Poderá o ouvinte deixar-se levar pelas explosivas ameaças do Sr. Milhões de Raul Brandão, pelo brilhante e corrosivo humor da música de Alexandre Delgado?
Será agora mais fácil responder ao desafio graças à edição discográfica d’O Doido e a Morte, ópera escrita há vinte e cinco anos, que se tem revelado uma das partituras musico-dramáticas portuguesas mais bem recebidas pela crítica nacional e internacional e uma das mais representadas nas últimas décadas desde a sua estreia, em 1994, no Teatro Nacional de São Carlos.
Na próxima terça-feira, dia 13 de Novembro, pelas 18h00, na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa, o público terá uma oportunidade imprescindível para redescobrir este marco histórico da ópera portuguesa e para conversar directamente com o seu criador.
A gravação da presente edição discográfica realizou-se há quatro anos, com os cantores Carlos Guilherme, Luís Rodrigues, Susana Teixeira, o actor Miguel Martins e solistas da Orquestra Sinfónica Portuguesa, juntando-se ao alinhamento do disco o registo histórico de Turbilhão, uma peça escrita sobre poema de Mário de Sá-Carneiro e gravada em 1987 com o barítono Álvaro Malta e o Quarteto Portugália.
O disco integra a colecção melographia portugueza, etiqueta do MPMP que inclui títulos monográficos de alguns dos mais importantes compositores portugueses de sempre, desde os canónicos Carlos Seixas, João Domingos Bomtempo ou Fernando Lopes-Graça aos contemporâneos João Pedro Oliveira, Cândido Lima, António Pinho Vargas e Eurico Carrapatoso.
Excertos de crítica
“A noite de 9 de Novembro no São Carlos deve ficar em lugar glorioso na história do nosso teatro nacional de ópera […]. Alexandre Delgado mostrou-se capaz de defrontar vitoriosamente de um texto-jóia do teatro português, como é O Doido e a Morte, de Raul Brandão. […] A música de Delgado é um achado na simbiose da orquestração e do canto ou fala em que não há deslizes do princípio ao fim da partitura.”
(José Blanc de Portugal, Diário de Notícias, 12/11/1994)
“A farsa homónima de Raul Brandão foi posta em música com particular brilho e sentido de humor. Alexandre delgado prova, além disso, que a língua portuguesa não é assim tão imprópria para o consumo operático como é habitual dizer-se. E, com esta sua primeira incursão no género, prometeu ter capacidade para vir a ser o melhor compositor português de ópera depois (e a par) do seu mestre Joly Braga Santos.”
(Carlos de Pontes Leça, Colóquio-Artes n.º 104, Janeiro-Março de 1995)
“Há encomendas e encomendas. […] Em 1994, outra encomenda, gizada por um assessor especialmente avisado, João Paes, produziu uma ópera de câmara que foi acolhida com entusiasmo. Vinte anos depois, a ópera vive no lado da vida. […] Particularmente interessante é a oportunidade de confrontar o texto teatral e a sua transformação operística: a contracção de certas passagens, a expansão de outras, a selecção daquelas às quais se nega tratamento melódico, a exploração da possibilidade musical de apresentar duas personagens falando em simultâneo; a caracterização emocional das personagens e das situações; as alusões a outros universos sonoros, que enriquecem o horizonte intertextual. […] Na adaptação perdem-se naturalmente algumas tiradas de Brandão, mas a estrutura dramática surge reforçada. Isto é consequência não apenas do trabalho sobre o texto, mas também da extrema coerência e intencionalidade dramatúrgica da escrita musical, que é exemplar na prosódia e consegue, com meios escassos, gerar grande variedade na expressão e na cor instrumental.”
(Manuel Pedro Ferreira, Público, 25/05/1994)