Permita-me que comece por uma suave provocação. A ópera é tão elitista quanto se diz?
Se é elitista agora, é porque a fizeram elitista. Há umas centenas de anos era muito popular, sobretudo em Itália e no século XIX. Tinha uma enorme infuência na vida social, política e humana. Um peso fortíssimo. Depois começou a deteriorar-se. Mas é exactamente pela falta da produção contemporânea que a ópera perdeu peso. As coisas, para mim, só vivem e sobrevivem quanto mais actuais, mais contemporâneas forem, em termos de produção. No século XIX, um grande acontecimento era a nova ópera do Verdi ou do Rossini. Hoje em dia, um grande acontecimento em Portugal é a recriação da ópera Antigono. Para mim não tem interesse, peço desculpa…
 
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O título Banksters foi escolhido por si. Por algum motivo em particular?
É uma provocação. Ouvi isso uma vez. Beppe Grillo, um comediante italiano, usou essa palavra ao mostrar quatro indivíduos mundialmente famosos. Disse que deviam chamar-se Banksters. Até pensei que o termo era dele, mas não. É uma palavra que não existe, que junta bankers e gangsters, mas que é usada na América. Acho que é um bom termo.
 
Como se transpõe para a música a ironia das palavras?
Isso é o mais difícil…
 
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Se for possível quantificar, quanto tempo demorou a ser desenvolvido todo este trabalho?
Com certeza um ano. Com a maturação do projecto, antes ainda da fase do libreto, cerca de um ano e meio. É um bom prazo. O Verdi fazia duas óperas por ano. E havia outros que faziam mais, se calhar. Isso mete medo, mas… (Risos)
 
A quem se dirige Banksters?
A todas as pessoas… (Pausa) A música vale mais do que mil palavras. Eu sei que é música contemporânea. É muito injusto falar de música contemporânea, porque é muita coisa, cada vez é mais plural, mais diversa. O público em geral pensa em música contemporânea, enfim, como um estigma. E o Teatro Nacional de São Carlos sofre desse estigma. Há três anos foi estreada uma ópera de Emmanuel Nunes. Ele faz música contemporânea, eu também, mas aquilo que faço está a anos-luz do que Emmanuel Nunes faz.
 
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Como me descreveria a noite da estreia? Foi surpreendente?
Em termos de trabalho foi neutra porque estava muito sereno. Aliás, na última semana disse à Orquestra e ao Coro que, para mim, já tinha sido um sucesso. Acho que ficou bem feito, modéstia à parte. O João Botelho fez um trabalho extraordinário, o Maestro também. E portanto, desse ponto de vista, estava muito sereno. A reacção que as pessoas tiveram, isso sim, foi surpreendente. Sem exagero, estavam maravilhadas, sobretudo com o Português. Foi o mais importante.
 
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O convite a João Botelho foi uma tentativa de trazer alguma cinematografia a um espectáculo deste género?
Não… Eu na minha música busco muito a Poesia. Não sei explicar isto melhor. Acho que, imageticamente, o João Botelho também tenta fazer isso, é muito poético. Claro que foi também pelo facto de ser um cineasta. É bom trabalhar com outras pessoas doutros meios, trazem coisas novas. E acho que ele trouxe.
 
E o que é que esta ópera trouxe, daqui para a frente, para o panorama nacional?
O primeiro aspecto, como já foi dito, é ser totalmente portuguesa. Não sei se é bom ou mau, mas acho que “agarra” as pessoas à cadeira, sobretudo na segunda parte do terceiro acto. E há coisas muito fortes. O prólogo acho que é assustador mesmo. Assusta-me. (Risos)
 
Pela linguagem que é usada?
Pela violência. Por tudo. O preto que é usado. A orquestra, o coro, as luzes. O segundo acto é volúpia, é “sexo, drogas e música contemporânea”. Há uma explosão de cor, de sedução, sensualidade, intriga, Broadway. Depois a linguagem geral desta ópera é simples, bastante acessível. Não é uma arte conceptual. Há coisas no enredo que são estranhas, um pouco transcendentes, mas são pormenores. O presidente da Assembleia Geral diz: Ai, parte-se este coração que eu tinha entregue à finança para fugir ao IRS. As pessoas entendem, é uma história normal, que se percebe, e isso é muito importante. Há – ou pelo menos na estreia houve – muitos sorrisos audíveis.
 

 
Que espaço a ópera ocupa na sua carreira?
Um espaço muito importante. Acho que sou bastante privilegiado. Com estas dimensões é a minha primeira ópera, mas é a terceira que faço, depois de O Rapaz de Bronze e A Montanha. É um espaço que me é muito querido. Sinto-me um “peixe na água”. Também gosto muito do Teatro, mas tenho trabalhado sempre, desde 2001, noutras óperas, a fazer diversas coisas: direcção de cena, assistência de encenação, traduções. Gostava de poder continuar, mas isso é sempre muito difícil. Até podia dizer, em jeito de conclusão, que nasci para fazer ópera. Mas não sei se continuarei a fazê-la…
 
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Sempre soube que queria ser compositor?
(Pausa) A partir de uma determinada altura sim… na adolescência. Compositor de quê? Isso é preciso definir. Comecei com guitarra clássica, num grupo… não de rock, enfim, de baladas. Mais do que saber “Vou ser compositor”, houve sempre um desejo de criação. Isso é de sempre, não consigo estar quieto em termos criativos, mentais. É impossível, tenho de estar sempre a fazer qualquer coisa. A certa altura do meu crescimento, a música surgiu fortíssima. Comecei a fazer canções, coisas pequenas, com letra, depois foi o percurso mais ou menos normal – ou mais ou menos anormal, não sei. Começou a ser tudo mais técnico e chegou aqui à música contemporânea. (Pausa) Eu deveria arranjar outro nome… é absolutamente falacioso. Há trinta anos não era, mas neste momento é uma mentira.
 
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A criação do Ensemble Darcos, do qual é também director artístico, é fruto do seu empenho para trazer novos caminhos para a música em Portugal?
É um desejo. O Ensemble toca sobretudo música clássica, dos grandes compositores – Beethoven, Brahms, Shubert, Mozart -, a minha música, e às vezes novas obras que encomendamos a compositores portugueses. Mas é mais um desejo de poder trabalhar essas obras clássicas, de câmara. Porque eu aprendo muito e é importante nesse sentido. Não há um desejo de o grupo ser um “pórtico” da nova música portuguesa, isso não. Embora também o seja: Sérgio Azevedo, Eurico Carrapatoso, Pinho Vargas, Vitorino d’Almeida… lentamente aumentamos o nosso espólio, de uma forma muito humilde. É sobretudo isso: a confrontação dos grandes clássicos com a nova música portuguesa. Este ano vai ser importante porque vamos gravar o primeiro disco. Não sei quando vai sair, mas vamos gravar só com a minha música de câmara.
 
Imagina Banksters a seguir um caminho itinerante?
Isso era o que se devia fazer, mas não se faz. (Pausa) Não tenho palavras. É uma crítica muito negativa. Em Portugal as coisas morrem à nascença. Eu já tenho muita sorte de Banksters poder estar cinco vezes em cena, é uma excepção até. O Rapaz de Bronze, que apresentei no Porto, esteve uma.
 
É quase inglório depois de todo o processo de criação.
É horrível. Nunca mais se falou de O Rapaz de Bronze, e acho que merecia. É português. A música, o libreto (de José Maria Vieira Mendes), o texto (de uma das maiores poetisas de sempre, a Sophia). Fiz eu próprio uma edição não comercial em DVD (a Casa da Música não me apoiou), pedi a umas pessoas, e estou contente com o resultado. Mas agora é impossível eu fazer uma coisa semelhante. Faço uma crítica, por exemplo, à RTP. A Antena 2 vai transmitir em directo Banksters, mas a RTP tinha a obrigação – não é o interesse, é a obrigação – de gravar esta ópera e de tê-la nos seus arquivos. Posso dizer que houve contactos e houve conhecimento, sobretudo da parte da RTP2, de que a ópera ia acontecer. Perante isto, a RTP resolveu apoiar a gravação de Antigono. Acho que Banksters é um milhão de vezes mais importante, por todas as razões possíveis e imaginárias.
 
Em jeito de síntese de tudo o que falámos, que mensagem pode transmitir ao MPMP, Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa, editora da revista glosas?
Que continuem. É muito importante. E que sejam verdadeiramente livres, que não escolham partidos, porque isso acabou. Que tratem todos os estilos e todas as estéticas da mesma maneira. Claro que há compositores que têm um peso histórico, mas hoje temos de viver no presente. Senão isto acaba. As coisas nascem, vivem e depois morrem, não há excepções. A ópera é uma coisa maravilhosa mas, se não seguir para a frente, morre também; outras coisas nascerão, mas ela morrerá. Agora vivemos muito, por exemplo, da ópera romântica. A ópera barroca, e há centenas ou milhares delas, cada vez se ouve menos nos teatros de ópera. Podem tirar daqui as conclusões que quiserem, mas a que eu tiro é exactamente que já tem 300 anos! Não sei se vamos continuar a ouvir o Rigoletto daqui a 200 anos. Se não houver outros “Rigolettos” diferentes, não haverá nenhum.
 
ARTIGO PUBLICADO NA GLOSAS 3 ( Clique aqui para ler o artigo completo na versão impressa ).

Sobre o autor

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Mónica Brito nasceu em Lisboa, onde estudou Comunicação e Marketing. Com um percurso pelo teatro amador até à crítica de cinema, foi fundadora da equipa portuguesa do 'magazine online' 'CafeBabel', com a qual venceu o Prémio Carlos Magno para a Juventude, atribuído pelo Parlamento Europeu. Os cientistas asseguram que nunca irá perder o vício do jornalismo, nem a admiração pelas artes. Colabora com a revista 'glosas' desde o primeiro número.