De 5 a 13 de Novembro, realizou-se na cidade do Funchal, concretamente no Teatro Municipal Baltazar Dias, a 2.ª edição do Madeira Piano Fest’2016, com cinco concertos de piano que envolveram dez pianistas de oito nacionalidades diferentes: Pascal Rogé (França), Ami Hakuno Rogé (Japão), Galina Chistiakova e Irina Chistiakova (Rússia), “artistas Steinway”, Carles Lama e Sofia Cabruja (Espanha-Catalunha), Kiveli Doerken e Danae Doerken (Grécia/Alemanha), Artur Pizarro (Portugal) e Rinaldo Zhok (Itália). Assistimos a dois dos concertos e ficámos, naturalmente, impressionados com a qualidade das interpretações dos pianistas e a escolha do repertório. Sem dúvida este evento, de carácter anual, constitui um excelente cartaz artístico-cultural para a Região Autónoma da Madeira, organizado pela Associação de Amigos do Conservatório de Música da Madeira (AACMM) e tendo como presidente da Direcção e programador o musicólogo Robert Andres – croata, mas a residir e a trabalhar na Madeira há vários anos -, que, ao longo deste seu mandato à frente dos destinos desta Associação, vem primando pela qualidade dos concertos que organiza em detrimento da quantidade; algo que se considera muito relevante numa região onde existem várias associações e instituições a organizar concertos, mas de forma descoordenada, muitas vezes com sobreposições que em nada contribuem para o sucesso dos públicos.
A título de avaliação deste evento, entrevistámos o presidente da AACMM:
Glosas: Na sua opinião, e como produtor, como avalia este 2.º Madeira Piano Fest?
Robert Andres: O evento provou ter qualidade incontestável, de nível verdadeiramente internacional, e julgo que merece manter o carácter anual, juntando-se a eventos que têm o mérito de representar a qualidade da vida e oferta artística da região.
Glosas: Os pianistas convidados corresponderam às suas expectativas?
Robert Andres: O nível de interpretações pôde ser testemunhado pelo público presente – foi a par de oferta das temporadas musicais de cidades muito maiores do que toda a Região. O mais encorajador foi ouvir a geração mais nova a impor-se com qualidade e convicção e deixar uma impressão artística inequivocamente positiva.
Glosas: Quanto ao público, quantas pessoas estiveram presentes nos cinco concertos? Numa previsão aleatória, que percentagem de público residente e estrangeiro?
Robert Andres: Considerando que o Teatro Municipal muito, mas mesmo muito raramente esgota num recital ou concerto camerístico (a última vez que me lembro foi em Janeiro de 2013, na inauguração do restaurado piano Bechstein da DRC, quando Artur Pizarro teve lotação esgotada já no dia anterior ao concerto), a média foi razoável. No total, tivemos algures entre 550 e 650 pessoas, conforme a utilização de bilhetes de contrapartida de publicidade e ofertas. Talvez 80% do público foi constituído por não-residentes, o que também representa uma média habitual.
Glosas: Qual o valor global para este festival? Qual a comparticipação da Direcção-Regional de Cultura (DRC)?
Robert Andres: O valor global foi de cerca de 16.500 euros. No âmbito do Protocolo de Desenvolvimento e Cooperação Cultural assinado com a Secretaria-Regional de Economia, Turismo e Cultura, a AACMM foi apoiada com o valor anual de 8 mil euros: no entanto, este montante destina-se a toda a actividade da AACMM, que, além do Madeira PianoFest, contemplou neste ano ainda dois recitais e a Semana da Música de Câmara (5 concertos em Junho).
Glosas: Considera que, com os apoios públicos, Câmara Municipal do Funchal e DRC, juntando a receita de bilheteira, é suficiente para fazer face às despesas?
Robert Andres: É melhor dizer que, sem eles, a realização seria completamente inexequível e que, com eles, o saldo negativo tem alguma hipótese de ser eventualmente reconciliado.
Glosas: Como avalia o actual panorama artístico musical erudito na Madeira?
Robert Andres: Neste momento, embora o “erudito” seja cada vez mais difícil de definir, e se encontre em competição algo desequilibrada com produção de entretenimento efémero, existe uma cornucópia de eventos, com uma dinâmica e imprevisibilidade invulgares, resultando numa agenda que dá a impressão de “capitalismo cultural selvagem” e algum caos. De certeza que seria possível desencadear sinergias cuja prática podia ser benéfica para todos os envolvidos.
Glosas: Que mensagem gostaria de deixar aos madeirenses em particular, e aos portugueses em geral?
Robert Andres: O público madeirense gosta de música de qualidade, isso é óbvio, sobretudo quando aparece oferta de concertos gratuitos. Mas precisa de entender de que não faz sentido e não se devia condenar e declarar-se contra a atribuição de subsídios às associações e promotores, enquanto ao mesmo tempo não está muito disponível para financiar a cultura da sua própria terra através da compra de bilhetes.
É preciso ver isso como um investimento no futuro das gerações vindouras: o público do presente sempre planta as árvores da cultura, cujos frutos serão gozados pelos seus filhos. É um mecanismo cuja validade ainda não está bem assente na mentalidade.
Aos portugueses, e este PianoFest foi um bom exemplo disso, a Madeira é um destino não só de turismo convencional, mas sim cada vez mais também de turismo cultural. Vale a pena informar-se sobre os eventos na Agenda Cultural e procurar conjugar boas experiências. A continuidade territorial deve igualmente implicar a continuidade cultural!
ROBERT ANDRES é diplomado pela Academia de Música de Zagreb (Croácia), tendo posteriormente recebido uma bolsa do governo soviético para estudar no Conservatório de Música de São Petersburgo com D. A. Svetozarov, discípulo do grande pianista russo Sofronitski. Prosseguiu o seu aperfeiçoamento em Viena e nos Estados Unidos, onde, numa bolsa da Fundação Fulbright, estudou com Sequeira Costa na Universidade do Kansas, da qual recebeu o doutoramento em artes musicais, assim como um mestrado em Musicologia. Participou também em cursos de aperfeiçoamento e teve aulas particulares com pianistas de renome, tais como Pierre Sancan, Rudolf Kehrer, Claude Frank, Leonid Brumberg e Peter Katin.
Começou a actividade pedagógica no Colégio Kalamazoo, nos Estados Unidos, continuando-a desde 1993 no Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira, sendo actualmente professor de Piano e História da Música e delegado do grupo de instrumentos de tecla. Orienta também regularmente masterclasses de Piano, e já integrou mais de uma dezena de júris de concursos internacionais.
Robert Andres apresentou-se em recitais, concertos com orquestra e música de câmara em vários países europeus, como Itália, França, Alemanha, Espanha, Polónia, Eslováquia, Ucrânia, Irlanda, Eslovénia, Bélgica, Áustria, Croácia e Portugal, e também na Venezuela e nos Estados Unidos. O duo com a esposa, a pianista irlandesa Honor O’Hea,actua desde 1995. Apresentam-se a quatro mãos e a dois pianos, tendo recebido um acolhimento entusiástico pela crítica musical e pelo público em mais de quinze países. Vários compositores dedicaram-lhes obras.
Desde 1997, é Presidente da Direcção da Associação dos Amigos do Conservatório de Música da Madeira, organização sem fins lucrativos que apoia financeiramente jovens e talentosos músicos da Região e que, no âmbito das suas temporadas musicais, continua a apresentar ao público madeirense músicos de craveira internacional. Tendo organizado cerca de 230 concertos para a AACMM, foi também co-organizador da 28.ª Conferência Anual da EPTA, que teve lugar na Madeira em Julho de 2006.
Tem escrito para revistas musicais especializadas, enciclopédias reputadas e jornais, em vários países, tendo sido, de 1995 a 2002, colaborador musical e autor da página semanal de música no Jornal da Madeira. Em 2001, a editora americana Scarecrow Press publicou o seu livro sobre os inícios da abordagem científica da técnica pianística.