Tomei conhecimento pela primeira vez do compositor Áureo Castro em 2014, no seguimento de uma série de concertos realizados em Lisboa e nos Açores pelo Coro Perosi e membros da Academia de Música S. Pio X de Macau. Nessa ocasião escrevi um breve artigo para o boletim cultural da Horta Fazendo, onde tracei de forma muito superficial uma nota biográfica sobre o compositor. Apesar de ter vivido praticamente toda a vida em Macau, Áureo Castro foi um dos mais destacados compositores açorianos do século XX, reconhecido não só como compositor, como também como pedagogo, sendo um dos pilares do ensino da Música no antigo território português.
De acordo com o registo do seu nascimento, datado de 18 de Fevereiro de 1917, da Repartição do Registo Civil da Madalena do Pico, Áureo da Costa Nunes e Castro nasceu às 11 horas do dia 18 de Janeiro de 1917, na Rua do Alto, freguesia da Candelária. Era filho de Carlos Inácio de Castro, agricultor de profissão, e de sua mulher, Francisca Emília Nunes. Morreu em Macau, na freguesia da Sé, a 21 de Janeiro de 1993. Era sobrinho de D. José da Costa Nunes (Cardeal, Bispo de Macau, Arcebispo de Goa e Damão e Primaz do Oriente, Patriarca das Índias Orientais), que possivelmente lhe terá aberto a porta para o Oriente, uma vez que era Bispo de Macau na altura em que Castro chegou a essa cidade, juntamente com outros jovens que, mais tarde, viriam a destacar-se na vida cultural da cidade, como é o caso de monsenhor Manuel Teixeira e do professor José Silveira Machado.
A chegada do jovem Áureo Castro a Macau ocorreu a 15 de Setembro de 1931, com apenas 14 anos de idade, entrando nesse ano para o Seminário Diocesano de São José, num período em que este Seminário recrutava estudantes em dois pontos de Portugal – Freixo de Espada à Cinta e Açores – cujo destino seria a missionação na China. Aí estudou teoria musical, solfejo e harmonia com os padres Wilhelm Schmid e António André Ngan. Todavia, após ter sido ordenado sacerdote, em 8 de Setembro de 1943, acabou servindo como capelão e vigário na Sé de Macau, uma vez que a revolução comunista chinesa impediu a sua mudança para a China. Foi também, mais tarde, pároco na paroquial de São Lourenço (para a qual escreveu música destinada às celebrações), sendo também professor no Seminário Diocesano (onde leccionou as disciplinas de Canto Gregoriano, Harmónio, Cantoria, Polifónico e Solfejo), ensinando ainda Canto Coral e Religião e Moral no Liceu de Macau e na Escola Comercial Pedro Nolasco.
Em 1951, foi enviado para Lisboa, ingressando no Conservatório Nacional, onde estudou Canto com Ans Biermann, Piano com Arminda Correia e Composição com Jorge Croner de Vasconcellos. Recebeu o Diploma em Composição, com distinção, em 1958. Foi ainda, durante a sua estadia em Lisboa, assistente de Mário de Sampayo Ribeiro no coro da Universidade de Lisboa. Datam deste período português a Sonata n.º 1, os Três Corais sobre Melodias Gregorianas, a Sonata n.º 2, a Sonatina n.º 1 e n.º 2 e o Te Deum para coro e órgão. Esta última obra foi estreada na Igreja de São João de Deus, em Lisboa, em 1958.
Regressado a Macau, fundou o Grupo Coral Polifónico em 1959, realizando actuações regulares durante as décadas seguintes, tendo este grupo grande impacte na cultura local, nomeadamente no respeitante à música coral sacra. Em 1962, face a um elevado número de solicitações para aulas de música – nomeadamente de piano – fundou a Academia de Música de S. Pio X em colaboração com o padre César Brianza, após a tentativa frustrada de criação na cidade de uma extensão do Conservatório Nacional, tornando-se esta academia uma instituição central no ensino da Música em Macau. Para além das actividades com estas instituições, também organizou inúmeros concertos públicos gratuitos, para os quais convidou vários músicos com carreira internacional. Ainda em 1983, em colaboração com o compositor inglês Stuart Bonner, fundou a Orquestra de Câmara de Macau, com músicos amadores e professores da Academia, mais tarde incorporada no Instituto Cultural de Macau. Em 1990, foi condecorado com a Medalha de Mérito Cultural pelo Governo de Macau, três anos após a Academia de Música S. Pio X ter recebido a mesma condecoração.
A obra musical de Áureo Casto é predominantemente de inspiração sacra. A sua música poderá ser dividida pelas áreas de interesse do compositor ao longo da vida, centradas na música vocal e vocal, de natureza sacra e profana, e na música para piano. Esta reflecte tardiamente as directrizes teológico-musicais que se desenvolveram ao longo da primeira metade do século XX, no seguimento da publicação do Motu Proprio sobre a música sacra pelo Papa Pio X, em 1903, influência também patente na própria Academia de Música, que ostenta como patrono o nome deste papa. A sua música sacra tem uma forte influência da tradição do canto gregoriano e da polifonia vocal do século XVI – centrada no culto da figura de Giovanni Pierluigi Palestrina – como é o caso dos Três Corais sobre Melodias Gregorianas (completados em Lisboa) e do Te Deum (mais tarde, adaptado para coro e orquestra), sendo neste último visível o cultivo de um estilo monumental influenciado pelo compositor e director da Capela Sistina Lorenzo Perosi, compositor que serviu de modelo às gerações seguintes no respeitante à escrita de música sacra. São ainda da sua autoria os grupos de obras intitulados Aurei Carmina, para coro e piano ou órgão.
Na música vocal profana, Castro obteve também uma fusão singular de elementos da música tradicional chinesa com elementos da música ocidental. No respeitante à música para piano, para além das obras do período lisboeta mencionadas anteriormente, escreveu inúmeras obras de pequena dimensão e de dificuldade variável para uso da Academia de Música S. Pio X, na qual se inclui a suite de piano para crianças Danças da Siu Mui Mui, que foi composta entre 1967 e 1968, sendo publicada em Hong Kong em 1971. Na sua obra instrumental incluem-se ainda várias sinfonias, eventualmente escritas para a Orquestra de Câmara de Macau, hoje ainda inéditas.
Áureo Castro foi um compositor profícuo, escrevendo conforme as necessidades que o seu ofício como padre e professor nas diversas instituições por onde passou exigia. Para além de uma corrente musical sacra, cultivou a incorporação de elementos da cultura local e da vizinha China na sua obra. Todavia, apesar da sua forte influência na cultura musical macaense, praticamente toda a obra musical que deixou se encontra ainda sem um catálogo ou edição recente, impossibilitando a sua divulgação e acessibilidade de uma forma eficaz, e encontrando-se possivelmente ainda nos arquivos das instituições onde o autor exerceu actividade.
Referências Bibliográficas
“Academia de música macaense fundada por padre português apresenta concertos em Lisboa e nos Açores” <http://www.snpcultura.org/academia_musica_macaense_fundada_por_padre_portugues_apresenta_concertos_portugal> (consultado 2016-12-20).
Bispo, António. “Mudanças de referenciais culturais de portugueses no Extremo Oriente à época da expansão do colonialismo britânico: II Música sacra em Macau” <http://www.revista.brasil-europa.eu/137/Musica-sacra-Macau> (consultado 2016-12-20).
Guedes, João. Pe. Áureo Nunes e Castro: Missionário, músico e pedagogo. Macau: Instituto Internacional de Macau, 2015.
Henriques, Luís. “Ensinar segundo o modelo do Motu Proprio de Pio X: A Schola Cantorum instalada na Sé Catedral de Angra do Heroísmo”, Revista Nacional de Educação Artística 2 (2012): pp. 53-58.
_____. “Áureo Castro: Uma nota biográfica”, Fazendo 94 (Julho 2014): p. 10.
Lynn, Margaret e Graça Marques. Áureo Castro: Retrato de um Músico. Macau: Instituto Cultural de Macau, 2015.