Foi com a banda sonora dos filmes Star Wars e Mamma Mia que iniciei o percurso pelo recinto exterior do Centro Cultural de Belém. Em todo o lado se ouviam estes temas tocados pela Orquestra Geração, no Espaço Livre, um dos palcos reservados a agrupamentos de escolas de música e projectos educativos. Nesta tarde de domingo, o pátio estava repleto de um público que ora ouvia estes jovens músicos, ora passeava pelo pequeno mercado que ali tinha sido montado.
Dentro do edifício, este ambiente de festival também imperava, com pequenas bancas que vendiam livros, CDs e partituras, e a cada canto se ouviam ecos da música que era tocada no Coreto, também um palco aberto. Foi aqui que mais tarde ouvi os ‘Violinos’ do Colégio Moderno a tocarem Corelli, Vivaldi e Bartók, entre outros, numa reconhecida demonstração de jovem virtuosismo.
Paralelamente, os Dias da Música 2015 apresentaram um repertório musical variadíssimo nas salas de concerto: da música medieval até à do século XX, passando também pela música do cinema português e por temas de Gershwin, como Summertime e I got Rhythm. Como não podia deixar de faltar, a música de Yann Tiersen também foi incluída, inspirando variações de António Victorino d’Almeida e Luiz Avellar em dois pianos, juntamente com Paulo Jorge Ferreira no acordeão.
É de referir também a presença e importância das obras do repertório clássico que foram utilizadas no cinema, como as delicadas peças para piano de Leoš Janáček No nevoeiro e Por um caminho repleto, tocadas na Sala Sophia de Mello Breyner por Aida Sigharian Asl, e que integram a banda sonora do filme A insustentável leveza do ser. A estas pequenas peças, talvez de popularidade menor no que toca à sua associação com o cinema, juntam-se também peças orquestrais e corais de carácter mais ‘épico’, como o Danúbio Azul, de Johann Strauss e o Requiem de Mozart, que nos transportam respectivamente aos filmes 2001, Odisseia no Espaço e ao The Big Lebowski.
Este Requiem foi interpretado pela Orquestra Metropolitana de Lisboa e pelo coro Voces Caelestes, com a participação dos solistas Anna Samuil (soprano), Cátia Moreso (meio-soprano), Bruno Ribeiro (tenor) e João de Oliveira (baixo). O concerto realizou-se no Grande Auditório pelas 19h, com a direcção musical de Leonardo García Alarcón.
Nas suas notas programáticas, Rui Campos Leitão faz uma breve referência às inúmeras histórias inverosímeis a que esta obra fúnebre foi sujeita, por não ter sido terminada pelo próprio Mozart, que entretanto morrera. Franz Xaver Sussmayr, um assistente do compositor, terminou a orquestração das partes do Sequentia e Offertorium e compôs as restantes, incluindo detalhes característicos da escrita de Mozart. É por este motivo que esta obra é por vezes associada à própria morte do compositor, quase como se fosse o seu próprio Requiem: pelo menos assim nos conta a história do filme Amadeus.
Tendo já cantado a parte coral deste Requiem, lembro-me de um relato – inverosímil, claro está – que assinalava a morte do próprio compositor num determinado acorde na secção do Offertorium, um acorde brevemente suspenso e com uma pesada carga dramática. Claramente que esta história é uma das muitas sem fundamento, mas bem exemplifica os ‘relatos inverosímeis’ a que Rui Campos Leitão se refere.
Num auditório cheio, o Voces Caelestes estabeleceu um ambiente de intimidade desde o início, destacando-se pelo seu som unificado, que se movia sem esforço por entre as dinâmicas contrastantes da obra. Criou momentos avassaladores em fortissimo, ou instantes quase inaudíveis de tensão, tendo sido particularmente notável na secção do Agnus Dei, talvez o momento musical mais bonito deste concerto.
Com a direcção-musical de García Alarcón, a Orquestra Metropolitana de Lisboa demonstrou também a unificação e maestria dos músicos, tendo apenas um momento menos bom na entrada das cordas do Lacrimosa. As cordas entraram hesitantes e com uma afinação pouco precisa, num pianíssimo que era frágil e pouco seguro, ganhando confiança apenas com a entrada do coro.
Ao contrário do coro e da orquestra, os solistas estavam pouco ensaiados e coordenados uns com os outros. As linhas do soprano e meio-soprano sobrepunham-se às vozes de Bruno Ribeiro e João de Oliveira, mantendo estas vozes masculinas em segundo plano e quebrando a possibilidade de equilíbrio musical, apesar da sua condição de solistas.
Samuil demonstrou uma projecção de voz incrível, com um timbre cheio e encorpado que parecia ser mais adequado para outro tipo de repertório. O caráter etéreo deste Requiem teria sido mais bem conseguido por uma soprano com um timbre mais cristalino. É importante sublinhar que não se está a por em causa a excelência e virtuosismo de Samuil, uma cantora com um timbre mais apropriado para uma obra de Wagner, ou para uma Salomé.
Não obstante, o concerto terminou com ‘vivas’ e ‘bravos’ do público, após a repetição de uma das secções do Requiem como encore.