Gustavo Romanoff Salvini (1825-1894) chegou a Portugal em 1859, para cantar no Teatro de São João no Porto. Porém, um incidente levou-o a perder a voz durante uma récita. Dedicando-se então ao ensino, Salvini seguiu um ideário pedagógico cujo fim era, nas palavras de seu neto, “conseguir que os portugueses cantem na sua língua, língua que, pela sua beleza e suavidade, conseguiu fascinar por tal forma aquela alma de artista que, desde que dela tomou conhecimento, fez consistir todo o seu ideário artístico em provar a sua adaptabilidade ao canto.”

Editou então, em 1865, a obra Romanceiro Musical, uma colecção de 40 canções em português e outras línguas, em versões bilingues (português-espanhol, português-italiano e até uma curiosa canção em cinco línguas). Esta primeira edição era para Salvini “um estudo comparativo ao alcance das minhas forças para demonstrar que a língua portuguesa não é tão pobre de qualidades fónicas como a priori nos o querem persuadir.”¹ Em 1884 voltou a publicar estas músicas, sob um novo título: Cancioneiro Musical Português / 40 melodias na língua portuguesa com piano / letras dos grandes escritores portugueses. Aqui, abandonou a ideia do estudo comparativo, que para ele já não tinha razão de ser, e concentrou-se em mostrar a beleza da língua portuguesa cantada, escrevendo música sobre poemas de Camilo Castelo Branco, Almeida Garrett, Guerra Junqueiro, João de Deus e Alexandre Braga, entre outros. Ao fazê-lo, Salvini tornou-se o primeiro compositor a pôr em música estes grandes escritores, com o intuito de tentar criar o Lied português. O livro contém um prólogo importante, onde o autor pergunta porque não cantarão os portugueses na sua língua e discute a adaptabilidade da língua portuguesa ao canto: “Os dilletanti portuguezes gostam de cantar em italiano, do qual às vezes não entendem palavra, e não só não têm remorsos d’abbandonar a sua língua às cantigas do povo, mas não se aventurariam mesmo a cantar n’ella um romance nos nossos salões e concertos! Ódio, amor, alegria, tristeza, —  paixões pequenas e grandes, — a língua sabe-lhes exprimir tudo isto; mas para o canto?… nem palavra em tal! É pouco lógico.”²

Depois do Cancioneiro, escreveu o que se pode considerar o primeiro tratado científico sobre a voz cantada produzido em Portugal e para uso dos portugueses: As minhas lições de Canto: Notas ao Vaccai para uso dos portugueses. Porém, não conseguiu apoios para o publicar em vida, havendo apenas uma edição póstuma, incompleta, que data de 1931.

Gustavo Romanoff Salvini

Gustavo Romanoff Salvini

Salvini não era apenas professor de Canto e compositor: foi também fotógrafo (um dos retratos mais belos da escritora e germanista Carolina Michaëlis de Vasconcellos é de sua autoria), pintor e interessava-se por Alquimia, existindo pistas que sugerem uma ligação à Fraternidade Rosa-Cruz. Estas pistas encontram-se também na música (oiça-se a Canção Cínica de 1865, dedicada a Alfredo Napoleão, com possíveis séries dodecafónicas), agora gravada, num disco com o apoio da Fundação GDA. O disco conta com as interpretações de Tânia Valente (soprano), Bernardo Marques (piano), e as participações especiais de Alexandra Bernardo (soprano), Pedro Nascimento (tenor) e Ana Filipa Luz (piano).

O disco será lançado oficialmente a 9 de Dezembro de 2017, às 17h00, no Museu da Música Portuguesa — Casa Verdades de Faria (onde também foi gravado) e está já disponível nas plataformas digitais.

Outras apresentações se seguirão, culminando a tournée em Portugal no dia 3 de Março de 2018, no Teatro Carlos Alberto no Porto, cidade adoptiva de Salvini.


¹ G. R. Salvini, Cancioneiro Musical Portuguez: Quarenta melodias na lingua portugueza com acompanhamento de piano. Letra dos principaes poetas portuguezes, Lisboa: David Corazzi, 1866 (Leipzig: Breitkopf & Hartel, 2.ª ed., 1884).

² Idem, ibidem.

Sobre o autor

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Doutorada em Música e Musicologia (ramo de Interpretação) pela Universidade de Évora, é actualmente investigadora do Centro de Estudos de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Iniciou os seus estudos musicais no Instituto Gregoriano de Lisboa. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas: Estudos Ingleses e Alemães (FLUL) e em Canto (ESML). Posteriormente obteve o grau de LGSM (Licenciate by the Guildhall School of Music and Drama) através do Trinity College. Como cantora de ópera, foi “Fanny” em 'O Tanoeiro' de Thomas Cooper (Teatro da Trindade), “2.ª Dama” na 'Flauta Mágica' de Mozart e “Sebastiana”, numa versão portuguesa da sua autoria da ópera 'Bastien und Bastienne' de Mozart. Para além de se apresentar regularmente em recitais, é membro do Coro Gulbenkian.