João Cordeiro da Silva em estreia moderna no São Carlos

Texto de José Carlos Araújo, com a colaboração de Beatriz Dilão


Sobre João Cordeiro da Silva (1735-1808?), cuja última ópera, Lindane e Dalmiro, é agora revisitada em estreia moderna no Teatro Nacional de São Carlos, diz-nos Ernesto Vieira, no Diccionario Biographico de Musicos Portuguezes (Lisboa, 1900), não poder dar senão “rarissimas noticias biographicas d’este musico, não obstante ter sido um dos bons compositores que brilharam na côrte nos fins do seculo XVIII, periodo aureo para a arte musical no nosso paiz.”Mais tarde mestre de capela e mestre de música dos Infantes, escreveu numerosas obras sacras e dramáticas em que é visível a influência das inovações de Jommelli, cujas obras afluíam a Lisboa com grande rapidez, em virtude de uma encomenda real, em que beneficiou ainda da colaboração do grande libretista Gaetano Martinelli, radicado em Portugal justamente por intercessão directa do grande compositor napolitano.

De entre as numerosas óperas que João Cordeiro da Silva compôs para serem apresentadas nos Teatros Reais da Ajuda e Salvaterra e no Palácio Real de Queluz, parcialmente conservadas nas bibliotecas da Ajuda e de Queluz, Lindane e Dalmiro, dramma serio-comico per musica, é, como dissemos, a última, cantada na Ajuda a 17 de Dezembro de 1789, em celebração do aniversário da Rainha D. Maria I. Desde então, esta nova produção do Teatro Nacional de São Carlos – que conta com um trabalho de raiz de transcrição, estudo e preparação da partitura da responsabilidade de João Paulo Santos, que assume também a direcção musical, à frente da Orquestra Sinfónica Portuguesa – será a primeira oportunidade para a podermos ouvir novamente.

No elenco, em que figuram alguns dos mais importantes cantores portugueses da actualidade, contam-se Sandra Medeiros, Raquel Luís, Joana Seara e Cátia Moreso nos papéis principais. A encenação é assinada por Luca Aprea, com cenografia e figurinos de António Lagarto.

 

 

Este projecto integra-se numa perspectiva da recuperação e divulgação do património musical português que tem vindo a ser desenvolvido pelo Teatro Nacional de São Carlos nos últimos anos, muito particularmente através da actividade de João Paulo Santos, permitindo-nos um olhar sobre a ópera portuguesa anterior à actividade de António Leal Moreira, primeiro Director do São Carlos e um dos maiores compositores portugueses do final do séc. XVIII – ele próprio, como salienta o Maestro em entrevista à Glosas, “um compositor que muito importa ainda descobrir para além de A Vingança da Cigana”. Lindane e Dalmiro, distanciando-se das restantes óperas de Cordeiro da Silva, de argumento clássico, conta a história de um amor contrariado por uma abastada baronesa, mas inclui também um conjunto de peripécias cómicas que, curiosamente, se desenrola numa ilha chamada Bagdad.

Relativamente à figura do grande libretista, Gaetano Martinelli, figura central da concepção de Lindane e Dalmiro, reportamo-nos ainda às palavras de João Paulo Santos: “O percurso de Martinelli é muito especial. Como veio para cá, porque Jommelli quis que ele viesse, e como aparentemente lhe aconteceu o mesmo que acontece a muitos estrangeiros quando vêm para esta terra, que é gostarem de cá estar, casarem, terem filhos, morrerem e não se preocuparem muito com isso, não ser nenhuma fatalidade, acabou por escrever os seus libretos para um grupo de compositores portugueses que, creio eu, ganharam muito com isso. Haveria todo um estudo musicológico a fazer sobre isso, sobre a influência dele na modernidade destes compositores que ainda conhecemos tão mal; porque Martinelli estava, de facto, e escreveu muitas cartas sobre o assunto, interessado na reforma da Ópera. Falamos sempre de Gluck, porque ele escreveu – e parece que nem foi ele – o prefácio da Alceste: portanto, teorizou; mas não era, de todo, o único interessado em modernizar o modelo metastasiano.” Esta obra é, assim, exemplo perfeito de uma época de acentuada transição, para o que viremos a conhecer nas óperas de Rossini: “A linguagem amorosa, sobretudo do libretto, é muito curiosa, porque integra as mesmas expressões que encontraremos, mais tarde, no melodramma italiano do século XIX.”

Lindane e Dalmiro tem récitas a 20 e 23 de Maio às 20h, e também a 22 de Maio às 16h, no Salão Nobre do Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa.

 


 

 

Ficha Técnica

JOÃO CORDEIRO DA SILVA (1735-1808?)

Lindane e Dalmiro

 

DRAMA SÉRIO-CÓMICO EM DOIS ACTOS

Libreto de Gaetano Martinelli

Nova Produção / Estreia nos tempos modernos

Direcção musical | João Paulo Santos

Encenação | Luca Aprea

Cenografia e figurinos | António Lagarto

 

Lindane | Sandra Medeiros

Dalmiro | Raquel Luís

Giacinta | Joana Seara

Baronesa | Cátia Moreso

Monsieur Ragout | Carlos Guilherme

Marquês Pancottone | Diogo Oliveira

Don Fabrizio | João Merino

 

Orquestra Sinfónica Portuguesa

Maestrina titular | Joana Carneiro

Sobre o autor

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Estudou cravo, órgão e música antiga em Lisboa, exercendo intensa actividade, quer a solo, quer com agrupamentos de música antiga e orquestras. Licenciou-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde estudou Filologia Clássica e em cujo Centro de Estudos Clássicos é investigador. Prepara actualmente a primeira tradução portuguesa das Cartas de Plínio. Integra a Direcção da revista 'Glosas'.