Domingos Maria Xavier Rebelo (1891-1975), mais conhecido por Domingos Rebelo, foi um pintor açoriano e autor de algumas das mais emblemáticas imagens da iconografia do arquipélago.
Os emigrantes, datada de 1926, é uma das mais conhecidas obras do artista, e lembra sem dúvida um dos fenómenos sociais mais presentes nos Açores. É um retrato bastante presente na grande parte das famílias açorianas: a busca de melhores oportunidades e de uma nova vida por terras estrangeiras. Esta pintura a óleo é uma representação icónica da experiência emigrante daquela época. A despedida junto ao porto da cidade de Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel, carrega em si a identidade de um povo repleto de símbolos e tradições.
Para além de toda a simbologia, Domingos Rebelo imortaliza variadíssimos elementos que caracterizam a alma das gentes das ilhas. Desde o quadro com o Senhor Santo Cristo à viola da terra, o artista cria todo um cenário que marcou e continua a marcar a cultura de um povo através da representação do traje popular, dos baús de madeira, a cesta de vimes e a saca de retalhos.
No primeiro plano, do lado esquerdo da pintura, está representada a viola da terra, um instrumento com uma construção vinculada à identidade deste povo. É fascinante o repositório de símbolos destacados no instrumento como forma de tradução e expressão da personalidade açoriana. Analisando o corpo do instrumento, vemos que estão ilustrados dois corações, que representam o de quem parte e o de quem fica. Por isso, são ilustrados de “costas” voltadas um para o outro e separados pelas cordas do próprio instrumento. Por outro lado, estão unidos por um cordão umbilical que, por sua vez, se une numa lágrima que representa a saudade. A busca da riqueza através da emigração é representada pelo ás de ouros ou até mesmo pelo Espírito Santo, uma das maiores festas celebradas nas nove ilhas dos Açores. Por fim, temos representado o açor no cavalete, ave que deu origem ao nome do arquipélago.
Um senhor com ar triste, a observar o mar, remete o observador para um dos símbolos mais poderosos da obra. O mar é o caminho, mas também o obstáculo.
A pintura de Domingos Rebelo marcou Tomaz Borba Vieira (1938-) que, em 1987, decidiu homenagear o pintor através de Os regressantes.
O autor, nesta obra, realiza uma metamorfose dos símbolos representados na pintura original. É o resultado da própria emigração com a alteração de uma cultura por outra. A viola da terra transforma-se numa guitarra eléctrica, e com ela adivinham-se novos estilos musicais e sonoridades. A viagem deixou de ser representada pelo mar azul, mas sim pelo cinzento de uma pista de aeroporto e pela poluição das sociedades desenvolvidas. A carroça é agora um automóvel, a cesta de vimes um rádio, o baú uma mala de viagem, os trajes típicos encontram-se substituídos por roupas modernizadas e o quadro do Senhor Santo Cristo é uma imagem da Torre CN de Toronto, cidade que até aos dias de hoje representa e acolhe muitas das comunidades açorianas no Canadá.
O jovem a chorar no lado esquerdo da obra de Domingos Rebelo é agora um adolescente de boné que lhe tapa parte do rosto, símbolo de deslumbramento de quem está a ser captado pela câmara de filmar, segurada pelo senhor ao centro da imagem. Aqui é possível observar a evolução até mesmo dos sentimentos retratados nas duas diferentes pinturas: o que antigamente remetia à saudade e tristeza, agora é reflectido na fascinação e felicidade daqueles que vão rever ou conhecer os seus familiares que permanecem nas terras açorianas.
D’Os emigrantes a’Os regressantes os símbolos são outros, as vivências não são as mesmas e as próprias cores e técnicas dos artistas são diferentes. É evidente cada alteração, mas, no fundo, o objectivo de quem vai à procura de uma vida melhor é, muitas vezes, o regressar às suas origens.
Filipe Lemos assina o “Música entre Artes #11” a convite de Luzia Rocha.
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