Foi por mero acaso que me cruzei com o Espaço Garagem, o resultado do esforço de Maria do Rosário Olaio que – como o nome indica – encontrou na sua garagem o espaço ideal para uma sala de concertos inusitada mas, sem dúvida, interessante. Situado em Lisboa, na Rua Infante D. Pedro, 10D, dista cerca de cinco minutos, a pé, da estação de comboios Roma-Areeiro ou metropolitano Roma. Tendo iniciado a sua atividade em Outubro do ano passado, os concertos decorrem na primeira e terceira quarta-feira de cada mês. Sendo gratuitos, o público pode, contudo, contribuir com donativos que serão aplicados na prossecução da temporada.

A programação tem sido concentrada em obras de música de câmara, do século XVIII ao XIX, com incursões também pelo jazz, em concertos por músicos, entre outros, do Conservatório Regional de Setúbal, Academia Nacional Superior de Orquestra e da Escola de Música do Conservatório Nacional – desta última o Aether Quarteto e o StravinsTrio (este, vencedor do Prémio Jovens Músicos 2013 na categoria “Música de Câmara – Nível Médio”).

Para além da respetiva página na rede social Facebook e de um artigo na revista O Corvo[1], não encontrei informação oficial disponível na internet, o que creio ser natural ao carácter local da própria iniciativa, bem como da sua ainda curta existência. Assinalo que, contudo, exemplos como este são expressão de uma sociedade civil que aspira ter acesso à cultura, estando para tal disposta a organizar-se com vista a encontrar soluções para o desinvestimento que tem sofrido no decurso dos mandatos de sucessivos governos. Sem dúvida meritórios, casos como o do Espaço Garagem são inerentemente circunscritos e desprovidos dos meios financeiros e de mediatização essenciais ao estabelecimento de temporadas regulares e captação de públicos mais vastos. Não tendo, por conseguinte, capacidade para substituírem, quanto a estas matérias, as funções estatais, colocam a descoberto as responsabilidades que a atual Secretaria de Estado da Cultura tem negligenciado[2]. Não esqueçamos, por outro lado, que os determinantes socioeconómicos variam imensamente em função da localização geográfica: é flagrante a iniquidade do investimento na educação e cultura existente entre centros urbanos como o município de Lisboa e as localidades «periféricas» do país. Se isto se consubstancia em carências ao nível de infraestruturas, agrupamentos artísticos, programas educativos e culturais, bem como na precariedade laboral dos profissionais envolvidos, uma análise mais profunda revelará o consequente enfraquecimento da capacidade crítica dos cidadãos face às instituições, nomeadamente (e sobretudo!) as governativas. Mantendo-se o status quo, é a própria Democracia que enfraquece!

Congratulo-me, ainda assim, que, graças ao Espaço Garagem, jovens músicos encontrem mais um palco – mesmo que um simples, mas digno, estrado de madeira – onde possam partilhar o resultado do seu trabalho e criatividade, num contexto musical como o português, perenemente depauperado – repito – também no que ao devido apoio a instituições de ensino artístico diz respeito[3].

O próximo concerto terá lugar no dia 18 de Março, pelas 19h00, por um trio de piano, violoncelo e flauta da Academia Nacional Superior de Orquestra. Aguardo com expectativa a divulgação do programa. Tentarei estar presente e com vontade de ouvir música, descontraidamente, depois de um dia de trabalho. Até lá!

 


 

[1] Fernanda Ribeiro, “Espaço Garagem, Onde O Barulho Dos Carros Deu Lugar À Música Clássica,” O Corvo :  Sítio de Lisboa (2015). http://ocorvo.pt/2015/03/06/espaco-garagem-onde-o-barulho-dos-carros-deu-lugar-a-musica-classica/ (acedido em 07/03/2015).

[2] Acerca da atuação da Secretaria de Estado da Cultura, aconselho a leitura de João Romão, “Ode Ao Secretário De Estado Da Cultura,” Rubra (2015). http://www.revistarubra.org/ode-ao-secretario-de-estado-da-cultura-2/ (acedido em 07/03/2015).

[3] Para a discussão das políticas do Ministério da Educação quanto ao ensino artístico em Portugal, sugerimos o artigo João Romão, “Luta No Conservatório? Apenas O Início!,” Glosas (2015). http://glosas.mpmp.pt/luta-conservatorio-apenas-o-inicio/ (acedido em 07/03/2015). Ainda quanto ao edifício do Conservatório Nacional, a Glosas publicou um artigo onde Luís Salgueiro narra os acontecimentos da semana de 23 de Fevereiro deste ano, que motivaram a onda de contestação de estudantes, encarregados de educação e funcionários dessa instituição, a que temos assistido desde então: Luís Salgueiro, “Semana De Ruptura No Conservatório Nacional,” Glosas (2015). http://glosas.mpmp.pt/semana-de-ruptura-conservatorio-nacional/ (acedido em 07/03/2015).

Sobre o autor

Filipe Gaspar

Mestre em Ciências Musicais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, é actualmente bolseiro do Programa Doutoral "Música como Cultura e Cognição" da mesma instituição. Os seus interesses de investigação centram-se no espectáculo músico-teatral, nos géneros de comédia musical, e nas respe​c​tivas redes nas sociedades portuguesa e brasileira da segunda metade do séc. XIX às primeiras décadas do séc. XX. É colaborador da Linha de Investigação "Música no período moderno" do CESEM - Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, integrando o projecto "'Teatro para Rir': a comédia musical em teatros de língua portuguesa (1849-1900)", o SociMus - Advanced Studies in the Sociology of Music e o NEMI - Núcleo de Estudos em Música na Imprensa. Foi Secretário da Direcção da SPIM, Sociedade Portuguesa de Investigação em Música, entre 2013 e 2015. É também coordenador do Coro Académico Romanos Melodos.

Uma resposta

  1. Graça Gomes

    Congratulo a iniciativa e faço votos sinceros de que não faltem os adeptos. Tenho pena de viver um pouco distante, mas espero que numa próxima ida a Lisboa tenha oportunidade de viver um desses magníficos momentos! Parabéns!

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