Flor, Bela e Louca

Estreou-se no passado dia 20 de Novembro, no Teatro Municipal Baltazar Dias, Funchal, um bailado original baseado na vida e obra da poetisa portuguesa Florbela Espanca, nascida em Vila Viçosa a 8 de Dezembro de 1894 e falecida em Matosinhos a 8 de Dezembro de 1930, de seu nome completo Flor Bela de Alma da Conceição Espanca. Com sete récitas totalmente esgotadas, o público madeirense e os turistas maravilharam-se com esta obra, criada e interpretada integralmente por artistas madeirenses.

Por detrás desta criação está a comemoração dos 30 anos de práticas artísticas extra-escolares no âmbito da Direcção de Serviços de Educação Artística e Multimédia (DSEAM). Estas actividades são frequentadas por cerca de 1100 alunos em diversas as áreas artísticas (música, teatro, dança, artes plásticas e multimédia), com a particularidade de se terem criado, ao longo dos tempos, agrupamentos artísticos que dinamizam uma Temporada Artística, anual, com cerca de 220 espectáculos por toda a Região Autónoma da Madeira. Graças a estas práticas, tem sido possível a esta Instituição da Secretaria Regional da Educação levar a efeito eventos com grande envolvimento, protagonizados pelos professores (músicos, bailarinos, actores, produtores) e alunos que dão corpo a todo e qualquer projecto de simbiose das artes do espectáculo.

A DSEAM vem organizando, desde 2005, um conjunto de espectáculos de grande qualidade artística, todos eles em estreia mundial na Madeira, a saber: 2005 Quem tramou a flauta mágica?, baseado na ópera A flauta mágica de Mozart; o musical de Jorge Salgueiro com libreto de Ester Vieira A voz na seda das palavras; 2006  Carmen em ritmo de hip-hop, nova adaptação da ópera Carmen de Bizet; 2007  Rigoletto e o portal de cristal, baseado em Rigoletto de Verdi; 2008  ópera Orquídea branca, original de Jorge Salgueiro com libreto de João Aguiar, com reposição em 2009; 2010  ópera O salto, novamente um original de Jorge Salgueiro com libreto de Miguel Esteves Cardoso e, finalmente, em 2014 Flor, Bela e Louca.

Com esta última produção, esta organização apresentou o seu primeiro bailado, envolvendo um total de 157 artistas em palco, entre músicos, bailarinos e actores, para além de mais de 20 técnicos nas áreas de produção, multimédia, sonoplastia, luminoteca, e ainda pessoal técnico do próprio Teatro Municipal. De destacar a particularidade de este ter sido um projecto todo ele criado, produzido e protagonizado por artistas exclusivamente madeirenses. Estamos em crer que nesta Região, ao longo das últimas décadas, estão a ser dados os passos estratégicos necessários com vista à formação não apenas de novos artistas mas também de novos públicos.

Sobre Flor, Bela e Louca, a ideia, as coreografias e o papel de protagonista são de Juliana Andrade (uma jovem e promissora coreógrafa, que estudou dança na Escola Superior de Dança de Lisboa e é Mestre em Ensino de Educação Musical). Em relação à música e à direcção de orquestra são de João Caldeira (outro jovem compositor, Licenciado em Música pela Escola Superior de Educação de Coimbra e que estuda actualmente Composição, através de e-learning, na Berklee College of Music, Estados Unidos da América). Caldeira referiu que criou toda a parte orquestral através de texturas retratando os “altos e baixos” de Florbela, com recurso a timbres diferenciados e a uma criteriosa combinação de instrumentos. No que concerne à orquestra, teve como base a Orquestra de Sopros da DSEAM, tendo-se incluído também cordas de arco, bandolins, cordofones tradicionais, acordeão, percussão e vozes (coro), num total de 56 músicos e cantores. A encenação foi de Miguel Vieira (professor e actor de reconhecido mérito).

Falando um pouco sobre a obra musical, poderemos referir que para um jovem compositor a mesma está a um nível de qualidade bastante aceitável, com cenas mais bem conseguidas do que outras, mas na sua generalidade de muito bom gosto. Conhecendo o curto percurso deste compositor podemos notar o seu desenvolvimento ao longo dos últimos dois anos, encontrando-se neste momento numa fase de amadurecimento e crescimento muito positiva. Auguramos-lhe um percurso sólido e de sucesso para o futuro.

A coreógrafa e primeira bailarina, Juliana Andrade, fez um trabalho simplesmente notável, quer na criação, quer na sua própria interpretação do papel principal, o de Florbela Espanca. Foi de uma criatividade fora do comum e de um sentido crítico muito apurado, duas mais-valias para quem pretende continuar a criar de preferência “fora da caixa”. Também à Juliana Andrade vaticinamos um futuro frutífero de sucessos.

Ao questioná-la sobre o resultado deste seu trabalho, Juliana Andrade, referiu:

Para mim e para todos os criativos que ajudaram a desenvolver a ideia deste projecto (João Caldeira, Diana Pita, Catarina Gomes e Ricardo Correia) foi um grande desafio poder realizá-lo, pelas mais distintas variáveis que teríamos de considerar ao nível dos recursos humanos, materiais, etc..

Acerca dos recursos humanos que teve à sua disposição, explicou:

Conseguiríamos nós alcançar um espectáculo de qualidade que respondesse aos padrões pré-concebidos com jovens artistas, músicos, actores e bailarinos que apenas desfrutam de duas aulas por semana? Para mim o resultado foi a confirmação de que sim! Temos muita gente com talento, responsabilidade, mas acima de tudo com uma dedicação e amor pela arte incansáveis… Todos os elementos envolvidos deram-se de corpo e alma… e foi esta alma que o público conseguiu perceber e fruir durante todo o espectáculo. As críticas foram muito positivas e recheadas de incentivo e carinho. Sem dúvida para mim, como Directora Artística do bailado, este projecto foi muito bem sucedido, não só no seu resultado final mas em todo o seu processo… Todos se envolveram nesta loucura com uma paixão invulgar… que influenciará, sem dúvida alguma, as suas personalidades como artistas do futuro.

Com salas lotadas durante as sete apresentações, este bailado com a duração de 1 hora e 20 minutos, sem intervalo, foi mais uma aposta ganha pela DSEAM. Ouvimos vários espectadores que nos confidenciaram a sua enorme satisfação pelo trabalho apresentado, bem como o seu regozijo por numa Região Autónoma como a Madeira sermos capazes de criar uma obra tão brilhante como esta. Muitos sugeriram que a mesma deveria ser apresentada em Portugal continental, não só pela sua qualidade mas também pelo seu tema, que é do conhecimento da maioria dos portugueses. Uma ideia que se deixa à consideração dos produtores e agentes culturais das grandes cidades do nosso país.

 


 

Fotografias: Direcção de Serviços de Educação Artística e Multimédia.

Sobre o autor

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Carlos Alberto Meneses Gonçalves é Doutor em Ciências do Trabalho pela Universidade de Cádiz (Espanha), onde recebeu o Diploma de Estudos Avançados na área científica de Psicologia Social. É licenciado em Administração e Gestão Escolar e diplomado com o Curso Superior de Música (Piano e Canto). Foi professor em diversas instituições, incluindo o Conservatório de Música da Madeira, a Universidade da Madeira, o Instituto Superior de Ciências Educativas e o Instituto Politécnico de Setúbal. É investigador integrado do CIPEM (Centro de Investigação em Psicologia da Música e Educação Musical), no Instituto Politécnico do Porto, e do INET-md (Instituto de Etnomusicologia - Estudos de Música e Dança (FSCH/Universidade Nova de Lisboa). É Director de Serviços de Educação Artística e Multimédia da Secretaria Regional da Educação e Recursos Humanos do Governo Regional da Madeira.