Joly Braga Santos destaca-se no panorama musical português pela diversidade e profundidade da sua obra. A característica que melhor o descreve como compositor é revelada pelas suas palavras: “…desde sempre entendi que tinha de criar o meu próprio estilo e a minha música devia ser o resultado dessa criação”.
Como sinfonista, foi o compositor português que mais longe levou a linguagem orquestral, tanto a nível de dimensão como do tratamento que dá aos vários naipes, na orquestração da sua obra. Trabalhou intensamente a forma (como por exemplo a forma sonata, a forma-canção ABA, a forma Scherzo, etc.), a textura e as diferenças tímbricas para dar o carácter pretendido às suas composições, de forma a que o resultado final fosse ao mesmo tempo organizado e surpreendente. Viveu numa época em que proliferaram por toda a Europa várias correntes artísticas e estéticas como o pontilhismo, o abstraccionismo, o dodecafonismo e o serialismo, às quais não foi indiferente, mas nunca se restringindo cegamente a nenhuma linguagem específica. Segundo as suas palavras, o seu ideal foi sempre a construção de obras que, “não desdenhando as conquistas do século XX, falassem ao homem comum com simplicidade e clareza”. A sua obra demonstra que, como artista, absorveu as ideias vigentes na época sobre as várias opções estéticas, construindo a sua própria linguagem. No seu percurso como compositor, as influências mais relevantes para a sua evolução são predominantemente as de compositores sinfonistas como Luís de Freitas Branco (seu mestre), que foi sobretudo responsável pelos ideais neo-clássicos cultivados por Braga Santos na sua primeira fase de criação, William Walton e Vaughan Williams, que foram na altura uma grande revelação para o jovem compositor, e outros autores que referia como apelativos à sua sensibilidade, tais como Sibelius (duplicação da pulsação – 2ª Sinfonia), Dvořák (Trio do Scherzo – 1ª Sinfonia), ou César Franck (forma cíclica).
Na sua formação profissional, a audição e o estudo de partituras de grandes autores desempenharam um papel não menos importante que as lições directamente recebidas dos seus professores, permitindo-lhe estabelecer contacto com realidades musicais passadas e actuais. É de notar que foi JBS que introduziu a disciplina de Análise Musical no Conservatório Nacional de Lisboa, nos anos 70, por acreditar ser vital o contacto com partituras de grandes compositores na aprendizagem de um músico, principalmente na de um compositor.
A todas estas influências junta-se a natureza psíquica e moral do compositor: “Natureza nervosa, facilmente excitável, aberta a muito do que se dizia e fazia na sua circunstância cultural, mas alheando-se por vezes dela, necessitada de afectividade e ansiosa de a retribuir, propensa a enamorar-se e portanto, atreita a padecimentos sentimentais que confidenciava aos amigos íntimos. Por outro lado, era o impor-se de uma ética artística sem mácula, cultora da elevação de ideias e sentimentos, incompatível com práticas tendentes a baixar o nível mental do auditório destinatário ou a satisfazer-lhe os seus gostos rotineiros.”, in entrevista a O País em 1984.
JBS dizia que “a partir dos 38 anos a evolução do seu estilo se deu no sentido de um livre cromatismo, até à aceitação da completa dissolução tonal”, sendo a 5ª Sinfonia a obra em que essa evolução toma mais corpo.
Na altura em que JBS terminou a sua 1ª Sinfonia, a sua linguagem identificava-se com algumas das mais poderosas correntes da música europeia (neo-classicismo), mas bastaram poucos anos para o dodecafonismo serial e o pontilhismo se generalizarem por toda a parte, com as inovações de Boulez, Stockausen, Luigi Nono (colega de JBS na bienal de Veneza em 1948), entre outros. A linguagem de JBS, não estando ligada à linguagem dos três compositores atrás referidos, teve, contudo, uma evolução natural (a sua 5ª Sinfonia é realmente muito distante da primeira), mas mais ao nível da diferenciação de grupos rítmicos, sequências melódicas e tratamento harmónico, sem perder a “fórmula” das estruturas grandes.
Leia-se uma citação de JBS, presente nas notas de programa do concerto de 22 de Outubro de 1966 pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional: “Há muitos anos que em Portugal o domínio da cultura francesa é uma realidade. O facto em si não chegaria a ser um mal, se não fossem os excessos. São estes que o prejudicam, porque importamos tudo de França: os aspectos tanto positivos como negativos das suas manifestações culturais. Ora precisamente no citado período histórico entre as duas guerras a França ocupou um lugar rele vante no panorama musical europeu. Assim, a música francesa da época predominava em Portugal e uma das suas caracterís ticas foi a tendência para a miniatura assim como um certo aligeiramento de estilo. A esta concepção reagimos nós [Luís de Freitas Branco e JBS] com a adopção das grandes formas sinfónicas e da clássica construção sonática, harmónica e orquestralmente modernizada, opondo à expressão dum sentimento alegre da vida, um sentimento trágico da vida, como diria Una muno. Considerávamos, sim, esta atitude mais própria para interpretar o drama que a humanidade então vivia”.
As seis Sinfonias de JBS representam, pois, a parte mais importante e substancial da sua obra e através delas pode-se acompanhar a evolução do seu estilo musical durante toda a sua vida. Dividem-se em dois grupos que se distinguem pela evolução da linguagem estilística: No primeiro grupo incluem-se as quatro primeiras. Neste período o compositor assume uma linguagem neo-clássica, dando particular ênfase à forma, à harmonia baseada no tonalismo e no modalismo e à melodia. No segundo grupo reúnem-se as duas últimas, que se caracterizam pela utilização de elementos estéticos como o atonalismo, o livre cromatismo e mesmo o dodecafonismo, assim como as alterações aos instrumentos usados na orquestração, com especial destaque para as percussões. A transição entre estas duas fases não é repentina nem exacta. Obras como Mérope (1959) e o Concerto para Viola e Orquestra de 1960 reflectem uma mudança progressiva, sendo Três Esboços Sinfónicos (1962) considerada a peça de “viragem”. No entanto, a coexistência estilística das duas fases é-nos demonstrada, por exemplo, pela Trilogia das Barcas, estreada em 1970.
De seguida são apresentados alguns excertos e reflexões, retirados de artigos de crítica musical, entrevistas e cartas recebidas por Joly Braga Santos, principalmente relacionados com as suas Sinfonias:
Carta de Luís Freitas Branco de 15/02/1948 Esta carta foi escrita após a estreia da 2ª Sinfonia em Lisboa, no Teatro de S. Carlos, pela Orquestra da Emissora Nacional e direcção de Pedro de Freitas Branco. O caminho do compositor é aqui elogiado pelo seu crescimento: “num caminho que tem saída, ao contrário da maioria dos compositores portugueses contemporâneos que andam à roda num estilo sem possibilidades de futuro.” Refere ainda que a música de JBS tem um estilo próprio, “apoia do no conhecimento vivo da história da evolução da música”. Na carta, Freitas Branco refere que o Till de Strauss tocado a seguir à sinfonia de Joly não fez diferença, sublinhando que “já não há entre a música dos meus jovens colegas portugueses e a grande música mundial aquele abismo que se notava nas produções de Freitas Gazul ou Keil e a verdadeira música.” É referido ainda, que a sinfonia teve muito sucesso, sendo o compositor alvo “das mais apoteóticas ovações que jamais acolheram uma estreia sinfónica em Portugal.”
Homenagem a JBS, pelos Amigos do S. Carlos em 1989 Dizem as notas de programa de João de Freitas Branco: “Nos seus mais de 45 anos de carreira de compositor, José Manuel Joly Braga Santos ganhou fama principalmente nos domínios da música sinfónica. (…) Com efeito, não só a secção da música sinfónica é, no catálogo das obras, a de maior envergadura, como avultam nela seis sinfonias, mais do que as de qualquer dos outros, poucos, sinfonistas portugueses do sec XX. Seis partituras marcantes, já com lugar destacado na história do nosso sinfonismo, as duas últimas, op. 39 e 45, no tavelmente representativas da estatura de quem as concebeu e realizou”. João de Freitas Branco compara JBS a Strauss, Berlioz, Mahler e Wagner, por também ele ser compositor e maestro e por ser “próprio do autor-maestro, a estupenda arte de instrumentar.”
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1ª Sinfonia
Artigo publicado a 06/02/1947 por Rui Medina
A 1ª Sinfonia (1945-46) foi estreada em Lisboa pela Orquestra da Emissora Nacional, dirigida por Pedro de Freitas Branco. É dedicada aos “Heróis e Mártires da última Guerra Mundial”. O autor do artigo refere a sua estreia como um acontecimento de grande importância no meio cultural lisboeta. O ambiente da sinfonia é assim descrito: “a poderosa entrada de violoncelos, a que se juntam as violas, os violinos e os contrabaixos, numa súplica plena de poder dramático, acentuada por dois pizzicatti vigo rosos que abrem a continuação dos instrumentos de sopro e de viola. (…) depois, numa entrada grandiosa, em que há todo o pungente e solene de uma marcha fúnebre, que cresce em apoteose, esmorece e morre, ecoando nos violoncelos e clarinete, até ficar tremulada, sustentada apenas nos violinos. Finalmente o Allegro, um ritmo triunfal de vida num crescendo vigoroso que se ergue, esmorece e cai para surgir em crescendos lancinantes de luta.”
JBS disse a respeito da sua 1ª Sinfonia: “Quero que esta obra seja a expressão dramatizada e interior do mundo moderno, do nosso mundo.”
Artigo publicado a 08/02/1947 por T.:
O autor deste artigo é de opinião de que a 1ª Sinfonia não é motivo de louvor nem de aplauso, pois trata-se de “um conjunto de dissonâncias acrobáticas de um modernismo musical epiléptico, de uma fuga alucinante para extremismos doentios, que pareceu apenas revelar carência de sólida e límpida inspiração, e pretendeu fazer escala por entre coros de hossanas que tantas vezes só não têm a coragem de expressar aquilo que os comparsas desses coros ou seus dirigentes pensam a sós.”
A 07/02/1947 no Diário de Notícias, por A. Joyce:
O autor do artigo escreve que a data da estreia da 1ª Sinfonia ficará gravada na história, no que respeita à contribuição desta para o florescimento da música portuguesa: “obra luminosa e dramática, concisa e opulenta de ideias, nascida de astro que vai dar que falar… Vê-se que o autor pretende oferecer visão do mundo actual, no seu aspecto trágico, sentimental, não nos pormenores narrativos, anedóticos ou pitorescos. Como particular curiosidade nota-se a utilização do silêncio na sua função de elemento expressivo.”
Nesta crítica descreve-se o 1º Andamento da seguinte forma: “de assombrosa felicidade, bem conseguido em termos de construção, com linhas amplas e modernas.” O 2º andamento, Andante é aqui descrito como o apogeu dramático da obra, “atingindo o paroxismo nos torturados acordes dissonantes que soam como pungente interrogação, a calma resposta do regresso do coral marca um dos melhores momentos da partitura, prenhe de comovidas intenções.” Quanto ao Allegro final diz-se que “domina a esperança redentora”.
Artigo publicado a 29/11/1956, no Porto, depois 1ª audição nesta cidade da 1a Sinfonia, pela Orquestra Sinfónica do Porto, dirigida pelo compositor:
A obra é muito elogiada e descrita como “obra de juventude, em que já está impresso o critério artístico que sempre presidiu à sua mensagem, na concepção particular em que as suas construções se têm levantado, com a base sólida e a atmosfera de grandiosidade que as envolve.”
Artigo publicado por altura dos 20 anos da 1ª Sinfonia:
A 1º Sinfonia é considerada um bom exemplo da obra de juventude do autor e é sugerida pelo crítico uma revisão da mesma de modo a “evitar a repetição um pouco demasiada de certos efeitos de sentido dramático, obtidos em grande parte através de silêncio e surgindo várias vezes ao longo de toda a sinfonia, como se fosse um leitmotiv… Por outro lado o andamento final ganharia certamente com maior con cisão no seu discurso musical, aliveirado por ventura de certas reexposições um pouco fatigantes.”
2ª Sinfonia
A Sinfonia nº 2 foi estreada no Teatro de S. Carlos pela Orquestra da Emissora Nacional, com direcção de Pedro de Freitas Branco a 15 de Fevereiro de 1948. Foi muito aplaudida, na sua estreia, como se testemunha pela análise de vários artigos.
Artigo publicado a 16/02/1948 após a estreia:
“no final da execução, o público rendeu a Braga Santos uma homenagem como nunca vimos em Portugal ser prestada a um compositor. O autor viu-se obrigado a ir ao palco agradecer as intermináveis palmas e chamadas a que também a orquestra e o maestro se associaram (…) Em nossa opinião, o mais importante progresso desta sinfonia, em relação à anterior, reside no desenvolvimento construtivo. (…) a forma não é menos sólida e introduz inovações felizes, como a estrutura do último andamento (…). Como realização o primeiro andamento pareceu-nos superior. O pequeno Allegretto Pastorale, um rondó muito simples, desempenha admiravelmente o papel do scherzo.
Artigo publicado a 16/02/1948 no Diário Popular:
“A sinfonia (…) obteve enorme êxito; (…) a avaliar pelas manifestações do público, da orquestra e do maestro – o seu autor, jovem ainda, mostrou já ser um compositor de grande futuro e fecundo labor. Poucas vezes temos presencia do tanto entusiasmo por uma sinfonia. (…) Pessoalmente, se exceptuarmos o 3º Andamento, que julgamos o mais equilibrado, não nos interessou grandemente a linguagem musical (…). Mas não queremos parecer derrotistas e portanto escreva-se claramente: para o público de ontem do S. Carlos, para a orquestra e para o maestro, [JBS] obteve um grande triunfo.”
Artigo por Fernanda Cidrais (1ª audição no Porto, pela Orquestra Sinfónica do Conservatório do Porto):
“uma obra prima, não da música portuguesa, o que já seria bastante, mas da Música com letra grande, da Música-arte, independentemente da nacionalidade, de época e de estilo. Nesta sinfonia (…) não se encontram amadorismos nem lugares-comuns, nem sequer promessas. Ela afirma-se como uma realidade, pujante de vida e de paixão, umas vezes sombria, outras cheia de luz, rica em ritmos, em ideias melódicas e recheios harmónicos, elementos estes brotando vigorosa e espontaneamente impelidos pela força da sua vida interior.”
Publicado por ocasião de um concerto na Estufa Fria pela Orquestra da Emissora Nacional, dirigida por Joly Braga Santos, em Agosto de 1950:
“A 2ª Sinfonia de [JBS] é uma das suas mais significativas produções (…). O processo empregado na mudança de planos tonais dá resultados surpreendentes, como no final do 1º Andamento, uma das melhores e mais grandiosas terminações que conhecemos. Impossível esquecer também essa bela melodia de estribilho do Allegretto inicial, e a maneira espontânea e natural como decorre esse andamento. Há muitas passagens, sobretudo no Allegro inicial que são autênticas novidades de ambiente e processos na música de hoje indicam bem muitos caminhos que a arte dos sons deve trilhar no futuro.”
3ª Sinfonia
A 3ª Sinfonia é dedicada a Luís de Freitas Branco. Foi escrita entre a Primavera de 1948 e o Outono de 1949, e estreada a 11 de Dezembro de 1949 no S. Carlos, pela Orquestra Sinfónica Nacional, dirigida por Pedro de Freitas Branco, num concerto do Gabinete de Estudos Musicais da Emissora Nacional.
Notas de programa do concerto de 15/10/1958 pela Orquestra do Conservatório do Porto, dirigida por Silva Pereira:
“A 3ª Sinfonia (…) constitui uma evocação sinfónica da paisagem alentejana, mas o seu material temático é todo original, embora composto segundo os modelos melódico-harmónicos das canções populares daquela região do sul de Portugal (na opinião de Bartok, a que melhor conserva um folclore inteiramente original).”
Artigo publicado em 12/12/1949, por João de Freitas Branco (J.F.B.):
“A 3ª Sinfonia de JBS marca um nítido progresso sobre as anteriores, aliás já de mui notável qualidade. (…) a mais justa adaptação dos meios técnicos à intenção expressiva acusa o amadurecimento da personalidade do jovem artista. O equilíbrio da forma é tão perfeito como nas obras anteriores, pois que este aspecto da criação musical tem merecido desde sempre ao autor um cuidado muito particular. O carácter dominante da sinfonia inclina-se mais para o dramático do que para o lírico. A deliciosa sugestão medieval que nos dá o Trio do Scherzo estabelece um contraste felicíssimo, que de forma alguma prejudica a unidade da obra, antes a põe em evidência. A execução foi coroada de um êxito triunfal, [JBS] teve que vir ao palco agradecer os aplausos, que pareciam não mais acabar.”
Artigo publicado no jornal O Século, por J.F.B.:
“O empolgante final desta obra admirável desencade ou uma verdadeira tempestade de aplausos e chamadas, com o público de pé a reclamar o autor. A vibração da plateia pareceu ainda aumentar quando o Maestro Pedro de Freitas Branco fez Joly Braga Santos subir ao estrado para receber a justíssima homenagem que assim era prestada ao seu talento e ao seu saber.”
4ª Sinfonia
A 4ª Sinfonia é dedicada à Juventude Musical Portuguesa. Foi composta, na sua maior parte, no Alentejo, no Monte dos Perdigões, em casa de Luís de Freitas Branco, onde JBS permanecia largas temporadas. Assim como na 3ª Sinfonia (também escrita no Monte dos Perdigões) é notória a influência das canções alentejanas entoadas por trabalhadores, impregnando assim um certo “sabor” popular à sua obra. Contudo, não se trata de uma obra folclórica, até porque os temas são todos originais. Tem uma construção cíclica e divide-se em quatro andamentos terminando com o Hino à Juventude (inicialmente apenas com orquestra, mais tarde, após uma revisão, com coro).
Diz o próprio compositor a respeito da sinfonia: “Esta sinfonia fecha um ciclo na minha produção dominado principalmente por duas preocupações: a implementação de um sinfonismo moderno na música portuguesa continuando o exemplo dado por Luís de Freitas Branco, tentativa de construir uma música que, visando o geral, mas não desdenhando as conquistas do séc. XX, pudesse falar ao Homem comum com simplicidade e clareza. (…) a Sinfonia nº 4 não é propriamente uma obra de expressão folclórica e a influência da canção alenteja na reflecte-se aqui numa certa maneira de tratar a construção modal e os recortes melódicos, que tal como na música popular do Alentejo se desenvolvem independentemente da quadratura rítmica. (…) O Hino à Juventude simboliza a união dos jovens de todo o mundo, através da música.”
Artigo publicado a 09(02/1951 na revista Flama, redigi do por M. Duarte Alves, sobre o concerto de estreia, a 28/01/1951 pela Orquestra da Emisora Nacional dirigida pelo compositor.
“Esta sinfonia, com 4 andamentos e bastante extensa, demonstra grande e aturado trabalho do autor. Se é certo que o compositor quis fazer uma obra de volume e grandiosidade, usou para tal meios que resultaram, principalmente, num abuso dos metais, tanto mais prejudicado pela má execução nos instrumentos de sopro. A parte temática pareceu-nos bem cuidada e de real valor. O desenvolvimento dos temas (…) está muito prejudicado (…) pelo abuso dos metais. A escrita para os instrumentos de arco demonstra muito mais cuidado e tem inegável valor. O segundo andamento, Andante, destoa da composição e mais nos pareceu uma marcha fúnebre. Parece-nos que este andamento deveria ser modificado ou mesmo suprimido. (…) Gostaríamos de ver [JBS] trabalhar sozinho, sem as influências ideológicas de determinados compositores e de sua música moderna.” Em artigo publicado a 15 de Novembro de 1978, por ocasião da “Quinzena da Música Portuguesa em cinco cidades da Roménia”, sobre o concerto em Bucareste com a Orquestra e coro da Radiodifusão Romena e direcção de Silva Pereira, este refere-se à partitura da 4ª Sinfonia de JBS como uma “página” de grande importância na história da música portuguesa: “Embora esta obra esteja construída com base no espírito português – e esse espírito é verdadeira mente superior – significa que o nacionalismo posto neste nível o transcende para entrar no campo do internacionalismo. O que significa a verdadeira concepção da obra de arte”.
Por ocasião da interpretação da 4ª Sinfonia no Tivoli pela Orquestra da Emissora Nacional e o Coro Gulbenkian, com o maestro Piero Bellugi:
“Abriu o programa a 4ª Sinfonia, e logo nos seus primeiros momentos se sentiu a forma como iria ser modelada, erguida do interior para o exterior a sua construção linear e volumétrica e definidas e desenvolvidas as linhas mestras do seu ideário estético e musical. Segura artisticamente, a obra foi surgindo, caminhando até atingir o clímax final onde se situa a juventude e se amalgamam forças e intensidades, conteúdo musical e poético, grandiosidade.”
5ª Sinfonia (Virtus Lusitanæ)
A 5ª Sinfonia foi composta durante o ano de 1966 e estreada a 28 de Dezembro do mesmo ano, no S. Carlos, pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, dirigida pelo próprio compositor. Surge quinze anos depois da 4ª Sinfonia. A palavras de JBS sobre a sua 5ª Sinfonia são esclarecedoras sobre esta questão: “a forma afasta-se da sonata ditemática, embora não se verifique o sistema do atematismo, tão caro à maioria dos compositores que partiram de Webern para a conquista de um novo mundo musical”. Diz ainda: “A obra não é dodecafónica, nem pontilhística, antes livremente cromática em todos os andamentos”.
Artigo publicado no Diário de Lisboa por ocasião da reu nião do Conselho Internacional da Música (UNESCO) em Paris1:
“dado que as dez obras mais votadas beneficiam nos termos regulamentares, de uma larga difusão através de dezenas de países, considera-se que este êxito da representação portuguesa confiada à Emissora Nacional, assegurará ao compositor uma imediata e muito ampla projecção mundial. Entre os países que mais se interessaram pela próxima audição pública da 5ª Sinfonia figuram a França, Itália, Polónia e Rússia. (…)”.
Artigo publicado a 11/12/1970 em Espanha depois da apresentação da 5ª Sinfonia de JBS interpretada pela Orquestra Nacional de Espanha dirigida pelo maestro Silva Pereira, por ocasião das I Jornadas Hispano-Portuguesas de Música Contemporânea:
“A Sinfonia nº 5 mostra um compositor feito, conhe cedor dos segredos sinfónicos, dos quais se serve para desenvolver as suas ideias definidas. (…) O público aplaudiu o autor, que se encontrava entre o público”.
Publicado a 11/12/1970 em Espanha, no jornal Arriba:
“Longe de ser sistemática, seja tradicional, neo-clássica, popularista ou serial, a 5ª Sinfonia tem efectivos orquestrais de grande amplitude, onde as percussões estão representadas em grande quantidade. Se é verdade que a dialéctica se apega a princípios tradicionais, não é menos certo que ao longo dos quatro andamentos, violentos às vezes, líricos em algumas ocasiões, sugestivos e plásticos outras vezes, Braga Santos sabe caminhar por trilhos pessoais. Neste seu caminho acolhe inovações de qualquer época, mesmo quando o factor dominante é um cromatismo vigoroso que dá à obra um sentido único e expressão dramática. (…) Eu diria que a 5ª Sinfonia é uma criação nacionalista, não por qualquer detalhe, mas pela tipificação da ideologia como um aceso cano das virtudes da raça. Na linha de alguma corrente europeia que conta com alguns valores positivos actuais, é o caso de um Dutilleux na França, a 5ª Sinfonia incorpora a música portuguesa num grande sinfonismo, aquele que sobre os seus projectos cheios de coerência, firmes de textura, possui capacidade de mensagem para os auditórios normais.”
6ª Sinfonia
A 6ª Sinfonia de JBS foi composta em 1972 em resposta a uma encomenda do Gabinete de Estudos da Emissora Nacional, e foi estreada em Lisboa a 25 de Novembro de 1972 pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional dirigida pelo maestro Álvaro Cassuto. Diz o próprio compositor: “A 6ª Sinfonia foi concebida e estruturada num todo indivisível. Episódios musicais sucedem-se, ininterruptamente, em movimentos, ora lentos, ora rápidos. Uma constante da obra é a renovação temática; outra, a variação amplificadora, afastando-se, pouco a pouco, das clássicas reexposições e desenvolvimentos, pelo que a forma sonata, apenas esboçada, é diluída.
A sinfonia é constituida por três células: uma rítmica, outra melódica e outra harmónica. As primeiras duas (rítmica e melódica) têm origem nas primeiras palavras do soneto “Ondas que por el mundo” e nas do mote das redondilhas “Irme quiero”. Muitas variantes, progressões e sobreposições de elementos temáticos durante a larga parte instrumental, que precede a entrada do coro, correspondem ritmicamente às palavras do texto. O acorde por sobreposição de quartas, que constitui a terceira célula, é utilizado tanto no sentido dodecafónico como no sentido modal.
A escolha dos belos textos castelhanos de Camões teve sobretudo como fim aproveitar sinfonisticamente as grandes virtudes musicais do castelhano antigo, pondo também em relevo uma parte, embora pequena, da obra em língua estrangeira do maior poeta português.” 2
Em 21/09/1997 no Público, por Alexandre Delgado:
“(…) JBS escreveu esta obra, numa fase difícil do seu percurso – em que se exacerbou o conflito entre ser moderno e ser sincero. A 6ª Sinfonia é uma obra que reúne essas duas pulsões de uma forma tão extrema que o resultado, na sua jun ção de estilos musicais “incompatíveis”, pode ser visto como pós- -moderno – numa altura em que esse movimento ainda mal se esboçara no estrangeiro. Mas a interpretação agora ouvida mos trou a coerência do percurso psicológico da obra. Esta sinfonia, que dura cerca de meia hora e decorre de um só fôlego, divide- -se claramente em duas partes: na primeira, Joly deu vazão a um cromatismo e uma acumulação de dissonâncias que são um caso extremo no contexto da sua fase atonal, que nessa altura se aproximava do fim. Há uma acumulação gradual e maciça de linhas, em que até o melodismo que nunca abandonava o compositor se dissolve numa congestionada massa orquestral. Como que exprimindo até “onde” se pode ir. Depois de uma última contorção, a atmosfera torna-se subitamente mais límpida: a entrada do coro prenuncia um novo diatonismo com os versos de Camões “ Ondas que por el mundo caminando…”. Quando o soprano entoa a redondilha “ Irmequiero, madre, aquella galera, con el marinero, à ser marinera”, é como se entrássemos num mundo ao mesmo tempo novo e ancestral. É como se o compositor se libertasse de quaisquer pruridos e escrevesse exactamente o que mais lhe apetecia escrever: o anseio expresso nos versos é o mesmo anseio da música.” •
Notas
1) Estiveram representados trinta países que apresentaram 81 obras de várias tendências estéticas. A 5ª Sinfonia de JBS ficou classificada em 8º lugar, o que garantiu a sua projecção internacional, assim como a sua gravação para a etiqueta Decca em colaboração com a Valentim de Carvalho.
2) in notas de programa redigidas por Nuno Barreiros para o concerto da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional e do Coro do Teatro de S. Carlos, realizado a 25 de Novembro de 1972.
Bibliografia
~DELGADO, Alexandre, Sinfonia em Portugal, Lisboa, Editorial Caminho.
~FREITAS BRANCO, João de, Carta a JBS, 1947, Setembro.
~FREITAS BRANCO, João de, História da Música Portuguesa, Publicações Europa – América.
~SIMÕES, Anabela de Sousa Bravo, Joly Braga Santos (1924-1988): Estudos analíticos e estilísticos a partir das principais obras instrumentais, Aveiro, Universidade de Aveiro – Departamento de Comunicação e Arte.
Artigos de imprensa consultados:
~AGUIAR, João, “Maestro Joly Braga Santos Louco? Não, distraído!”, in O País, 4 de Abril de 1982.
~“Uma distinção internacional para a 5ª Sinfonia de Joly Braga Santos”, in Diário de Lisboa.
~ALVES, M. Duarte, “No Tivoli Concertos da Emissora Nacional”, in Flama, 9 de Fevereiro de 1951.
~“Quinzena da Música Portuguesa”, 15 de Novembro de 1978.
~CIDRAIS, Fernanda. A Semana Musical, 1950.
~DELGADO, Alexandre, “A magna surpresa”, in Público, 21 de Setembro de 1997.
~F.B., “Concerto Sinfónico em S. Carlos”, 1948.
~FRANCO, Enrique, “Silva Pereira y la Orquesta Nacional en las jornadas Hispano-Portuguesas. Obras de Braga Santos, Alvaro Cassuto y Felipe Pires”, in Arriba, 11 de Dezembro de 1970.
~FRANCO, J. M., “La orquesta Nacional y los compositores portugueses contemporáneos”, 11 de Dezembro de 1979.
~FREITAS, Maria Helena, “O regresso de Joly Braga Santos”, 1978.
~FREITAS BRANCO, João, “Música”, in O Século, 1949.
~FREITAS BRANCO, João, “O concerto do Gabinete de Estudos Musicais”, 12 de Dezembro de 1949.
~J.C.P., “Os vinte anos da 1ª Sinfonia de Joly Braga Santos”, 1956.
~JOYCE, A., “Espectáculos”, in Diário de Notícias, 7 de Fevereiro de 1947.
~”Luís de Freitas Branco fala-nos do seu poema sinfónico que esta noite será executado no concerto da Estufa Fria”, in Diário de Lisboa, 2 de Agosto de 1950.
~M.B., “Concerto da Orquestra Sinfónica do Porto, sob a direcção do maestro Joly Braga Santos, no Clube Fenianos Portuenses”, in Diário do Norte, 29 de Novembro de 1956.
~MEDINA, Rui, “A 1ª Sinfonia de Braga Santos”, 6 de Fevereiro de 1947.
~N., “Tivoli – Concerto Coral – Sinfónico”.
~S.F., “Concerto pela Orquestra da Emissora”, in Diário Popular, 16 de Fevereiro de 1948.
~T., “S.Carlos – Concerto pela Orquestra Sinfónica Nacional”, in Novidades, 8 de Fevereiro de 1947.
Artigo publicado na Glosas nº3