Fernando Lopes-Graça manteve, ao longo da vida, relevantes laços com a música e os músicos brasileiros. Esta afeição particular constitui uma temática recorrente na obra do compositor, cristalizando-se na forma de obras como as Dezassete Canções Tradicionais Brasileiras (para coro a cappella, dedicadas à memória do poeta brasileiro Mário de Andrade), o quinteto de sopros O Túmulo de Villa-Lobos (sobre temas populares brasileiros) ou Gabriela, cravo e canela, abertura sinfónica para uma ópera-cómica sobre o célebre romance epónimo de Jorge Amado. Durante as próximas duas semanas, Guilhermina Lopes dará a Lisboa a oportunidade de explorar esta relação através da música vocal.
Guilhermina Lopes, soprano, é doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas e investigadora-colaboradora do Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa. A investigação que tem vindo a desenvolver incide sobre a obra musical de temática brasileira de Fernando Lopes-Graça. Juntamente com Duarte Pereira Martins, que a acompanhou ao piano, Guilhermina Lopes respondeu assim ao segundo desafio lançado por Adriano Nogueira, comissário do ciclo Músicas do Acervo, que actualmente decorre no Museu Nacional da Música, em Lisboa.
Coexistem vários graus de oralidade e erudição – bem como de erudição sobre a oralidade. O programa do recital contrapôs a selecções das Sete Canções Populares Brasileiras (1954) de Lopes-Graça – bem como do Álbum do Jovem Pianista, para piano solo – uma breve panorâmica da canção brasileira: Nepomuceno, sobre a poesia de Osório Duque-Estrada (Trovas I) e de uma das figuras tutelares da literatura brasileira, Machado de Assis (Coração Triste); Oscar Lorenzo Fernández, sobre Ronald de Carvalho (Vesperal) e Mário de Andrade (Toada p’ra você); Jayme Ovalle – também ele poeta – sobre um texto tradicional religioso afro-brasileiro (Estrela do Mar, dos Três Pontos de Santo, Op. 10); Cláudio Santoro, sobre Vinicius de Moraes (Amor em Lágrimas); César Guerra-Peixe – de cuja ligação a Lopes-Graça já demos conta no número 11 desta revista – sobre a poesia do notável modernista Carlos Drummond de Andrade (Rapadura). Por fim, música de Villa-Lobos, sobre a poesia de Dora Vasconcellos (Canção de Amor) e sobre a melodia tradicional Xangô. Este recital teve lugar no passado dia 18 de Novembro, no MNM.
Após a apresentação desta música em palco, enquanto intérprete, Guilhermina Lopes dirigir-se-á a outra plateia, como investigadora: os ouvintes do I Colóquio Internacional Voz no Palco, a decorrer no Auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro (Telheiras, Lisboa), com organização do CET – Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O colóquio acolherá uma comunicação da investigadora, sob o título Desafio, de Fernando Lopes-Graça: retrato [de um] “desconstelizador”.