma perspectiva artística mais global.

É inquestionável que a cidade de Castelo Branco se tem afirmado como o centro cultural de uma vasta região, num concelho onde a cultura e a prática artística têm a atenção prioritária das instituições locais, e nas quais a música tem um foco especialmente relevante.

Sobre o autor

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Violetista. Terminou a Dissertação de Mestrado em Performance (Viola de Arco) com 20 valores. Apresentou-se nas maiores salas portuguesas, México, Irlanda, Luxemburgo, China, Andorra, Irlanda e Espanha. Gravou diversos discos e os seus concertos foram transmitidos em diversas rádios e televisões nacionais e internacionais. É Doutorando em Mús. e Musicologia (Interpretação) da Uni. de Évora. É docente na Escola Superior de Artes de Castelo Branco.

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