A Orquestra Clássica da Madeira (OCM) iniciou uma nova temporada artística no passado dia 30 de Setembro de 2014, com um concerto no Teatro Municipal do Funchal. Sobre esta nova Temporada Artística (TA) a glosas entrevistou a Presidente da Direcção da Associação Notas e Sinfonias Atlânticas que a apoia, Dr.ª Tomásia Alves, e o Director Artístico e Concertino, Dr. Norberto Gomes.


 

Dr. Norberto Gomes, como actualmente a OCM não dispõe de um maestro-titular, o Concertino acumula as funções de Director Artístico, sendo da sua responsabilidade organizar esta Temporada. Começo, então, por perguntar-lhe quais as principais linhas de força deste programa.

Antes de mais, quero agradecer a oportunidade para podermos falar da Orquestra Clássica da Madeira, dos seus músicos e da programação que integra as suas temporadas. Sobre a questão que coloca e que considero pertinente, permita-me que diga que esta temporada é uma sequência da anterior, que, como sabe, teve início depois de um interregno de cerca de um ano. Faz sentido olharmos para a temporada de 2014-2015 depois de sentirmos o que foi realizado na primeira temporada desta nova fase, onde o principal propósito foi devolver à Orquestra o seu papel preponderante na actividade musical da Região Autónoma da Madeira. Com uma análise profunda e consciente, sentimos a necessidade de homenagear todos aqueles que fizeram parte das cinco décadas de história das várias formações que trouxeram esta orquestra até nós. Todos os concertos foram uma verdadeira celebração onde essa homenagem foi feita, abordando, naturalmente, os compositores históricos, assim como os do nosso tempo. Fez sentido incluir a guitarra portuguesa na programação da Orquestra, assim como o machete madeirense, com obras do compositor do séc. XIX Cândido Drumond de Vasconcellos, com orquestrações de quatro jovens compositores madeirenses. Foi importante voltarmos a estar ligados às instituições que nos rodeiam.

Neste momento a aposta continua a ser a solidificação da figura da orquestra, focada na qualidade das nossas apresentações. Com uma oferta de programação diferenciada pelas várias épocas da história da música, temos como convidados alguns dos principais instrumentistas portugueses, assim como solistas do panorama internacional. É, naturalmente, uma temporada recheada de estrelas e de estreias. Maestros, solistas, compositores. Obras de todos os tempos, obras em estreia absoluta, obras em estreia nacional e regional.

Queremos estar presentes, cada vez mais, na vida da sociedade madeirense, assim como contribuir com algum fascínio na vida dos que nos visitam diariamente. A música tem esta capacidade de nos fazer sonhar, ambicionar e concretizar. Para esta temporada temos como máxima o slogan ‘Inspiração! Juntos vamos fazer magia’.

Quanto às obras elencadas para esta TA, quais as que são de autores portugueses e qual a importância para a OCM, na sua TA, de divulgar obras destes compositores?

Essa é uma questão que nos preocupa e que para a qual nós, programadores, temos uma responsabilidade acrescida. É com satisfação e orgulho que podemos afirmar que temos obras de compositores portugueses na nossa programação. Tenho referido e repito que, se estamos em Portugal, é expectável que haja obras escritas em Portugal na nossa programação. Se é uma orquestra da Madeira, naturalmente temos obras de compositores madeirenses como oferta musical ao público. Este princípio tem mais força quando analisamos o perfil do público da Orquestra, que, além dos residentes, inclui os turistas que por curiosidade esperam ouvir obras dos criadores de referência do país que visitam. E porque a pergunta o permite, faço questão de enumerar as obras portuguesas e seus compositores presentes na temporada de 2014/2015.

António Victorino d’Almeida – Abertura-Fogo de Artifício, Rapsódia para piano e Orquestra e Epifonia para Orquestra; Cândido Drumond de Vasconcellos / Francisco Loreto – Roza Polka, Marcha n.º 1; Pedro Macedo Camacho – OCM 50 Anos; Luiz de Freitas Branco – Suíte Alentejana n.º 1; Mário Laginha – Concerto para Piano e Orquestra; Christopher Bochmann – Obra a anunciar; Luís Carvalho – Nise Lacrimosa; Nuno Jacinto – Obra a anunciar (Encomenda OCM); J. Vitor Costa – Obra a anunciar (Encomenda OCM); Luís Tinoco – From the Depth of Distance, para soprano e orquestra.

Inclusive, partilho da opinião com outros colegas com responsabilidades artísticas e de programação de que poderia haver uma directiva cultural onde o Ministério da Cultura, neste caso a Secretaria de Estado da Cultura, atribuisse um plafond a determinar a cada orquestra para ser utilizado somente na programação de obras de compositores portugueses. Como é de conhecimento público, os alugueres destas partituras atingem valores por vezes incomportáveis para estruturas como as orquestras regionais.

A exemplo de anos passados, a OCM encomendou alguma obra para estreia mundial na Madeira?

 Como músico activo, tive a feliz oportunidade de acompanhar o percurso da orquestra nos últimos 22 anos e é com satisfação que vejo que ao longo dos tempos a orquestra não negligenciou essa vertente da responsabilidade na programação. Tivemo-las na temporada transacta e temos nesta temporada algumas estreias absolutas de obras de compositores que, pela sua linguagem e estética, por certo vão enriquecer a paleta de sugestões musicais da nossa programação. Como exemplo, tivemos em Outubro passado a primeira audição pública da Abertura Fogo de Artifício de António Victorino d’Almeida, em Março de 2015 aguardamos a estreia absoluta de Athanor, três episódios para piano, orquestra de câmara e electrónica, do compositor francês Jacques Derégnaucourt, e em Maio e Junho temos também duas estreias absolutas de obras de Nuno Jacinto e de João Vítor Costa, dois compositores madeirenses de gerações distintas com padrões de escrita muito particulares e reconhecidos.

A opção da direcção de, nestes primeiros dois anos de uma nova fase da OCM, não contratar um maestro-titular deve-se a que factores?

É uma opção resultante de uma proposta de gestão artística. Como sabemos, a gestão artística de uma orquestra pode ter variadas fórmulas. Pode depender da dimensão da estrutura de suporte à orquestra, do princípio da existência da própria orquestra, se é uma proposta (projecto) pessoal, ou do propósito cultural e artístico da instituição. Nesta fase, é uma vontade assumida dar à orquestra uma identidade própria, onde os músicos têm uma responsabilidade acrescida. A orquestra tem um rosto, que é o da própria orquestra. É a sua orgânica a base da sua determinação e inspiração. A proposta artística apresentada é estruturada na figura do Director Artístico, que conta com o Conselho Artístico, constituído por músicos dos vários naipes da orquestra. É uma proposta artística arrojada e cada vez mais sólida, que permite, por um lado, uma diversidade de sugestões e abordagens musicais tanto para o público como para os músicos, assim como, de uma forma única no país para uma orquestra com o nosso status, formular convites a vários maestros activos, titulares ou não de uma orquestra. A nosso ver, o que importa sublinhar no contexto desta opção é a particularidade de a sugestão artística estar centrada exclusivamente na orquestra.

Sobre esta nova fase da OCM, iniciada em Setembro de 2013, que avaliação faz, nos aspectos artístico e organizativo?

Acima de tudo vejo uma consolidação do dinamismo da orquestra em termos da regularidade e qualidade da sua actividade, além do reconhecimento público do seu propósito.

Temos consciência das várias incumbências da orquestra, sejam de nível social, cultural ou pedagógico. Na vertente pedagógica em particular, através do protocolo institucional com o CEPAM-Conservatório Escola Profissional das Artes da Madeira, saliento a possibilidade de estágios pedagógicos de forma estruturada para os jovens formandos do Curso Profissional de Instrumentista, assim como a formação destes jovens em masterclasses com formadores, solistas e maestros nossos convidados. Num outro plano, foram convidados jovens profissionais que tiveram a sua formação inicial na Madeira e que têm as suas carreiras consolidadas no continente português ou fora de Portugal, realçando desta forma a qualidade da oferta de formação que é proporcionada na Madeira. Contamos regularmente com solistas e maestros com carreiras de prestígio internacional que obrigam à formação estar musicalmente atenta e disponível, tecnicamente em forma e artisticamente preparada.

Diria que a estabilidade é o que reflecte o trabalho que temos desenvolvido. O facto de termos uma temporada programada até Julho, com os ensaios todos assentes e os programas com os seus intervenientes confirmados, faz com que todos os agentes desta actividade tenham uma responsabilidade acrescida para que o plano desenhado seja cumprido com a qualidade que nos é exigida.

Esta estabilidade trouxe-nos uma invulgar cumplicidade com os agentes sociais que nos rodeiam. Temos uma extraordinária cobertura mediática do nosso dinamismo através dos meios de comunicação, aos quais quero deixar aqui expresso o nosso agradecimento. Esta estabilidade proporcionou-nos também a possibilidade de realizar uma publicidade estável e direccionada, resultando na fidelização do público que novamente voltamos a sentir.

 


 

Dr.ª Tomásia Alves, na qualidade de Presidente da Associação Notas e Sinfonias Atlânticas (ANSA), que, a partir de Maio de 2013 passou, por decisão do Governo Regional da Madeira, a gerir os destinos da OCM, que balanço faz deste ano e meio de actividade?

Quero, antes de mais, agradecer o convite que a revista glosas fez para esta entrevista e expressar quanto nos honra fazer parte das vossas publicações.

O desafio de fazer parte de um grupo de individualidades para a gestão da Orquestra Clássica da Madeira (OCM), através da Associação Notas e Sinfonias Atlânticas (ANSA), foi, talvez, o desafio mais arrojado da minha vida, pois foi um ano de aprendizagens, de cedências, de um espírito de grupo e de interajuda entre três grandes instituições: o Governo Regional, a Associação Orquestra Clássica da Madeira e o Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira Engº. Luiz Peter Clode (CEPAM). O desafio foi  gerir a determinação do Governo Regional, principal financiador e impulsionador da ANSA, a experiência da Associação Orquestra Clássica da Madeira, a experiência e o profissionalismo do Director Artístico e a vontade de ensinar e de aprender do Conservatório. Ao longo destes 18 meses foi o nosso objectivo primeiro devolver à OCM a sua identidade, garantindo estabilidade, permitir a oportunidade de se inovar e de se recriar artisticamente.

Quais as maiores dificuldades que encontrou e como conseguiu superá-las?

Ao longo destes tempos, lutámos todos os dias pelos nossos objectivos, a equipa de apoio é pequena, jovem e só com o envolvimento da Direcção, dos seus colaboradores e músicos foi possível cumprir a temporada, mesmo naqueles concertos em que não se conseguiu cumprir atempadamente com as condições necessárias, designadamente salas, salários e equipamentos. O meu profundo reconhecimento vai para todos os colaboradores, músicos, corpo artístico, maestros e solistas convidados, por sempre acreditarem neste projecto, e foi esta unidade que permitiu à orquestra crescer e afirmar-se no panorama artístico da RAM e no país.

A opção da OCM nestas duas temporadas foi não contratar um maestro-titular, recorrendo em cada concerto a um maestro convidado. Qual a vossa estratégia, neste particular, para o futuro?

Quero corroborar as palavras do Director Artístico: o objectivo foi dar identidade à Orquestra; o seu rosto é a sua imagem. Definimos que o convite a vários maestros contribuiria e contribui para uma maior exigência e dedicação dos músicos; foi preciso criar um corpo capaz de fazer deslocar Maestros e Solistas de renome internacional e, assim, levar a nossa imagem a outras paragens. No fim desta Temporada de 2014/2015 iremos fazer um balanço e avaliar e reequacionar a estratégia.

A OCM é gerida pela ANSA, tendo por base um apoio financeiro concedido pelo Governo Regional da Madeira, através de contrato-programa anual. Em primeiro lugar, considera que os valores atribuídos são os necessários para a sua gestão, e, em segundo, as transferências em duodécimos têm acontecido com a regularidade necessária ao bom funcionamento da orquestra?

Eu colocariaa primeira questão ao contrário: com estes valores que gestão é possível? Pois gerir é sempre um acto de equilibrar os recursos com os meios possíveis para a obtenção de um resultado, e tem sido esta a posição da Direcção da ANSA. Por último, a ANSA tem um contrato-programa com o Governo Regional da Madeira, cujas transferências se fazem por quadriénio. Houve alguns atrasos no início do ano em curso, mas tudo se regularizou.

Com a actual situação política na Madeira, em que dentro de alguns meses haverá um novo Governo, quais são as suas expectativas no sentido de poder garantir a continuidade desta importante orquestra, sem os sobressaltos do passado?

A continuidade da ANSA para relançar a OCM é um projecto do Governo Regional da Madeira…!

Pela nossa parte, agradecemos aos nossos convidados e principais responsáveis pela gestão da Orquestra Clássica da Madeira por se disponibilizarem para esta entrevista, que agora deixamos a todos os leitores da nossa revista para leitura e melhor conhecimento do plano de actividades desta grande orquestra, que, na Madeira, também faz Portugal e contribui para a Cultura do seu Povo.

 


 

O violinista madeirense Norberto Gomes iniciou os seus estudos musicais no Conservatório de Música da Madeira, com sua irmã Zita Gomes, sendo apoiado com uma bolsa de estudos da Fundação Calouste Gulbenkian. Foi galardoado com vários prémios nacionais, sendo de destacar o 1.º Prémio Nível Superior – Solista no Concurso Jovens Músicos da RDP e a Medalha de Mérito Artístico atribuída pelo Governo Regional da Madeira. Em 1989 inicia um longo período de formação na Ex-URSS, sendo subsidiado pelo Governo Regional da Madeira, durante o qual teve oportunidade de estudar com vários pedagogos de mérito reconhecido, com destaque para o distinto violinista, crítico musical e pedagogo A. N. Gorochov. Tem-se destacado no campo da pedagogia, onde com os seus alunos tem granjeado vários prémios em concursos nacionais para jovens violinistas. É Concertino e Director Artístico da Orquestra Clássica da Madeira, detentor de vários graus académicos e Professor no Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira, de cuja Direcção é também Assessor Artístico.

 

Sobre o autor

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Carlos Alberto Meneses Gonçalves é Doutor em Ciências do Trabalho pela Universidade de Cádiz (Espanha), onde recebeu o Diploma de Estudos Avançados na área científica de Psicologia Social. É licenciado em Administração e Gestão Escolar e diplomado com o Curso Superior de Música (Piano e Canto). Foi professor em diversas instituições, incluindo o Conservatório de Música da Madeira, a Universidade da Madeira, o Instituto Superior de Ciências Educativas e o Instituto Politécnico de Setúbal. É investigador integrado do CIPEM (Centro de Investigação em Psicologia da Música e Educação Musical), no Instituto Politécnico do Porto, e do INET-md (Instituto de Etnomusicologia - Estudos de Música e Dança (FSCH/Universidade Nova de Lisboa). É Director de Serviços de Educação Artística e Multimédia da Secretaria Regional da Educação e Recursos Humanos do Governo Regional da Madeira.