Encerrou no passado dia 3 de Novembro a exposição Ecos da Sé de Angra, que esteve patente ao público desde o dia 18 de Outubro na Capela de Santo Estêvão da Sé de Angra.

Promovida pela Fábrica da Igreja da Sé de Angra, com organização de Margarida Lopes e do Pe. Duarte Gonçalves-Rosa, contando com o apoio da Biblioteca Pública e Arquivo Regional Luís da Silva Ribeiro, esta exposição foi realizada no âmbito da comemoração do Dia Nacional dos Bens Culturais da Igreja, bem como do 485.º aniversário da Diocese de Angra. No dia 3 de Novembro foi realizado um concerto na Sé de Angra, contando com os coros litúrgicos da ilha Terceira.

De acordo com a organizadora, Margarida Lopes, a exposição veio dar a conhecer uma pequena porção da riqueza do Arquivo Capitular da Sé de Angra, nomeadamente alguns espécimes musicais mais significativos para a história da música sacra nessa instituição e na ilha Terceira, num período temporal entre o início do século XVII e a primeira metade do século XX.

foto: Margarida Lopes

Nesse sentido, foi recriada a ambiência de um coro na Capela de Santo Estêvão, tendo sido colocado para o efeito parte de um cadeiral e um manequim com as vestes de menino de coro. A própria capela está coroada com uma tela de grandes dimensões representando o martírio daquele santo, com iconografia musical, recentemente restaurada pelo atelier ACROARTE. Ao centro da capela, a estante de coro setecentista, transferida para a Sé do Convento de S. Francisco de Angra após a sua extinção, em 1832. Dos objectos litúrgico-musicais há ainda a destacar uma batuta em forma de mão, pertencente ao mestre de capela da Sé, e uma imagem de Santo António com as vestes de menino de coro. De acordo com o Pe. António Cordeiro, na sua Historia Insvlana (1717), esta imagem é um ex-voto de situação milagrosa ocorrida nas torres da Sé. O autor refere que certo menino de coro, a quem o mestre queria castigar, tendo fugido para uma das torres, dela caiu, sendo levado pelo vento para o telhado do Convento da Esperança, do outro lado da Rua da Sé.

Juntamente com estas peças estiveram também expostos alguns espécimes musicais pertencentes ao fundo musical do Arquivo Capitular da Sé. O primeiro destes, colocado na estante de coro, é o Liber Missarum de 1621 do compositor Duarte Lobo. Este é um dos três impressos de polifonia vocal sacra portuguesa (sendo os outros dois o livro de Magnificat de Lobo e outro livro de Magnificat de Fr. Manuel Cardoso) identificados em 2012, no âmbito da catalogação desse mesmo fundo. Trata-se de uma obra algo rara, e única no arquipélago açoriano, tendo sido este exemplar o décimo quarto identificado até ao momento dos 200 originalmente impressos por Baltazar Moreto, na Oficina Plantiniana de Antuérpia, em 1621.

Para além do livro de missas de Lobo, encontraram-se também manuscritos musicais do século XIX. No início desse século, o Bispo de Angra, D. José Pegado de Azevedo, decidiu, por não existir documento oficial, realizar a sagração da Sé de Angra. A cerimónia ocorreu a 16 de Outubro de 1808, tendo o Cabido encomendado para o acto um ofício de Matinas em estilo concertado ao compositor João José Baldi.

Estão também representados alguns manuscritos de compositores com relações com a Sé ao longo do século XIX. Entre os vários manuscritos encontram-se obras do Pe. Mateus Pereira de Lacerda, mestre de capela da Sé nas primeiras décadas do século XIX. Este compositor nasceu e viveu na ilha Terceira, não se conhecendo qualquer saída para outra ilha do arquipélago ou Continente português. No caso de Pedro Machado de Alcântara, mestre activo nas últimas décadas do século XIX, sabe-se que viveu vários anos em Ponta Delgada (ilha de São Miguel) fruto do seu ofício de funcionário público. Alcântara estudou na claustra da Sé de Angra e, apesar de não ter seguido a carreira eclesiástica, manteve-se na esfera musical desta instituição, tendo legado algumas obras da sua produção musical. O compositor mais tardio representado na exposição, também ele antigo aluno da claustra da Sé, é Tomás Borba, importante figura do ensino musical em Portugal nas primeiras décadas do século XX, e que também é autor de várias obras actualmente preservadas no Arquivo Capitular da Sé Angra.


Esta foi uma forma que a Sé de Angra encontrou de celebrar a edição de 2019 do Dia Nacional dos Bens Culturais da Igreja, que teve por objectivo, nas palavras da organização, criar na população “um sentido de pertença perante as peças expostas, pois fazem parte da herança e património.”

Sobre o autor

Luís Henriques

Musicólogo açoriano, doutorando na Universidade de Évora, é mestre em Ciências Musicais (FCSH NOVA) e licenciado em Música (UÉvora). É investigador em formação no CESEM e membro do MPMP. Catalogou o arquivo musical da Sé de Angra, foi bolseiro no projeto ORFEUS e também investigador no projeto PASEV. Fundou e dirigiu o Ensemble da Sé de Angra e também o Ensemble Eborensis, com concertos nas ilhas dos Açores, Continente português e França. Os seus interesses de investigação centram-se na polifonia portuguesa seiscentista, especialmente no Alentejo, e a música nos Açores do século XV ao final do XIX.

Deixe um comentário

O seu endereço de correio electrónico não será publicado.