Afinidades artísticas e diálogos entre a Música e a Poesia – a correspondência entre Fernando Lopes-Graça e Eugénio de Andrade


Tiago Manuel da Hora (ed.), Fernando Lopes-Graça e Eugénio de Andrade. O Diálogo entre a Música e a Poesia. Lisboa, Chiado Editora (colecção Compendium), 2018: 166 pp. ISBN: 978-989-52-1771-7

Uma exposição patente em 2015, organizada pela Biblioteca Pública Municipal do Porto e pelo Museu da Música Portuguesa – Casa Verdades de Faria para assinalar a passagem dos dez anos sobre a morte de Eugénio de Andrade e dos 20 anos da morte de Fernando Lopes-Graça, está na génese de um livro recentemente editado que reúne a correspondência trocada entre o poeta e o compositor. A exposição destacava a convivência entre Eugénio de Andrade (1923-2005) e Fernando Lopes-Graça (1906-1994), que se estendeu por largos anos, desde a década de 1950 ao falecimento do compositor, e que resultou em várias colaborações artísticas. Tiago Manuel da Hora, que comissariou a exposição, lançou-se, então, na transcrição e edição da correspondência guardada nos respectivos espólios pessoais (o de Andrade no Porto, o de Lopes-Graça em Cascais). O trabalho efectuado, agora publicado, não é de menos: além de facilitar o acesso aos documentos e de permitir a leitura sequencial da correspondência, possibilita ao público em geral, que habitualmente não teria acesso aos originais, o contacto mais próximo com aquelas figuras cimeiras do meio literário e musical português do século XX.

O interesse de Lopes-Graça pela poesia de Eugénio de Andrade levou-o a escrever três ciclos de canções a partir de poemas de As Mãos e os Frutos, Mar de Setembro e Aquela nuvem, e ainda a canção Nana. Desta forma, os diálogos entre o compositor e o poeta incidem com frequência em questões profissionais, como o processo de composição, a organização de recitais de estreia das canções, a gravação das peças em disco, processo que Lopes-Graça acompanha com exigência para garantir uma boa qualidade sonora, e pedidos de autorização de direitos de autor (para além das autorizações assinadas por Eugénio de Andrade, são ainda abordados os pedidos de autorização junto dos herdeiros de García Lorca, Teixeira de Pascoaes e António Nobre, autores que serviram também de inspiração a obras de Lopes-Graça). Porém, o conjunto da correspondência revela muito mais da relação pessoal e artística das duas figuras, marcada por um estreito respeito e admiração mútua. Eugénio de Andrade envia vários poemas a Lopes-Graça, antecipando que eles serão apreciados pelo amigo, e este, por sua vez, envia ao poeta alguns dos seus livros de colectâneas de crónicas e biografias de compositores.

A presente edição é enriquecida com notas explicativas que identificam personalidades que colaboraram em muitos dos projectos comuns de Lopes-Graça e Eugénio de Andrade e que vão sendo evocadas ao longo da correspondência. O texto introdutório à edição é igualmente uma leitura informativa e útil para entender um pouco melhor o contexto em que decorreu esta convivência. No geral, esta é uma edição que traz à luz informações relevantes e episódios caricatos que contribuem para o conhecimento do percurso pessoal e profissional de Lopes-Graça e Eugénio de Andrade. Espera-se que outras publicações do género (de mais correspondência de Lopes-Graça como de outros compositores) lhe possam suceder.


Mais informações disponíveis sobre a publicação na página da editora.

Sobre o autor

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Mariana Calado encontra-se a realizar o Doutoramento em Ciências Musicais Históricas focando o projecto de investigação no estudo de aspectos dos discursos e das sociabilidades que caracterizam a crítica musical da imprensa periódica de Lisboa entre os finais da I República e o estabelecimento do Estado Novo (1919-1945). Terminou o Mestrado em Musicologia na FCSH/NOVA em 2011 com a apresentação da dissertação "Francine Benoît e a cultura musical em Portugal: estudo das críticas e crónicas publicadas entre 1920's e 1950". É membro do SociMus – Grupo de Estudos Avançados em Sociologia da Música, NEGEM – Núcleo de Estudos em Género e Música e do NEMI – Núcleo de Estudos em Música na Imprensa, do CESEM. É bolseira de Doutoramento da FCT.