Texto preparado por Mariana Calado e Filipe Gaspar
Fotografias de Bruno Simões / TNSC

 


 

 

A produção da ópera Nabucco em estreia no Teatro Nacional de São Carlos no próximo dia 9 de Junho relata as disputas de poder e as perseguições políticas e religiosas entre Nabucco, rei da Babilónia, a sua filha Abigaille e os israelitas, dirigidos pelo Sumo-sacerdote Zaccaria.

A ópera estreou-se em 1842 no Teatro alla Scala de Milão, e foi o primeiro grande sucesso de Verdi (1813-1901). O libreto de Temistocle Solera baseia-se numa peça de 1836, Nabucodonosor, de Anicet-Bourgeois e François Cornue, e num bailado de Antonio Cortesi, também inspirado naquela personagem histórica, que havia sido apresentado no mesmo ano no teatro alla Scala. A dimensão política do enredo, de domínio de um reino sobre outro, terá sido um dos factores do sucesso desta ópera em Itália ao longo do século XIX, em particular no contexto do “Risorgimento” e das lutas pela reunificação do país.

O enredo situa-se em Jerusalém e na Babilónia no ano de 587 a.C.. Ante a iminente invasão do reino da Babilónia, os israelitas, exortados por Zaccaria a terem esperança, pedem protecção a Deus. A princesa Fenena, filha de Nabucco, que capturaram e mantêm como refém, poderá garantir-lhes alguma paz. O exército de Nabucco toma a cidade e o Templo de Salomão, onde os israelitas se encontram. Zaccaria ameaça matar Fenena porém, Ismaele, sobrinho do rei de Jerusalém, estando apaixonado por Fenena, lança-se em sua protecção e desarma Zaccaria. Os israelitas são, assim, aprisionados pelo exército de Nabucco, que de imediato ordena a destruição do templo.
No palácio de Nabucco na Babilónia, Abigaille confronta-se com a descoberta de que é, na verdade, filha de escravos. É informada que Fenena, nomeada regente enquanto Nabucco estiver na guerra, libertou Ismaele e os israelitas feitos prisioneiros. Teme perder o direito ao trono em nome de Fenena, sente maior o ciúme por o seu amor por Ismael não ser correspondido, e decide apoderar-se da coroa.
Nabucco regressa ao palácio no momento do confronto entre Abigaille e Fenena. Declara-se rei e Deus sobre todos, condenando à morte os israelitas. Fenena revela-lhe, então, que se converteu ao judaísmo, pelo que a decisão do pai dita que também morrerá. Irado, Nabucco repete ser mais poderoso do que o Deus a que ela se converteu. De súbito, um raio atinge-o, deixando-o inconsciente e, na confusão, Abigaille consegue apanhar a coroa e autoproclamar-se rainha da Babilónia.

Decidida a afastar definitivamente a irmã, Abigaille condena Fenena e os israelitas à morte, conseguindo convencer Nabucco a assinar a sentença. Quando este se apercebe que condenou a própria filha, suplica a sua libertação, mas sem efeito. Nas margens do rio Eufrates, os prisioneiros entoam um coro de recordação das paisagens da sua terra natal, naquele que é um dos momentos mais conhecidos e aplaudidos desta obra.

Desesperado, Nabucco reza a Deus, pedindo-lhe perdão e prometendo-lhe devoção. As suas preces são atendidas e, conseguindo escapar dos aposentos onde foi trancado, impede o sacrifício de Fenena, que já se encaminhava para o carrasco. Ordena a libertação dos israelitas, autorizando-os a regressar a casa e prometendo construir um novo templo. Entretanto, Abigaille, vendo-se perdida e arrependida, envenena-se e morre junto de Nabucco.

 

 

Nabucco será apresentado em produção dirigida pelo encenador André Helles-Lopes, com cenografia de Renato Theobaldo, figurinos de Marcelo Marques e desenho de luzes de Fabio Retti; direcção musical de Antonio Pirolli à frente da Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, dirigido por Giovanni Andreoli. Corresponde a uma leitura convencional do drama lírico de Verdi e Solera, que agradará ao público mais tradicional.

A soprano Elisabete Matos regressa ao papel de Abigaille, que estreou em 2006 na Ópera de Toulon e que retomaria entre 2011 e 2013, em produções da Metropolitan Opera de Nova Iorque, Ópera de La Coruña e na Staatsoper de Viena. Abigaille é uma das personagens mais desafiantes do repertório verdiano, criada aliás para a segunda mulher de Verdi, a famosa cantora Giuseppina Strepponi (1815-1897). A ambição e sede de vingança da princesa assíria são traduzidas por uma linha vocal extremamente ampla, requerendo da intérprete igual domínio nos registos grave e sobre-agudo, nomeadamente em passagens de grande virtuosismo. Esperamos que Matos esteja à altura.

Em estreia absoluta no papel principal, assistiremos à interpretação de Àngel Òdena, cujo curriculum inclui já outros barítonos verdianos, como Amonasro, Macbeth, Conde de Luna, Simão, Iago e Rigoletto. O seu repertório inclui também o trio Da Ponte-Mozart, a Carmen de Bizet, Don Pasquale, Lucia di Lammermoor e Roberto Devereux de Donizetti, o Fígaro d’O Barbeiro de Sevilha de Rossini, óperas de Puccini como La Bohème, Madama Butterfly, Manon Lescaut e Le Villi, mas também as wagnerianas Tannhäuser, Lohengrin e Tristan und Isolde. Interpretou ainda Pedro Stakof, na Katiuska de Sorozábal, Joaquín, em La del Manojo de Rosas de Sarozábal, Felipe em La revoltosa de Chapí, Vidal em Luisa Fernanda de Moreno Torroba, entre outras óperas e zarzuelas.

De entre o restante elenco esperam-se boas surpresas, nomeadamente de Simon Lim, como Zaccaria, Maria Luísa de Freitas, como Fenena, Carlos Cardoso, como Isamaele e o jovem e promissor André Henriques, enquanto Grande Sacerdote.

 

Sobre o autor

Avatar photo

Mariana Calado encontra-se a realizar o Doutoramento em Ciências Musicais Históricas focando o projecto de investigação no estudo de aspectos dos discursos e das sociabilidades que caracterizam a crítica musical da imprensa periódica de Lisboa entre os finais da I República e o estabelecimento do Estado Novo (1919-1945). Terminou o Mestrado em Musicologia na FCSH/NOVA em 2011 com a apresentação da dissertação "Francine Benoît e a cultura musical em Portugal: estudo das críticas e crónicas publicadas entre 1920's e 1950". É membro do SociMus – Grupo de Estudos Avançados em Sociologia da Música, NEGEM – Núcleo de Estudos em Género e Música e do NEMI – Núcleo de Estudos em Música na Imprensa, do CESEM. É bolseira de Doutoramento da FCT.