NOS 101 ANOS DE MADALENA DE SÁ E COSTA
Hoje, 20 de Novembro de 2016, a eminente violoncelista portuense Madalena Moreira de Sá e Costa celebra 101 anos de vida. Filha do compositor Luiz Costa e da pianista Leonilda Moreira de Sá (discípulos ambos de mestre Vianna da Motta), neta do grande violinista Bernardo Moreira de Sá, é herdeira de uma tradição inestimável que se confunde com a história musical do Porto dos últimos 150 anos. Nesta tradição, no último século duas figuras assumem ainda particular relevo: Guilhermina Suggia (1885-1950), figura tutelar da grande tradição de violoncelistas portugueses, de quem foi discípula, e Helena de Sá e Costa (1913-2006), a extraordinária pianista com quem a irmã Madalena estabeleceu uma colaboração artística de cinquenta anos.
É para o Largo da Paz, no Porto, para a histórica casa de portas verdes da Família Sá e Costa, frequentada por tantos dos maiores artistas do século XX que enumerá-los seria impossível, que, hoje, 20 de Novembro, os nossos pensamentos se dirigem e recordamos a colectânea in honorem Madalena de Sá e Costa com que a Glosas se associou às celebrações do seu centenário, através da publicação de uma entrevista (conduzida por Nuno M. Cardoso e por mim próprio, a 20 de Agosto de 2015, em Fralães, na Quinta da Porta, casa natal de Luiz Costa) e de um conjunto de testemunhos de diversas personalidades de especial significado na longa e rica actividade artística de Madalena de Sá e Costa, que reflectem quanto o seu percurso biográfico e musical representa para a História da Música em Portugal no século XX, nos domínios da interpretação, da pedagogia musical e da própria composição para violoncelo.
Esta colectânea, publicada na Glosas 13 (Novembro de 2015), conta ainda com um texto escrito pela própria homenageada, bem como alguns testemunhos iconográficos da maior importância seleccionados por Madalena de Sá e Costa, em particular um autógrafo inédito de Guilhermina Suggia. Recordemos aqui alguns excertos dessa entrevista.
“Quando nasci, creio que se ouvia música por toda a casa.”
Sim! Sim, é verdade, é… ouvia-se mesmo: na época ouvia-se mesmo por toda a casa. Eu nasci em 1915 e, entretanto, deu-se a mudança da nossa casa antiga, que era ao pé da Capela das Almas, para o Largo da Paz, onde ficámos cinquenta e tantos anos… porque eram tantos os alunos de Luiz Costa que se criou uma abertura para a Música […] e, quando eu nasci, realmente havia muitas salas e mais espaços e mais personalidades; foi por isso que eu referi que se ouvia música por toda a casa. Era uma alegria muito grande…!
Senhora Professora, permita-nos que façamos uma pergunta talvez mais invulgar, mas sobre um assunto de que nos interessava muito pedir-lhe que nos falasse, se assim o desejar, que é da importância de sua Mãe, Leonilda Moreira de Sá, na formação da sua personalidade musical.
É uma figura muito especial, e eu gostei muito até de que me tivesse feito essa pergunta, porque era uma mulher fora do comum para a época. Era uma mulher inteligentíssima, cultíssima… Leonilda: Leonilda! Tinha uma cultura muito vasta, porque era filha de Moreira de Sá, porque viveu muitos anos com Moreira de Sá e tinha muito a maneira de pensar do Pai; e essa mulher foi uma mãe e uma mulher extraordinária para a sua época. Para poder caracterizá-la bem, eu tenho de dizer que ela, mentalmente, acompanhava os tempos que passaram […] e, portanto, ela foi descobrindo que, afinal, passou muito tempo sobre muita coisa. Isso é um dado que denota a cultura que ela absorvera.
Senhora Professora, podemos aproveitar estarmos a falar de sua Mãe, Leonilda Moreira de Sá, para evocarmos uma figura que teve decerto muita importância nestes anos da sua juventude e que foi mestre de ambos – quer de Leonilda, quer de Luiz Costa –, o grande pianista Vianna da Motta?
Exactamente! Sim, acho que minha Mãe, até passando por diferentes personagens, atingiu – atingiu – Vianna da Motta. É interessante essa pergunta, porque Vianna da Motta veio muitas vezes de Lisboa ao Porto; mas era uma viagem grande, era uma viagem que se fazia não com muita facilidade, e que se olhava, portanto, como uma grande viagem: não de três horas, mas de muito tempo. E meu Avô convidou Vianna da Motta, logo que ele veio da Alemanha, a vir ao Porto, porque estava muito interessado em conhecer a opinião dele, quando estava a fundar o Orpheon, sociedade de concertos, pode-se dizer, única, excepcionalmente única – porque consistia em trazer o que se passava lá fora para aqui, o que foi uma novidade que nos espantou a todos […].
Podemos, assim, quase afirmar que há um Porto musical anterior a Moreira de Sá e um Porto musical posterior a Moreira de Sá, totalmente diferentes? Foi uma figura de extraordinária importância no meio musical portuense, com a fundação do Orpheon Portuense, em 1881, e do Conservatório de Música do Porto, em 1917.
É isso, exactamente! Ele sabia que o País estava morno – igual, muito igual… –, e que se passava tanta coisa, ao tempo, na Música, que era preciso dar um certo encontrão e abrir uma porta: e essa porta foi aberta pelo Orpheon […]. Meu Avô Moreira de Sá era uma pessoa muito boa, com um fundamento muito bom, muito bom, muito bom: a Bondade acima de tudo –, lembrou-se de lhes propor, e a pessoas que até nem se interessavam muito pela Música, para abranger esse mundo inteiro, mandar vir artistas estrangeiros a Portugal, para que nos viessem contar como se faz: e foi assim, tal e qual. Veio, primeiro que tudo, um Senhor que era uma espécie de Presidente da República de um país estrangeiro… Paderewski! Era um pianista feito, e era muito para a Música. E foi ele, exactamente, que fundou uma sociedade… veio ao Porto, temos a fotografia em grande – não a temos aqui, mas existe em tamanho grande a fotografia de Paderewski. E foi assim que começou o Orpheon Portuense.
E pelo Orpheon Portuense viriam a passar as maiores figuras do mundo da Música de então…
É verdade! Wilhelm Backhaus, Edwin Fischer, Wilhelm Kempff… montes, montes de nomes. Maurice Ravel, já no tempo de meu Pai…
E a Senhora Professora recorda ainda a primeira audição em Portugal da Sonata para violino de Ravel, não é verdade?
É verdade que me lembro, e do burburinho que isso causou, do burburinho entre o público…! [risos] Porque é muito arrevesado para o ouvido, é muito estranho… e eu lembro-me de como era estranho, estranho o som, os acordes… eu era miúda, tinha nove anos, dava por ela; e, então, começou a ouvir-se aquilo, o público começou a estranhar, começou a mexer-se mais, começou-se a murmurar coisas ao ouvido do próximo, foi muito interessante.
E todas estas figuras ímpares da Música mundial passavam pelo Largo da Paz, uma casa sempre cheia deste público impressionante…
Isso é verdade…! […]
E não só figuras do meio musical passavam por lá, mas grandes figuras das Artes Plásticas e da Literatura: Teixeira Lopes, Correia d’Oliveira… Mesmo um pouco antes, no diário de Leonilda Moreira de Sá, estão registados os encontros com figuras cimeiras da época, como António Arroyo: não é verdade, Senhora Professora?
António Arroyo é uma figura fundamental… António Arroyo: muito bem dito, muito bem dito! António Arroyo vivia em Lisboa e era um homem de uma inteligência, de uma cultura, muito sabedor do que se passava lá fora… António Arroyo vinha muitas vezes ao Porto para falar com meu Avô – e, então, desabrochavam: começavam a falar disto, daquilo, daqueloutro… e desabrochavam! E foi assim, e foi assim, foi assim…
Senhora Professora, se nos permite uma questão pessoal, como era para si e para sua irmã, Helena, conhecer estas figuras? Por exemplo, como era, para uma menina de nove anos, a sensação de conhecer Maurice Ravel?
É verdade; é isso… nós dizíamos assim: “Mas então, então há muita gente que a gente não conhece; e a gente conhece tanta gente… como é isto? É assim, é assim…”, dizíamos umas para as outras; “É assim…” Então, começámos a ver que era um mundo – era um mundo de coisas ali, era um mundo de coisas aqui, era um mundo de admirar! E as duas – eu falava muito com a minha irmã, e a minha irmã comigo… faz-me muita falta… porque discutíamos muito, falávamos muito, já por influência, talvez, da nossa Mãe –, então, sabíamos muita coisa: “Mas, então, como é isso?”, perguntávamos uma à outra, e vivíamos realmente assim como um sonho, um sonho, uma coisa imensa. […]
A Senhora Professora diz por vezes que era uma época em que as pessoas tinham mais tempo…
Tinham mais tempo: é verdade isso, é verdade. Temos de reconhecer que era verdade.
Por exemplo, para visitar o atelier de Mestre Teixeira Lopes: estou a lembrar-me da mão de Backhaus de Teixeira Lopes…
Isso é verdade. Havia um sossego que pairava entre as pessoas: e havia tempo para tudo.
E a Senhora Professora considera esse tempo, essa disponibilidade, necessárias – ou, diria mesmo, indispensáveis – à prática e à reflexão musical e artística?
Indispensável: indispensável. […]
Portanto, desde muito cedo que tinha consciência de que o seu instrumento seria o violoncelo: é verdade?
É verdade… neste momento, em que penso que toquei um [violino] Guadagnini como se fosse um violoncelo… era uma sonoridade extraordinária! Eu, que tinha nove anos, ou dez, sonhei com aquele som. Eu brincava, por assim dizer – pegava nele, tirava-o da caixa com muito cuidado, porque minha Mãe recomendava muito cuidado com aquele instrumento –, e começava a tirar uns sons espantosos…! É verdade isso, é verdade… e isso formou muito a minha concepção do som. Obrigada por essa pergunta.
Muito obrigado por nos recordar esse episódio! E, assim, envereda a Senhora Professora pelo estudo do violoncelo. Gostaríamos de pedir também que nos falasse um pouco sobre os mestres que teve em violoncelo e a influência que tiveram na sua formação.
Tive vários. Todos eles tiveram muita importância na minha formação, porque eu adorei ouvir todos. Creio também ter ouvido todos os que se podia ouvir, que tocavam em público: Pierre Fournier, Casals, Suggia, Paul Grümmer, Maurice Maréchal, enfim, todos os da época de 1900. Todos foram importantes, muito importantes uns como outros; porque, como digo num sítio qualquer – não me recordo onde –, Suggia faz lembrar um violoncelista dos maiores, como Casals, porque ela foi fenomenal, ela foi fantástica na sua Arte!
A Senhora Professora, no seu livro de memórias e recordações, reconhece-se muito devedora dos ensinamentos de Suggia…
É verdade. Vinha possuída de um fenómeno raro, e que nos deslumbrou, que nos deslumbrou até muito tarde – porque ela tocava com meu Pai as duas sonatas de Brahms de uma maneira… foi pena não haver gravações, para que nós pudéssemos ver como tínhamos uma artista que tocava assim as sonatas de Brahms…!
E recorda-se de como se organizavam as aulas de Guilhermina Suggia?
Lembro-me perfeitamente: como se fosse hoje. Ela pegava no violoncelo e transformava o violoncelo, como se fosse uma orquestra! […]
Nós gostaríamos de pedir que partilhasse connosco uma reflexão sobre como os mestres que teve em violoncelo, desde Suggia a Paul Grümmer, a Cassadó, a influenciaram, depois, como mestra de tantos discípulos que veio a ter no Conservatório do Porto. Como foi transpor a sua posição de discípula de grandes violoncelistas para o ensino que ministrou durante tantos anos?
Eu devo dizer, com a verdade da verdade, que tive muitos alunos com um talentão extraordinário. O Paulo Gaio Lima é extraordinário! São artistas que estão ao nosso lado – ao nosso lado –, que tocam todos os dias connosco, que a gente ouve muitas vezes. Portanto, era uma realização de uma classe que eu considerava extraordinária, e havia vários alunos com muitas qualidades.
A Senhora Professora – podemos lembrar aqui – ensinou no Conservatório de Música do Porto a partir de 1944. […] Podemos lembrar também que, durante esta actividade no Conservatório, se encarregou dos cuidados que era necessário prestar ao grande violoncelo Montagnana que Guilhermina Suggia legara ao Conservatório. A Senhora Professora continuou, durante muitos anos, a defender que esse instrumento deveria ser tratado com grande dedicação e que lhe deveria ser dado um papel de elevada dignidade na vida musical portuguesa: não é assim?
Exactamente: empenhei-me muito; empenhei-me muito e escrevi até uma carta, assinada por cinquenta – cinquenta! – violoncelistas ao Presidente da Câmara Municipal do Porto. […]
Falando ainda de Guilhermina Suggia, sua professora de violoncelo – e pensando naqueles que, hoje, apenas podem ouvi-la através de gravações e, enfim, para quem é um nome na História musical portuguesa –, a Senhora Professora lembra-nos, por vezes, uma questão muito importante: que Suggia saiu já de Portugal, antes dos seus estudos com Klengel, como uma grande intérprete, e não foi o Estrangeiro que formou a grande violoncelista. É assim que devemos ver a primeira actividade de Guilhermina Suggia, ligada ao Orpheon Portuense?
A primeira coisa é dizer que ela foi um fenómeno. Podemos dizer, sem vergonha nenhuma, que ela foi um fenómeno no nosso País. Tocava de uma tal maneira, arrebatada, com tal perfeição e com uma sonoridade extraordinária, que podemos dizer que ela foi um fenómeno. Esta palavra basta para definir o que foi Suggia.
[…] Muito obrigado, Senhora Professora! E muito obrigado também por ter redigido o precioso livro de memórias que tanto nos ajudou na preparação desta entrevista, um livro que acompanha pelo menos 150 anos de História musical em Portugal, se tivermos em conta tudo o que representa. Como foi a escrita deste livro?
Muito obrigada eu, por ter reconhecido que foi bom tê-lo publicado […]. Minha irmã andava sempre a perguntar-me: “Porque não escreves um livro? Ouviste tanta coisa; porque não escreves um livro?” E eu dizia que ela não devia estar boa da cabeça! [risos] Como é que eu ia escrever, se nunca tinha escrito um livro? “A minha irmã não está boa da cabeça…!” Mas comecei a pensar que, de facto, podia escrever um livro. Quando a gente ouve muita coisa ou sabe muita coisa, há, por assim dizer, uma necessidade de escrever, de passar ao papel aquilo que se vai aprendendo. E eu tinha assistido a tantas coisas fenomenais que, na verdade, podia escrever! Então, começando pelo princípio, o processo de escrita demorou três anos: lembro-me de, pela manhã, sair, regressar a casa e ter um momento para escrever. Subia as escadas e ia sentar-me à secretária para escrever o livro, todos os dias à mesma hora, como um hábito. Naquele tempo eu ainda via. Depois, passava-se a computador e eu fazia as minhas correcções. E foi assim, foi assim…
Muito obrigado, Senhora Professora, por todas estas memórias e por nos ter recebido aqui, na sua magnífica Quinta da Porta.
Muito obrigada por esta conversa, que me deu um grande prazer. Nós, músicos, falamos uma linguagem especial, temos uma forma própria de conversar sobre as coisas…!
A Professora Madalena, além de artista excepcional, tinha também raras qualidades humanas para com seus alunos, que sempre acompanhou com muito carinho e dedicação.
Isabel Delerue
[…] E tantos anos depois, quando me encontro em frente à casa das portas verdes, no Largo da Paz, deparo com um passado tão presente que não posso deixar de dizer… Obrigado, Professora.
Paulo Gaio Lima
[…] A forma como nos dava a entender o fraseio e o conteúdo de cada obra que trabalhávamos, fossem pequenas peças de nível básico ou grandes obras de nível superior, ficou para sempre na minha memória. Tudo era importante: cada nota, cada sinal, cada indicação na partitura! E como fazia Suggia, e como fazia Casals…
[…] Outra faceta tão importante que D. Madalena sempre desenvolveu e acarinhou foi a divulgação da Música Portuguesa. Desde cedo os alunos começavam a ter contacto com obras de Luiz Costa, Cláudio Carneyro, Victor Macedo Pinto, Filipe Pires, Fernando Lopes-Graça, Berta Alves de Sousa, Fernando Corrêa de Oliveira, Joly Braga Santos e tantos outros, sendo que muitas delas lhe eram dedicadas.
Naturalmente que, quando interpreto no violoncelo, a solo ou integrada num grupo, ou quando dou uma aula, sinto que toda essa (in)formação está presente e que tenho a obrigação de a divulgar. Tão importante que tem sido na minha vida! Obrigada, D. Madalena!
Gisela Neves
No momento de começar a escrever estas linhas, que vão com certeza juntar-se às muitas e merecidas manifestações de admiração e amizade por ocasião da celebração do centésimo aniversário do nascimento da Senhora D. Madalena Moreira de Sá e Costa, revejo-me num feliz momento da minha infância: sentada junto de meus Pais preparo-me para, pela primeira vez, ouvir ao vivo as duas irmãs Moreira de Sá e Costa num concerto promovido pela Prò-Arte […].
Quis o Destino que, muitos anos depois destes factos e após muitas voltas e coincidências, cumprindo a anterior imaginária promessa, eu tivesse tido o privilégio de ter a Senhora D. Helena como professora, conselheira e, posso dizê-lo, como amiga, frequentando com assiduidade a casa a que me habituei a chamar relicário – a casa do Largo da Paz –, graças à riqueza e profusão de testemunhos ligados a uma intensíssima vivência cultural de várias gerações. Quantas histórias e recordações nas prateleiras e nas paredes! Foi o piano que até lá me levou, é certo, mas à hora do chá (que saudades!) podia usufruir do convívio com a Senhora D. Madalena. Tal como nessa altura, é admirável ver como hoje ainda se mantém atenta e cheia de projectos, digna herdeira de Pais e Avós cujos ideais artísticos e humanos, tal como sua irmã Helena o fazia, generosamente se empenha em transmitir e partilhar, no que de mais autêntico e nobre tem o acto pedagógico.
Tive recentemente a ocasião de ouvir ao vivo a Senhora D. Madalena num concerto integrado no Festival da XVIII Semana Internacional do Piano de Óbidos, em que se apresentou integrando o Ensemble de Violoncelos, dando a todos os que assistiram mais uma grande, enorme lição de Vida e de Música! A celebração deste centenário reveste-se duma imensa importância para todos aqueles que, tal como eu, gozaram do privilégio que querem agora agradecer: terem-se cruzado na vida com figuras tão extraordinárias. Parabéns, Senhora D. Madalena!
Luiza Gama Santos
Esta ideia genial só poderia ter surgido da imaginação fértil e incansável de Madalena Sá e Costa: juntar alguns dos melhores violoncelistas do Porto num concerto com obras de compositores que tiveram uma ligação a Guilhermina Suggia e construir uma espécie de ponte entre várias gerações violoncelísticas, desde Suggia, passando pela própria Madalena, até aos alunos, seus “netos” e “bisnetos”, para que todos estivessem representados em palco. A Senhora D. Madalena fazia questão de tocar, ela própria, apesar da sua idade já muito avançada.
Lancei-me no projecto. E comecei logo a estudar muito, porque ela me confiara a partitura de uma peça de Julius Klengel, professor da própria Suggia, diabolicamente difícil, para violoncelo solo. O programa terminaria, em grande, com o Hino, escrito também por Klengel, para doze violoncelos. […]
Foi um momento de verdadeira emoção, para todos, vê-la e ouvi-la tocar, aos 97 anos, com segurança e sentimento impressionantes, o Religioso de Goltermann. Transmitiu, naqueles cinco minutos de música sublime, o significado de uma vida dedicada à Música e ao violoncelo.
Jed Barahal
Há seres humanos que parecem magnificar a dádiva da vida. É esse o claro caso de Madalena Sá e Costa, que para nosso júbilo cumpre a lindíssima idade de cem anos. […]
A vida de Madalena Sá e Costa continua a ser-nos fundamental, dado que ela é a prova viva da importância da passagem de testemunho em Música, isto é, da importância da tradição. Tendo contactado com os maiores, tendo-se apresentado nos maiores palcos do nosso país, ela é herdeira e transmissora de uma forma de estar musical que se vai perdendo. Quisesse o país apoiar a recolha das suas memórias!
O sorriso mais bonito de Portugal faz cem anos! Não parecerá este o mais óbvio elogio feito a um músico, mas, sempre que penso em Madalena Sá e Costa, vem-me invariavelmente à memória esse sorriso e não sou capaz de o esconder.
Jorge Rodrigues
Conservo, até hoje, a maior admiração por esta figura musical que se tornou histórica. Considero-a também um exemplo de empenhamento para as novas gerações de músicos, de doação de si própria na preocupação constante de ajudar e de promover contactos entre artistas, além da sua simpatia serena e cativante. Bem haja!
Elvira Archer
Madalena de Sá e Costa, artista refinada e professora possuidora de uma afabilidade, bondade e generosidade nata que me despertaram um especial carinho que perdura […]. Nos meus encontros regulares com sua irmã, por vezes na acolhedora casa do Largo da Paz, no Porto, tive oportunidade de a conhecer melhor e tomar consciência da sua dimensão como docente e intérprete.
Piñeiro Nagy
Celebrar um centenário é – ainda hoje – um feito raro. Celebrar o centenário de alguém tão activo e dinâmico como Madalena Sá e Costa é motivo de acrescido júbilo. Estamos perante alguém que possui um conjunto raríssimo de qualidades humanas, morais e de valores associados a um deslumbramento inicial e paixão pela Música, o qual não só nunca perdeu, como norteou, serviu e inculcou em todas as acções e em todos aqueles com quem se encontrou e privou. Por si só, o que se acabou de referir justificava largamente esta Homenagem.
No entanto, a estes teremos de acrescentar ainda uma alegria contagiante e a vontade modelar com que vive cada novo dia. Madalena Sá e Costa tem vindo a servir a Música com todas as suas forças e de todas as formas ao seu dispor. Pela sua presença contínua é uma referência incontornável e afectiva de todos nós, nesse seu papel inconfundível de transmissora de um legado único, plasmado na feliz expressão de Alfred Cortot de passer le flambeau, tal como anteriormente o haviam feito seu avô, pai e irmã, dessa vivência intensa e entendimento da Música como a mais bela das Artes e “lugar” único de reunião dos bem-aventurados!
Bruno Caseirão
Texto integral em Glosas 13 (Novembro, 2015): http://mpmp.pt/produto/glosas-13-gilberto-mendes/