Tantas emoções percorrem o meu ser! Ao iniciar este pequeno artigo, motivado por um convite que, com grande e doce gentileza, me foi dirigido, não consigo deixar de partilhar algumas dessas emoções, atendendo à capacidade que têm de nos facilitarem dizer a importância que a revista Glosas assumiu nas nossas existências e no nosso entendimento sobre a nobre arte a que, de forma multiforme e elevada, se tem dedicado.
Tantas emoções percorrem o meu ser: a de felicidade, em primeiro lugar. A felicidade, como sabemos, reveste-se de diversas nuances, mas sublinho apenas uma delas: a de nos inundar de uma forte luz, anulando as trevas que encobriam a prática da música no nosso país. Obviamente, os obstáculos ao seu exercício e divulgação continuam, assim como outros complexos problemas sobre os quais a Glosas se debruça com afinco. São nela tratados temas e problemas que, infelizmente, não se esgotam facilmente, nem que sobre eles se escrevessem mil artigos, a não ser que o contexto cultural nacional se alterasse profundamente.
Em segundo lugar, a sensação de alívio por ter como certo que muitas novidades, relativas ao trabalho de composição e de execução musical, são divulgadas e reflectidas através dos artigos e das entrevistas que esta revista nos vai propondo, fazendo-nos companhia e dando-nos ânimo para nos entregarmos à sua prática com a paixão que ela requer.
A de paz vem em terceiro lugar, embora se manifeste mais raramente. É através deste sentimento que, olhando para trás, se vê um percurso que cumpre um projecto e se observa também que a sua vitalidade se mantém. Digo raramente porque a inquietude nos assalta frequentemente face aos problemas que permanecem nas nossas actividades.
Por fim, outras emoções se misturam ou se alternam na apreciação do trabalho ao longo de anos realizado. E, assim, confidencio-vos que, quando penso em algumas das pessoas que connosco estiveram e em outras que ainda estão, por elas sinto orgulho e admiração a ponto de me fazerem correr lágrimas cara abaixo, ou de me fazerem sentir uma enorme saudade. Seja como for, estes sentires, isolados ou misturados, renovam no meu coração a gratidão e o respeito (apesar de nunca ter sido quebrado e sempre merecido) pelo génio que lhes reconheço, assim como a benigna recordação daqueles que nos são tão queridos é tão importante para os nossos próprios percursos (de vida, de trabalho e de aprendizagens).
O que dizer sobre a importância e a pertinência do surgimento e do trabalho da Glosas, esta revista que tanto estimamos e que tanta emoção nos causa?
Após muito ponderar sobre a resposta a dar a esta questão, lembrei-me de que uma forma de o fazer seria partilhar, aqui, algumas considerações feitas ao tempo da fundação da revista, por mim e por amigos, em diálogos informais uns com os outros, por exemplo no Facebook. Debatiam-se, há dez anos, certas temáticas que vieram, depois, a ter seguimento nas publicações da revista.
Fui, então, procurar, no meu baú de memórias, os registos dessas opiniões outrora emitidas. Será útil, talvez, informar que, nessa altura, os assuntos mais abordados eram: a música “erudita” portuguesa, a música contemporânea, o acto de criar, a nossa identidade artística.
Por um lado, os comentários que então teci e dirigi a esses companheiros, que muito prezo, mostram um pouco daquilo que pensava há cerca de dez anos, quando nos dispúnhamos a francas e desafogadas conversas. Ideias que eram motivadas quando uns ou outros lançavam aqueles assuntos para sobre eles nos debruçarmos e nos pronunciarmos. Por outro lado, as reflexões expressas pelos meus interlocutores, ou as minhas, evidenciam a complexidade e a pertinência dos problemas que, com revolta ou paixão, discutíamos, permitindo-nos obter uma pequena síntese do que pensávamos sobre, pelo menos, duas das questões que, nesse tempo, estavam em causa: a invisibilidade da música portuguesa e as condições, ou falta delas, na sua criação e na sua divulgação. Tive de me restringir a estas temáticas por ser desmesurado, neste âmbito, abordar outras.
Transporto para aqui estes registos, também com o propósito de evidenciar como a Glosas apostou no combate contra nevoeiros (ou mesmo trevas) que pairavam na nossa atmosfera, onde mal respirávamos, dando continuidade e aprofundando o nosso descontentamento de então. Enfim, quero confiar que esta forma de abordagem permite transmitir mais facilmente o quão precioso nos é termos visto nascer e manter-se as iniciativas levadas a cabo pela nossa revista.
Inicio esta reposição de conversa, ou melhor, de uma montagem dela, com o lamento com que reagi a uma declaração de João Fernandes (Público, 28 de Março de 2011) que se referia a Ângelo de Sousa, que tinha acabado de nos deixar. Escreveu: “Deixa uma obra pioneira, não só no contexto português, mas também a nível internacional, que um dia será reconhecida em todo o mundo”.
Disse eu: estou completamente de acordo, ele lega-nos uma forma de viver e ver o que somos no mundo, mas, por vezes, vemos a arte com olhos cegos, de quem é de “dentro” e não acredita no talento dos nossos, e que, por conseguinte, despreza o que aqui se faz. Logo, este preconceito impede de ouvir as nossas linguagens e os nossos próprios sotaques. Se a língua, assim como todas as forma de dizer e espelhar o pensamento, é algo diariamente presente, por que razão a deixamos “invisível?” Com esta atitude impedimos a afirmação da nossa identidade ou, por outras palavras, não deixamos que se dê esse facto prodigioso vaticinado por Fernando Pessoa: “a minha Pátria é a minha língua.
O não reconhecimento de obras e de talentos, assim como a pouca visibilidade da arte portuguesa em geral, e da música em particular, era um problema que tentávamos elucidar talvez na esperançosa expectativa de contribuir para a sua resolução. António Pinho Vargas deu um contributo importantíssimo para este propósito. Em Março de 2011 escreveu:
“Uma das conclusões da minha tese aponta para a importância das instituições culturais portuguesas e dos seus diversos agentes do campo musical — programadores, músicos, compositores, críticos, musicólogos, professores, etc. — na reprodução da subalternidade da própria música portuguesa. Pondo em relação a situação interna da música portuguesa, a sua subalternidade face ao predomínio interno da música canónica histórica, e ao predomínio da música proveniente do subcampo contemporâneo, sobressai e adquire legibilidade a importância do factor constituído pelas práticas e pelos discursos da generalidade dos agentes activos no campo musical em Portugal. Essa legibilidade é alcançada encarando o fundamental da acção das instituições culturais portuguesas como reprodutoras dos cânones musicais europeus, através da prática sistemática de realização de temporadas sucessivas reguladas pela ideologia canónica que considera essencial apresentar o que chamam “temporadas internacionais” e através dos discursos culturais que, alicerçados em narrativas históricas que legitimam essa acção, reproduzem e disseminam internamente os valores dos cânones clássico e contemporâneo. A questão é de proporção e de consequências. Não se trata de regressar a um tipo de esplêndido isolamento típico da ideologia do regime salazarista. É indispensável a manutenção em Portugal de temporadas musicais com uma presença importante da produção europeia. Mas é justamente o facto de os cânones estarem em crise, sob suspeita, sob contestação nos próprios países centrais, que nos fornece a possibilidade de interpretar a ausência. A produção activa da inexistência em Portugal decorre da presença do Outro musical europeu, culto, avançado, desenvolvido — são estas as designações históricas da nossa relação com a Europa desde os séculos XVIII e XIX — que, por sua vez, traduz como outro lado da moeda a subalternidade da música portuguesa, a persistente exclusão das hipóteses de programação, por parte das instituições culturais, das obras que elas próprias encomendam e estreiam, em contraste com a reiterada repetição das obras canónicas históricas ano após ano. Até 2000 foram muito raros os exemplos de repetição de obras, particularmente daquelas que envolvem custos mais elevados, embora na verdade menos elevados do que muitas reposições de obras canónicas”.
Reportando-me a esta realidade, escrevi:
Repetindo o que tenho dito, sempre me pareceu que os programadores dos países que são da dita periferia, ao darem primazia ou total audiência às obras dos países do centro (com a sua respectiva hegemonia cultural), tinham como objectivo entreter-nos e dar cor à vida social. Os responsáveis por este estado de coisas não só propagavam a mentalidade que confere a esses países do centro a qualidade que supostamente nos falta, como, inclusive, serviam-se dessa programação para afirmarem a sua erudição, mostrando conhecer e enaltecendo as tais “cores”. (…) Por outro lado, se nos virmos através dos músicos estrangeiros, poderemos constatar que, nos seus países, a música portuguesa também não tem grande visibilidade. Sei que não se deve partir de um ou outro episódio concreto para tal ilustrar, pois poderão constituir algo nada habitual, ou seja, constituírem apenas algumas excepções. Contudo, o que a propósito vou contar parece-me um exemplo paradigmático da invisibilidade da música portuguesa também para além das nossas fronteiras. Por isso, atrevo-me a contar uma pequena história.
Um professor de Harmonia e Contraponto de uma instituição universitária típica de um país da América do Norte, que ostentava uma erudição fora do comum, na ideia de todos, revelou-me querer ler Os Lusíadas (coisa que, por si só, podia ser tida como ousada), mas o que mais impacto teve em mim foi querer, este Professor, ler esta obra na língua original em que foi escrita, tal como se faz ao abordar qualquer obra antiga (na altura, verifiquei que, apesar de não conhecer a língua, este professor tinha vários dicionários…!). Como este Senhor mostrou interesse pela cultura portuguesa, e por ser da área da Música, perguntei-lhe se conhecia a obra de um compositor que eu muito prezava e cujas obras, achava eu, ostentavam uma sonoridade bastante “internacional” (perdão, mas não me ocorre outro termo de momento). Creio que podem adivinhar a resposta… Aliás, o senhor, não conhecia nem Joly Braga Santos nem nenhum outro compositor luso. Como já estava habituada a este fenómeno, desde tenra idade, desliguei-me do assunto, dizendo-lhe: olhe, tenho aqui a obra de Camões que me pediu. Claro que ele conhecia a Amália.
Sobre a invisibilidade da música portuguesa, parece-me também muito pertinente um comentário de José António Pimenta de França (Março de 2011) a propósito do livro de António Pinho Vargas Música e Poder: para uma sociologia da ausência da música portuguesa no contexto europeu:
“O livro em si é uma poderosa reflexão sobre os mecanismos de poder — em todas as suas escalas — que determinam o que se conhece e ouve aqui e em todo o mundo. Penso que é uma abordagem inovadora, senão mesmo precursora (tanto quando conheço é mesmo precursor). O fenómeno da invisibilidade de muita música que se faz em todo o mundo é transversal, tanto se passa na música de tradição erudita como nas das outras tradições. Ainda há poucos dias as minhas deambulações pela internet me levaram a um sítio bastante interessante sobre a canção popular europeia. Uma coisa bem pensada, feita por um casal de holandeses, dedicado à tradição da canção popular europeia dos últimos 50 anos, onde são enumerados os principais 15 ou 50 nomes da canção de cada país, com biografias, fotos e pequenas discografias. E quem aparece de Portugal? Ninguém. Estão todos os países da Europa, até os de recente criação. Mas Portugal não está. Escrevi-lhes perguntando o porquê da omissão. Responderam-me de imediato, muito simpaticamente, a dizer que Portugal era para eles um buraco negro. Só conheciam a Amália, Madredeus, a Cristina Branco (que é uma vedeta na Holanda, começou lá a carreira e até fez um disco dedicado à poesia do grande poeta holandês Slauerhoff) e a Dulce Pontes. Tinham procurado informação na internet e não encontraram nada. “Por isso adiámos Portugal até conseguirmos informação suficiente. É que não conseguimos nada mesmo”, disseram-me, acrescentando que não queriam abrir uma secção portuguesa com fadistas, porque para eles o fado é folk e o sítio deles é pop e não folk… Estou a trabalhar com estes holandeses para procurar colmatar esta brecha mas, para já, não encontrei uma única obra sobre a canção popular portuguesa. Há muita coisa sobre o fado e também sobre a canção de intervenção. Mas sobre a canção popular comercial não há nada, pelo menos não encontrei nada. Acho realmente incrível… Não cuidamos das nossas coisas. De nada. É assim que se vê Portugal do centro da Europa. Ou seja, não se vê. Eles bem podem olhar e procurar. Não se vê nada, além da selecção de futebol e das praias do Algarve.”
Triste com tudo isto, comentei:
“Há muito que somos “apagados”, e alinhamos (muitas vezes), mesmo sem querer, no nosso auto-apagamento. Para acarinhar e (ou) cuidar do nosso património artístico, também não devia ser necessário ter de convencer alguém a apoiá-lo. É triste, por exemplo, não ter de se explicar a necessidade de possuirmos dois submarinos (avariados ou não) mas ter de explicar a necessidade de falar, escrever, pintar, compor e, pior, ter de explicar o que somos (ou o que fomos).”
Mais uma vez, dou a palavra a António Pinho Vargas, que, às tantas, nos desafiou para o debate sobre outro aspecto do problema:
“Quem são os responsáveis? Nós! Há um problema sério nesse aspecto. As melhores lojas, depois que faliu a Valentim de Carvalho em Lisboa, são a Paleta dos Sons em Espinho e a Casa dos Músicos no Porto. A Maestro, em Lisboa, não tem quase nada ou nada (neste caso não devo contar com Bach nem com Beethoven, que é o que lá há e pouco). O Centro de Informação de Música Portuguesa da Miso Music Portugal tem um site no qual se pode fazer download grátis das peças que têm. A Notação XXI tem um site onde igualmente se pode encomendar partituras. Muito bem. Lojas abertas só aquelas duas, que eu saiba, e algumas outras onde só há Beethoven e Mozart, etc.; mas há editores que todos os anos se candidatam aos subsídios do Estado. A Fermata, durante anos (antes de falir) e a Musicoteca obtiveram subsídios para editar numerosas partituras. A própria Direcção-geral das Artes abriu uma nova colecção que editou há uns três ou quatros anos. Onde estão estas partituras? Em lado nenhum. O Estado dá o subsídio, os editores editam, vendem cinco exemplares para as duas livrarias que existem e o resto fica a monte, em casa, até ao fim do mundo. Mas no ano seguinte os editores de partituras e de discos voltam a candidatar-se aos subsídios com o discurso do apoio aos criadores portugueses, voltam a receber os ditos subsídios e as partituras são feitas e editadas, mas não se encontram, ninguém as descobre na internet. (…) Porquê? Porque nas Escolas de Música, em geral, o que se ensina é a música clássica (do cânone musical) que preenche as temporadas das instituições culturais, e cada aluno sonha vir a ser um grande artista do mundo que toque na Gulbenkian ou na Casa da Música. Mais depressa chega lá um francês ou um alemão que ainda não nasceu, porque esse é o seu terreno. Nós prosseguimos cultivando a imaginação-do-centro. Perceberam a minha tese? A coisa é um boomerang que começa nas escolas, passa pelo subsídio para objectos (partituras e discos) que ninguém dos sucessivos governos consegue resolver ou sequer formular. Nos últimos quinze anos!”
Respondi:
“O estado, pois sim! Não devia ser necessário um “criador”, nem quem o quer apoiar, editores, programadores, instituições, etc., terem de “mendigar” esse apoio que é para algo que a sociedade devia orgulhar-se de possuir e de sentir. E interrogo-me se há interesse cultural para que as obras continuem a “existir” e, por conseguinte, não desapareçam por completo e de vez…”
No esforço de querer identificar algumas soluções práticas para a divulgação da nossa arte, pensei no papel do programador, escrevendo:
“Sobre o que se pode fazer a curto prazo, reitero o que tenho dito: se um programador fizer de facto o que lhe compete, com tudo o que isso implica, tal como se tem falado, pode causar a diferença necessária e até, possivelmente, a curto prazo, a meu ver. E tenho motivos para acreditar nisto: uns residem na própria História de Música, outros em práticas observadas. No caso da História da Música, temos um exemplo muito claro: J. S. Bach e a Reforma Protestante. Bach foi um defensor da Reforma, dos mais importantes e dos mais fiéis a este movimento religioso. Queriam os reformadores que as pessoas entrassem nos templos, não nos da tradição católica, mas sim nos seus. Como sabemos, nesta altura, a religião era de uma importância extrema (os mass media da época) na vida das pessoas e, para atrair os fiéis à nova facção cristã, nada melhor do que criar-lhes uma sensação de ‘contacto directo com Deus’ (personal and direct connection), o que tentavam conseguir através do canto. Assim, em vez do Padre, os praticantes cantavam, surgindo, no interior dos seus rituais, os corais. Imaginem, imaginem o que era para alguém, naquela altura, ir ao seu templo cantar algo com a dimensão e a espiritualidade que caracterizavam os corais de J. S. Bach. Com a particularidade de estes cantos, apesar de soar como soam, serem de simples execução para cada voz individual e, portanto, servindo, na perfeição, os propósitos de retirar “povo” à igreja católica e de transformar assim, e rapidamente, a vivência religiosa de uma sociedade. A meu ver, este tipo de coisa não é assim tão estranha, tendo em conta o fascínio que a melodia tem sobre o humano. E esta mudança não precisou de internet nem da televisão. Deveu-se, em certo grau, à música e ao seu autor que, neste caso, era contemporâneo e conterrâneo.
No que respeita a práticas concretas, lembro-me, por exemplo, de um dos concertos inserido nas comemorações dos cem anos do Porto de Lisboa, de onde resultou um saco cheio de bilhetes escritos por gente, muita gente, que, nesse dia, de manhã cedo, atravessava o rio, num cacilheiro, para ir trabalhar, e foi surpreendida por dois músicos que faziam vibrar os seus instrumentos ali mesmo, no barco. Entre os vários bilhetes — que louvavam a iniciativa e elogiavam os músicos que tocaram para o “povo” especificamente — havia um que dizia o seguinte: “Soube-me tão bem, pensava que ia para o inferno do meu emprego, mas acho que estou no céu.” Lembro-me perfeitamente do que ouvi nesse dia: um duo a tocar duas peças cujo repertório era Webern e Mozart. Webern!!! E porquê este repertório? Os músicos eram finalistas da Escola Superior de Música e, devido ao pouquíssimo tempo que dispunham para ensaiarem outras peças, tal como os outros conjuntos que tocaram outros repertórios noutros cacilheiros, tocaram o que melhor, na altura, sabiam executar. Eu não fazia parte como executante (aliás, não fazia parte deste, nem de nenhum dos outros grupos que faziam as travessias ao longo do dia e em simultâneo), logo posso afirmar, com toda a objectividade, que foi bem executado. Webern, sobretudo, não é música “popular” como queria o senhor que os contratou (um adjunto do então Sr. Administrador do Porto de Lisboa), e que só se apercebeu que o repertório que foi tocado não era o que tinha encomendado quando os concertos já tinham acabado. Mesmo assim, levou consigo um saco cheiinho de bilhetes, escritos por esse “povo”, agradecendo e felicitando a iniciativa e a mestria dos músicos. Portanto, aquele senhor tinha subestimado o dito “Povo” e, parece-me, a capacidade que tem um bom repertório de impressionar qualquer público, quando tocado por bons músicos. Este episódio passou-se há cerca de vinte anos, e, por certo, terá havido muitos mais assim, por aí.”
O que significa para mim e para nós a revista Glosas? Penso estar dito. Mas, em síntese, a resposta pode ser dada através das seguintes afirmações, por mim feitas ainda no âmbito da tal “conversa” que agora termina:
“Sempre senti que fosse um trabalho deveras importante aquele que torna visível o que invisível tem sido, invisibilidade que algumas forças teimam em manter.”
“Fico feliz com todos os passos dados no sentido de desvendar e desmontar os preconceitos e as ideias feitas que ainda predominam, infelizmente.”
Resta aplaudir o imenso e excelente trabalho realizado pela revista, e muito agradecer o empenho e o rigor, de dez anos, a todos os seus colaboradores. E, por fim, desejar à Glosas um futuro de continuidade no seu êxito.
Nota: os meus comentários tiveram de ser revistos e corrigidos porque as minhas considerações tinham um tom coloquial, que não se coadunava com o que é exigido neste tipo de texto. Aproveito para agradecer a quem me deu um precioso e necessário apoio em rever aquilo que escrevera nos ditos ‘’diálogos’’ que trouxe, uma estimada e querida amiga, cuja a paciência parece não ter limites. Muito obrigada, Maria Cândida Ferreira. Não posso deixar de agradecer, também, ao Edward Ayres de Abreu, pela estima e pelo desafio que é tentar de algum modo transmitir — nem que seja um pouco — aquilo que representa para mim a existência desta revista.
Texto escrito no âmbito
do 10.º aniversário do MPMP