Murmuratorium, simultaneamente uma performance músico-teatral e uma instalação que pode ser explorada num registo livre e informal, venceu em outubro o prémio Melhor Projeto Participativo dos Young Audience Music Awards 2020 (YAMAwards). Estava, também, nomeado na categoria de Melhor Ópera, que acabou por ser atribuído à produção espanhola La Isla, de Nuria Nuñez-Hierro, com libreto de Rafael Villalobos.

O Prémio YAMAwards, promovido pela organização Jeunesses Musicales International, pretende identificar e apoiar iniciativas de todo o mundo que inspirem e envolvam jovens e que se destaquem pela sua criatividade e inovação.

A produção estreou-se em 2019, no Festival dos Canais em Aveiro, numa colaboração da CMT-Kids com o grupo local Dancenter. Uma segunda apresentação foi feita na Ribeira Grande, nos Açores, também com a CMT-Kids, com a participação do grupo Musiquim. Em conversa com a revista Glosas, Paulo Maria Rodrigues, autor da iniciativa, partilhou algumas curiosidades, nomeadamente a escolha do nome Murmuratorium:

 

Uma das coisas a que achámos imensa piada foi ao fenómeno da murmuração, que acontece quando milhares de pássaros voam em bando. É a capacidade de milhares de organismos vivos se entenderem e se organizarem como se fossem um organismo só. (…) Sabíamos que queríamos algo coletivo, que permitisse que toda a gente se entendesse no meio de um discurso sonoro e visual.

 

 

A Companhia de Música Teatral tem vindo a desenvolver, ao longo dos anos, projetos participativos de formação imersiva como o Opus Tutti e o GermInArte, partindo da ideia de que as pessoas podem habitar um espaço em comum, trabalhando em conjunto para partilharem algum tipo de experiência. No Murmuratorium, participaram crianças e jovens de dois grupos distintos: CMT-Kids e grupo local. Paulo Rodrigues acrescenta:

 

Há necessidade de criar logo desde o primeiro momento um só grupo, conseguido através de uma metodologia de trabalho focada na criação de ambientes que favoreçam essa relação entre as pessoas e que favoreçam o dar voz a cada um deles. Cria-se uma oportunidade de aprendizagem mútua que é muito motivada por aquilo que o outro sabe… acabam por se ensinar uns aos outros, de uma forma muito informal. Revela-se uma mais valia nas aprendizagens, sejam sociais ou artísticas.

 

Uma das particularidades deste projeto é o facto de não ser fixo, ou seja, a narrativa é determinada pela relação que pode ter com o espaço. Apesar de se manterem os mesmos conjuntos de ideias, instrumentos e objetos, o resultado final acaba por ser muito diferente. Em Aveiro deu-se nos Claustros da Igreja da Misericórdia, num espaço ao ar livre, mas interno; e nos Açores foi no relvado de uma escola.

Os participantes tiveram oportunidade de interagir com inúmeros objetos, entre eles taças, campainhas, campânulas e gamelões. Alguns dos objetos, como o gamelão de porcelana e cristal, já tinham sido desenvolvidos em projetos anteriores como n’Um Plácido Domingo, inserido no projeto Opus Tutti, com a intenção de criar algo que fosse dinâmico e que não estivesse imobilizado num palco. Do ponto de vista da colocação destes objetos no espaço, Paulo Rodrigues refere que a ideia é imaginar também o espaço como um instrumento, “um instrumento que podemos construir com aquelas teclas e, portanto, temos de ter uma noção de como é que que queremos organizar o conjunto de sons no espaço”. Para além destes instrumentos acústicos, é de destacar a componente eletrónica, com a utilização de sons preparados e afinados de modo a irem ao encontro da camada acústica.

 

 

Tivemos a oportunidade de conversar com algumas crianças que participaram do projeto e reunimos alguns comentários:

 

Acho que este é um projeto bastante diferente dos que temos feito até agora, porque depende do sítio onde é feito e é isso o que eu mais gosto nele. (…) Com o Dancenter aprendi novos exercícios de movimento e com a Musiquim senti-me inspirada pela vontade que todos tinham em participar neste projeto. (…) Gostei de explorar o som das taças, com baquetas, bolas e arcos… e das caixas de música! Gostaria muito de voltar a participar no Murmuratorium e de trabalhar com novos grupos!

Inês Silva (21 anos), CMT-Kids

 

Eu fiquei contente com o que saiu de lá. Gostei da edição de Aveiro e da dos Açores. Acho que é sempre bom estarmos e convivermos com pessoas que fazem um tipo de trabalho diferente do nosso e podemos sempre aprender com elas. (…) Voltaria a repetir numa próxima edição, noutro sítio, com outras pessoas ou inclusive com as mesmas… As pessoas gostaram e disseram que estava bonito.

Simão Leal (18 anos), CMT-Kids

 

Foi uma experiência muito diferente, nunca tinha feito nada assim. Nós experimentámos várias maneiras de fazer música e acho que se juntou bem a música com a dança e todos ficámos a aprender um pouco de tudo. Toda a gente ficou a ganhar com isso. (…) Tinha várias dinâmicas: nós utilizávamos todas as partes do nosso corpo e usámos vários instrumentos sem ser os que eles criaram e nos mostraram e foi mesmo super criativo! (…) Nós demo-nos todos muito bem, até porque muitos de nós já nos conhecíamos e também ficámos a conhecer outras pessoas muito fixes.

Catarina Pereira (12 anos), Dancenter

 

 

Eu acho que foi muito divertido! Nós ensinamos-lhes algumas músicas tradicionais aqui dos Açores. Foi bastante diferente do normal. Nós antes fazíamos as peças sempre dentro de um teatro, mas depois fizemos ao ar livre e tivemos mais contacto com a natureza, e foi melhor para nós. Acho que foi bom conhecer pessoas novas!

Elisa Vieira (11 anos), Musiquim

 

Nós criámos laços de amizade muito rapidadamente e demo-nos muito bem logo de primeira. Gostei mesmo de todos os dias… eram espetaculares! Os meus pais gostaram muito do espetáculo e acharam-no interessante. (…) Eu acho que o CMT-Kids gostou de estar cá e nós, Musiquim, também os recebemos muito bem e gostámos de os ter cá. Se eles quiserem vir mais uma vez, são muito bem-vindos cá em São Miguel.

Margarida Melo (10 anos), Musiquim

 

Gostei muito de cantar e de trabalhar com a CMT-Kids. Eles ensinaram-me músicas… Eu queria fazer novamente, mas em vez de ser cá, ser lá!

Miguel Machado (6 anos), Musiquim

 

No website da Companhia de Música Teatral encontrará vários vídeos e imagens ilustrativas.

Sobre o autor

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Natural de Viana do Castelo, completou o Curso de Instrumentista de Cordas e Tecla na Escola Profissional Artística do Alto Minho. Prosseguiu os seus estudos em Ciências Musicais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, na Universidade Nova de Lisboa. Encontra-se, actualmente, a concluir o Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação no ISCTE-IUL, Lisboa.