Este disco de Gwendolyn Masin e Simon BucherFlame (ed. Orchid Classics) — exibe claramente um cunho pessoal da violinista, como já vai sendo habitual nas suas aparições. Masin dedica grande parte da sua carreira ao ensino e questiona-se recorrentemente acerca dos aspectos físicos e psicológicos do que é a prática de um instrumento e de fazer música. As suas interpretações são, por esse motivo, um produto dessa procura constante, e nesta gravação a violinista partilha com o ouvinte um pouco dessa demanda pessoal.

Nos textos que acompanham o CD, Masin menciona que este álbum partiu da sua reflexão pessoal acerca de ideias como o destino, a escolha e a intersecção entre ambas. Para a violinista, a relação do ser humano com destino é semelhante à relação com a música: esta faz parte do ser humano, mas transcende-o. Refere ainda que a música é uma estrutura simultaneamente abstracta e absoluta, e é nesta medida que a vê como uma chama (Flame), que é, assim, o nome do álbum.

Flame reúne música composta entre finais do séc. XIX e a primeira metade do séc. XX; conta com obras muito coerentes si, que tanto remetem para a calma da meditação como para a inquietude de quem se questiona. O alinhamento estrutura-se de forma muito equilibrada: inicia-se com a Sonata em Sol menor de Debussy, introduzindo-nos na perfeição a um ambiente de contemplação que irá ser transversal ao longo do álbum. Seguem-se duas pequenas peças arranjadas para violino e piano: Chant de Roxane, de Szymanowki, e Après un Rêve, de Fauré; encontra o seu eixo na faixa 6, com Tema e Variações para Violino e Piano de Messiaen, e segue com mais duas pequenas peças arranjadas: Berceuse (de O Pássaro de fogo), de Stravinsky, e Beau soir, de Debussy. Termina com a Sonata para Violino n.° 2 de Ravel, que nos traz um ambiente mais leve e jocoso, de influências jazzísticas, que, ainda assim, surge totalmente coerente. Os materiais que acompanham o CD contêm ainda comentários — sobretudo históricos — sobre cada uma das obras, que contextualizam, em parte, a audição.

Na interpretação de Masin (nesta gravação) encontram-se alguns pontos sensíveis a nível técnico, como uma certa tendência para tocar pouco alla corda, o que, por ser um pouco excessivo, deixa por vezes a dúvida se fará parte da interpretação. Isso irá reflectir-se também na falta de sustentação em notas longas nalguns finais de frase, que, ao terminarem com o vibrato para baixo, nos dão por vezes a sensação de que a afinação estará baixa. Ainda assim, a sua notável musicalidade transmitiu-me honestidade e maturidade interpretativa. Simon Bucher oferece um óptimo contributo e apoio, cooperando para a boa dinâmica de conjunto que ambos me parecem ter.

Em suma, trata-se de um álbum que me parece ter sido gravado com foco numa grande vontade não só de fazer música, mas de transmitir sensações, provocando uma inquietação filosófica. Ao longo da minha audição, esses valores elevaram-se perante imperfeições que, eventualmente, tenham surgido. O ambiente sonoro apelou-me à contemplação, numa escolha de repertório muito coerente, alinhado de forma equilibrada e sem recorrer a escolhas que seriam mais óbvias para transmitir esse tipo de sensações. Flame é uma tentativa, a meu ver, bem sucedida e sem pretensiosismos, de dois músicos reunidos para transmitir uma ideia artística numa interpretação simples mas rica em musicalidade. 

Sobre o autor

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Natural de Torres Vedras, concluiu o Conservatório de música na escola Luís António Maldonado Rodrigues. Prosseguiu os seus estudos a nível superior na Academia Nacional Superior de Orquestra, mas o seu grande interesse por investigação musicológica fê-la mudar de rumo e ingressar em Ciências Musicais na Faculdade de Ciências Musicais e Humanas. É actualmente bolseira de iniciação científica no CESEM.