HISTÓRIA DE UMA SOLUÇÃO

 

O Museu da Música de Mariana, como tem sido popularmente chamado o Museu da Música do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana, em Minas Gerais, celebra quarenta anos de uma contribuição que, de várias maneiras, vem participando da construção cultural de brasileiros e portugueses. Sua história, no entanto, exibe uma complexa teia de relações, que fez desta instituição um centro pioneiro de recepção, preservação e difusão do patrimônio histórico-musical luso-brasileiro que se encontra em franco desenvolvimento.
 
A origem do Museu da Música está associada a um problema inicialmente observado pelo musicólogo
teuto-uruguaio Francisco Curt Lange (1903-1997), que realizou as primeiras investigações histórico-musicais em território brasileiro nas décadas de 1940 e 1950: a falta de pessoal especializado e, principalmente, de instituições locais destinadas ao cuidado e estudo de acervos de manuscritos musicais. A primeira solução adotada por Curt Lange foi, no entanto, discutível: o musicólogo obteve muitos manuscritos musicais com os quais deparou nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, por compra ou por métodos obscuros, levando-os à sua residência, nessas décadas no Rio de Janeiro e em Montevidéu, Uruguai.
 
Mas se, nesse período, não havia no Brasil nenhuma instituição especificamente dedicada a esse tipo de acervo, ao menos nos moldes defendidos por Curt Lange, os manuscritos por ele recolhidos estavam sendo cada vez mais referidos no Brasil, principalmente a partir da primeira publicação de uma coletânea desse repertório e de sua primeira gravação, em 1958. Por outro lado, praticamente nenhum especialista, além dele próprio, tinha acesso a tais documentos antes de sua transferência para o Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, no ano de 1983, e de sua disponibilização pública na década seguinte.

 

Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Mariana (fotografia de Sérgio Salgado)

 

Foi nesse contexto que se destacou o trabalho do terceiro arcebispo da Arquidiocese de Mariana, Dom Oscar de Oliveira (1912-1997). Desde o início de sua função arquiepiscopal, em 1960, Dom Oscar vinha tomando várias medidas referentes à preservação e acesso ao patrimônio histórico e artístico de sua região: em 1962 instituiu o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra e em 1965 o Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Até ao final de sua atuação à frente da arquidiocese, em 1988, Dom Oscar fundou também o Museu do Livro (com o acervo da antiga Biblioteca dos Bispos de Mariana), o Museu dos Móveis, a Fundação Cultural e Educacional da Arquidiocese de Mariana e a Fundação Marianense de Educação.
 
Mariana é sede episcopal desde 1748 e a sexta diocese brasileira, depois das dioceses (ou bispados) da Bahia (1555), Rio de Janeiro (1676), Olinda (1676), Maranhão (1677) e Pará (1719), tendo sido elevada a arquidiocese em 1906. Primeira vila, cidade e capital de Minas Gerais, Mariana começou a se desenvolver economicamente em função da mineração aurífera, tornando-se região agropastoril no século XIX e, na recente fase industrial, um centro minerador de ferro.
 
A herança urbanística e eclesiástica de Mariana fez com que lá se concentrassem muitas reminiscências da antiga arte sacra, especialmente dos séculos XVIII e XIX, incluindo muitos manuscritos musicais e o conhecido órgão Arp Schnitger construído em Hamburgo, Alemanha, na primeira década do século XVIII e transferido para a catedral de Mariana em 1753.
 
Mudanças litúrgicas do século XX, no entanto, acarretaram uma sensível diminuição das atenções em relação ao repertório dos séculos anteriores, até ao momento em que essa música começou a ser vista não apenas como componente litúrgico, mas também como patrimônio histórico. Quem pela primeira vez percebeu isso em Mariana foi Dom Oscar de Oliveira.

 

Trabalho atual de conservação no Museu da Música. Foto institucional.

 

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Mas qual foi a origem dos manuscritos musicais preservados na cúria de Mariana? A existência de uma tradição musical do século XVIII na matriz e depois catedral de Mariana, associada à presença de várias cópias desse período no acervo encontrado por Dom Oscar, sugeriram a hipótese de que o acervo musical da cúria fosse o remanescente do antigo arquivo musical da catedral de Mariana, suposição apoiada pela existência de várias cópias com a indicação de propriedade “catedral” na página de rosto.

 

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ARTIGO PUBLICADO NA GLOSAS 8 ( Clique aqui para ler o artigo completo na versão impressa ).

Sobre o autor

Licenciatura (1981) e Bacharelado (1982) em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo, Licenciatura em Educação Artística com Habilitação em Música pela Universidade de São Paulo (1987), Mestrado em Artes pela Universidade de São Paulo (1992) e Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo (2000). É docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) desde 1994. Trabalhou principalmente com a música histórica brasileira, com destaque para o período entre o século XVI e inícios do século XX, em especial para a música sacra mineira dos séculos XVIII e XIX, É membro do Conselho do Centro de Referência Musicológica José Maria Neves e colaborador do Museu da Música de Mariana e da Orquestra Ribeiro Bastos de São João del-Rei.