No passado dia 23 de Maio, a Orquestra Clássica da Madeira estreou a peça ...Além… Argüim… do jovem compositor madeirense Nuno Jacinto. Esta obra foi encomendada ao compositor pela Associação que gere actualmente a Orquestra. Com o Teatro Municipal Baltazar Dias completamente esgotado, foi possível deliciar-se com esta obra para formação orquestral clássica, com a duração de cerca de sete minutos, excelentemente interpretada pela orquestra e, pelo que pudemos apurar, indo de encontro às expectativas do compositor, que se encontrava presente.

De referir que a obra foi composta com base num imaginário que o próprio Nuno Jacinto descreve da seguinte forma:

… muitas histórias e lendas povoam o folclore madeirense, plenas de mistério, magia e deslumbramento.Uma dessas lendas, a da Ilha de Argüim, sempre me fascinou. Conheci esta lenda pela minha mãe, que costumava contar e recontar histórias de família após o jantar, onde esta lenda não foi excepção. Relembrando a história narrada pela minha bisavó, a minha mãe contava com os olhos a brilhar como a Ilha de Argüim era uma terra que poucos viam para lá das águas do Porto Santo, onde envolta em nevoeiro vivia D. Sebastião num castelo de marfim. A minha mãe lembrava sempre todos os pormenores, principalmente aqueles que determinavam o retorno de D. Sebastião a Portugal: “quando os telhados forem de cor vermelha, quando houver luz em pó, quando a Madeira ficar rodeada de arame (fios eléctricos)…”. Sempre estava para breve, o retorno d’El-Rei. Esta mágica lenda madeirense, mil vezes contada, foi o mote para esta obra. Sem nenhum propósito propriamente programático e muito menos narrativo, esta obra musical contempla uma viagem, por entre harmonias e ecos, ora distantes ora próximos e agrestes. A composição pretende acima de tudo retratar uma visão lenta e abstracta da travessia de diferentes camadas harmónicas, conjugações tímbricas entre instrumentos, buscando forças a pequenos gestos, mas que logo catapultam um acontecimento de maior desejo. A inclusão da braguinha pretende fornecer um timbre único do cordofone beliscado à sonoridade orquestral, ao mesmo tempo que proporciona uma homenagem ao instrumentário madeirense. De Argüim, a contemplação da magia. Da Música, a contemplação do ressoar.

 

Na verdade, o ouvinte, depois de ler esta nota de programa, vai entender muito melhor a obra com toda a magia que esta envolve, desde os momentos suaves, quase misteriosos, com recurso às cordas e às aprazíveis madeiras, para logo depois entrarem os graves sumptuosos e marcantes, aos diálogos entre cordas, madeiras e metais, sempre com belas melodias sobrepostas, crescendos ostentosos com recurso a toda a formação orquestral, em que os graves e a percussão dão a ideia do quase tenebroso, para depois terminar num diminuendo belíssimo até ao fade out final.

Na opinião do Nuno Jacinto a peça tenta cativar o ouvinte numa linguagem actual, para diferentes ambientes.

Se o ouvinte perceber através da peça uma história, está completamente à vontade para o fazer. No entanto, a ideia será mesmo, e apenas, a procura de cores musicais.

Sem dúvida, uma perfeita obra orquestral que deixa mais uma marca indelével deste jovem compositor, cuja produção musical deverá continuar a bom ritmo e irá, de certeza, surpreender-nos, positivamente, a todos os que apreciam a boa música. Que outras orquestras deste País sigam o exemplo da OCM e encomendem novas obras a Nuno Jacinto.

 


 

Nuno Jacinto nasceu em 1985. Compositor, músico, professor, maestro e regular comentador de concertos, natural do Funchal, iniciou os seus estudos no Conservatório – Escola das Artes da Madeira em Violino, Piano, Órgão e Harpa. Estudou Violino com o professor Vladimir Proudnikov, frequentando o curso profissional de instrumento. Em 2002, ganha o 2.º prémio de Violino no International Competition for Young Performers em Atenas. Entre 2003 e 2007, estuda Composição da Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo (ESMAE-IPP) no Porto, nas classes de João Madureira, Nuno Côrte-Real, Dimitris Andrikopoulos, Clarence Barlow, Carlos Guedes e Klaas de Vries. Frequentou em 2005 o curso de Direcção Orquestral com Cesário Costa. Em 2006, é premiado com a Bolsa de Mérito 2004/2005 do Instituto Politécnico do Porto (IPP). Como docente, exerceu funções em diversas instituições na área científica musical. É actualmente docente na ArtEduca – Conservatório de Música de Vila Nova de Famalicão. É professor de Expressão e Educação Musical no Centro de Bem-estar Infantil e Juvenil do Coração de Jesus (Porto). Colaborou com a Meloteca, como formador de tecnologias musicais para professores. Como escritor, colaborou com a Porto Editora na produção de textos didácticos para professores. Colaborou com a editora Numérica na elaboração de textos musicais. Como compositor, em 2007, a sua peça “Solo II” para violino solo integrou como peça portuguesa contemporânea obrigatória o Prémio Jovens Músicos 2007 (Antena 2/RDP). Participou no II Atelier de Leitura para Jovens Compositoresda Orquestra do Algarve em 2008 e no 7.º Workshop para Jovens Compositores Portugueses da Orquestra Gulbenkian em 2009, com a sua obra orquestral ArRestare. Em 2013 foi seleccionado para participar no concurso Novos Compositores da Orquestra Metropolitana de Lisboa / MPMP, Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, com a obra The Distracted Composer. Em 2011, lançou o seu primeiro trabalho discográfico, Diagnosis, pela editora Numérica. Em 2013, a sua obra Ilusão – Quatro Canções sobre a Ilusão foi incluída no trabalho discográfico Canções de Lemúria, pelo duo Marina Pacheco & Olga Amaro, na editora Parlaphone Music Portugal. Em 2014, ganhou 2.º Prémio no 1.º Concurso de Composição de Canções para Crianças sobre Poemas Portugueses, promovido pela Associação Portuguesa de Educação Musical (APEM) e o INATEL. A sua actividade composicional engloba música instrumental, coral, vocal, electrónica, passando pela música para teatro. Obras suas já foram executadas não só em vários pontos do País, como em festivais no estrangeiro. As suas obras são editadas pela AvA Musical Editions.

Sobre o autor

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Carlos Alberto Meneses Gonçalves é Doutor em Ciências do Trabalho pela Universidade de Cádiz (Espanha), onde recebeu o Diploma de Estudos Avançados na área científica de Psicologia Social. É licenciado em Administração e Gestão Escolar e diplomado com o Curso Superior de Música (Piano e Canto). Foi professor em diversas instituições, incluindo o Conservatório de Música da Madeira, a Universidade da Madeira, o Instituto Superior de Ciências Educativas e o Instituto Politécnico de Setúbal. É investigador integrado do CIPEM (Centro de Investigação em Psicologia da Música e Educação Musical), no Instituto Politécnico do Porto, e do INET-md (Instituto de Etnomusicologia - Estudos de Música e Dança (FSCH/Universidade Nova de Lisboa). É Director de Serviços de Educação Artística e Multimédia da Secretaria Regional da Educação e Recursos Humanos do Governo Regional da Madeira.