No âmbito da nossa investigação de doutoramento, na Universidade de Évora/CESEM, sobre a figura de Augusto Neuparth (1830-1887) e a praxis fagotística de Oitocentos em Lisboa, o estudo e execução de obras para fagote solo de compositores portugueses constitui uma parte fulcral. O corpus deste repertório não é extenso, mas não deixa de ser significativo para a caracterização da prática instrumental para fagote pelas particularidades pouco comuns que apresenta, se comparado com o tipo de repertório coevo do mesmo género. Estas particularidades adquirem importância pelos desafios de execução que colocaram aos instrumentistas de então. Verificámos que, num total de quatro obras encontradas, duas são da autoria de Francisco António Norberto dos Santos Pinto (1815-1860): a Fantasia sobre temas da ópera Roberto Devereux de G. Donizetti, para fagote e banda, e Rêverie sobre a canção Il Rimprovero de G. Rossini, para fagote e piano.
O compositor Francisco A. N. Santos Pinto foi uma personalidade central da vida musical de Lisboa no séc. XIX, quer pela quantidade, quer pela diversidade estilística das obras que compôs. De facto, da extensa obra musical de Santos Pinto, uma parte compreende peças para instrumento solo com acompanhamento de orquestra de cordas, orquestra de sopros e piano. O compositor tinha particular predilecção pelos solos para sopros. A título de exemplo, podemos mencionar o Concerto para trompa e orquestra, o Dueto concertante para duas trompas e banda, a Fantasia para trombone e banda, as Variações sobre um tema da Lucia di Lammermoor, para trompete e orquestra, as Variações para trompete e banda, A Camponesa na Sesta, para clarinete solo e banda, a Fantasia para dois fagotes e orquestra e a Rêverie sobre uma canção de Rossini, para fagote e piano.
As composições solísticas de Santos Pinto exploram eficazmente o gosto de tendência predominantemente operática da sociedade lisboeta da primeira metade do séc. XIX. Como instrumentista de uma orquestra de ópera, utilizou a sua experiência profissional, aliada ao talento composicional, para pôr em evidência instrumentos e instrumentistas que lhe eram caros.
A utilização de material musical com referencial no repertório do Belcanto permite aos instrumentistas uma eficaz afirmação e reconhecimento por uma sociedade melómana. As obras do compositor reflectem, assim, não só o seu gosto musical, mas também, em alguns casos, as suas relações pessoais. São disso exemplo, neste género de repertório, obras com dedicatário, como a Rêverie, dedicada ao fagotista Augusto Neuparth (1830-1887), e A Camponesa na Sesta, dedicada ao clarinetista Manuel Joaquim Carvalho.1
No âmbito da música puramente instrumental, não se limita Santos Pinto a compor para um espaço de produção musical, mas abrange todos os espaços onde exerce a sua actividade musical, bem como uma variedade de grupos orquestrais. Aqui se enquadram as obras que dedicou a orquestra e banda militar. Como instrumentista de corneta de chaves e de trompa, bem como chefe de banda militar, demonstrou o gosto e o domínio da composição para estes instrumentos. É exemplo deste domínio pleno o que se regista no manuscrito autógrafo da obra A Camponesa na Sesta2: “Piquena Pessa Militar Por F.A.N.S. Pinto em 1834, 26 de Abril a noute feito o Esboço e Instrumentada em 27, de manhã.”
O talento do compositor, nomeadamente no que concerne a este repertório de fantasias, era muito apreciado. Como testemunho da boa recepção que encontrou, temos um artigo publicado no Semanário O Espectador3 em Outubro de 1850, sobre a Fantasia para Orquestra sobre temas do Profeta de Meyerbeer, dedicada à Assemblea Philharmonica:
[…] havendo ao mesmo, uma agradável variedade pela excellente escolha dos trechos da Opera, magistralmente surgidos com o núcleo; e tendo tido o illustre compositor muito bom-gosto na maneira por que os instrumentos reproduzem o canto das vozes: o que tudo juncto dá ao complexo da Fantasia uma majestade nada inferior á da Opera. Além d’isso, tem ainda outra admirável belleza da Opera ; porque com a mesma opulência de orchestra, se nota também a mesma clareza de sons; distinguindo-se com o melhor effeito, no mais ruidoso dos cheios, a execução particular de cada instrumento. E quando o Sr. Pinto, não tivesse já dado com as suas innumeraveis producções, provas concludentes do seu talento e sciencia musical, só esta Fantasia seria bastante, para lhe dar um nome illustre entre os nossos compositores.
Apesar de Santos Pinto ter alcançado lugar de destaque no meio musical oitocentista em Lisboa, que, nos seus últimos anos de vida, o viu como Director do Real Teatro de São Carlos, parece ter tido uma postura de grande modéstia, que terá cimentado o apreço que a sociedade tinha por ele. Em carta enviada ao semanário O Espectador e publicada a 19 de Janeiro de 1851,4 o músico faz a sua autobiografia, terminando com uma sincera declaração de humildade:
[…] durante estes últimos doze anos, quasi que não tenho descansado, escrevendo música Sacra, Drammatica, de Camara e Militar. Se tanto tenho produzido porém, não é por ostentar fecundidade de engenho, nem por avidez de riquezas, honras, dignidades, louvores ou fama; mas sim pela constante necessidade de trabalhar, para manter a minha família. Não me é próprio alardear triumphos; nem me compete avaliar as minhas obras…aos entendedores pertence julgarem-me; e creio que o farão com justiça e imparcialidade.
As obras actualmente identificadas para fagote solista da autoria de Francisco Santos Pinto são as seguintes:
– Fantasia para fagote sobre motivos do Roberto Devereaux, com acompanhamento de banda, datada de 1847;5
– Rêverie pour le Basson sur la Canzonetta “Il Rimprovero” de J. Rozinni, Dedieè a son ami A. Neuparth par F. A. N. S. Pinto, datada de 1856.6
Merecem também aqui menção as várias referências à Fantasia para dois fagotes e orquestra, cuja partitura parece não ter sobrevivido. As alusões a esta obra são por vezes incompletas e até discordantes entre si. Numa listagem de obras apresentada por Ernesto Vieira no Diccionário Biographico de Musicos Portuguezes7 é referida como obra n.º 135 a Fantasia para dois fagotes com acompanhamento de orquestra. Esta obra teria sido apresentada por Augusto Neuparth e Thiago Canongia8 num concerto no Real Teatro de São Carlos, a 22 de Abril 1847. A confirmar parcialmente a fidedignidade desta informação, encontramos, mencionada por Fonseca de Benevides9, em obra sobre a história do Real Teatro de S. Carlos, a notícia de um concerto em benefício do Montepio Filarmónico com a participação Augusto Neuparth e Thiago Canongia, onde estes teriam tocado um duo de fagotes, a 22 de Abril de 1847. Este último não mencionava, no entanto, o título e autoria do duo.
Como dado complementar, encontramos a participação no mesmo concerto do cantor Eduardo Medina Ribas (1822-1884).10 Por outro lado, Mário Moreau11 faz referência a uma Fantasia para dois fagotes, executada também por Augusto Neuparth e Thiago Canongia num concerto no Real Teatro de São Carlos, mas a 22 de Março 1847, sem mais indicações sobre a autoria. Também neste concerto é registado como participante o cantor Eduardo Ribas. Moreau utilizou como fonte desta informação, contrariando a data apresentada por Vieira e Benevides, o Diário do Governo de 22 de Maio 1847. Parecem estar estas referências relacionadas com o mesmo concerto e com a mesma obra, estando seguramente uma das datas incorrecta.
A fonte mais completa existente sobre uma obra para dois fagotes de Santos Pinto encontra-se no programa do concerto realizado no Casino Lisbonense a 9 de Julho de 1861.12 Esta obra surge mencionada como Fantasia Concertante para dois fagotes sobre motivos da Lucia de Lammermoor e tem como intérpretes Augusto Neuparth e Thiago Canongia. Não é, no entanto, claro se teria acompanhamento orquestral. Foi este o 25.º concerto da segunda série dos Concertos Populares, organizados por Guilherme Cossoul (1828-1880) no início da década de sessenta. Pode dar-se o caso de esta obra ser distinta daquela de 1847, mas a coincidência de intérpretes e a combinação pouco comum de instrumentos solistas torna provável que se trate da mesma obra.
Nos vários recitais que apresentámos a solo, no âmbito deste trabalho de investigação, constaram as duas obras de Santos Pinto. A Fantasia para fagote e banda foi executada numa série de 3 concertos, em conjunto com a Banda Sinfónica da Policia de Segurança Pública, dirigida pelo seu maestro, Comissário Ferreira Brito.13 As datas e locais de apresentação foram os seguintes:
– 8 de Outubro de 2014, na Igreja dos Mártires, em Lisboa;
– 16 de Janeiro de 2015, na Igreja do Mosteiro de Alcobaça;
– 20 de Fevereiro 2015, no Auditório do Fórum Romeu Correia, em Almada.
Teve especial relevo o concerto realizado na Igreja dos Mártires, por se inserir no contexto muito especial da comemoração dos 180 anos do Montepio Filarmónico, associação da qual Santos Pinto foi elemento bastante activo, e mesmo director. Neste contexto, foi editada pela AVA Editions14 uma revisão da partitura da obra, utilizada para estas apresentações.
Por se tratar de uma obra portuguesa de características únicas no repertório romântico para fagote e por ter encontrado a melhor recepção, justificou-se também a edição da versão para fagote com acompanhamento de piano15 (foi autor da redução para piano da parte original para banda o Maestro João Paulo Santos).16 Esta versão teve estreia a 5 de Dezembro de 2015, num concerto de homenagem ao compositor, organizado pelo Museu Nacional da Música. Dado o interesse musical da obra e o facto de ser uma das poucas obras portuguesas representativas do género para este instrumento solo e para esta formação orquestral, considerou-se que seria importante disponibilizar uma versão de fagote e piano que a tornasse de mais fácil apresentação.
Não deixa ainda de ser importante, neste contexto, que o repertório para fagote e piano seja executado por intérpretes que fazem parte de uma instituição que tem constituído o repositório da tradição interpretativa operática em Portugal, o Teatro Nacional de São Carlos. No entanto, mesmo para um instrumentista de uma orquestra de ópera, a preparação destas obras não deixa de ser um desafio. Um género musical que, na primeira metade do século XIX, era quase música trivial, repleto de lugares-comuns, está afastado por um período suficiente para implicar, por parte do instrumentista moderno, uma abordagem interpretativa com alguma reflexão. Um grande benefício foi a possibilidade de preparar este repertório com o M.º João Paulo Santos, que trabalha regularmente o repertório operático com cantores e conta com a experiência acumulada de anos como pianista e maestro de coro. Esta preparação revelou-se decisiva para a transposição da praxis interpretativa vocal para a instrumental.
A Fantasia para fagote e banda tem como ponto de partida um conjunto de temas da ópera Roberto Devereux de Donizetti. Esta ópera, composta em 1837, estreou no Real Teatro de São Carlos a 13 de Julho de 1838, sendo reposta em Fevereiro de 1845. Esta última apresentação antecedeu a composição da Fantasia, datada de 1847.
A composição está orquestrada para fagote solo com acompanhamento de grupo de sopros, ou banda. As partes instrumentais que compõem o grupo de sopros correspondem aproximadamente ao formato típico da banda marcial portuguesa da primeira metade do século XIX.17 Se considerarmos que é designado um executante por cada parte, temos um total de 15 instrumentistas. A orquestração é a seguinte:
– 1 parte de requinta em Mib;
– 1 parte de flauta em Mib;
– 4 partes de clarinete em Sib (1.º, 2.º, 3.º e 4.º clarinete);
– 2 partes de corneta em Sib (1.ª e 2.ª corneta);
– 2 partes de trompa em Fá (1.ª e 2.ª trompa);
– 2 partes de figle, ou oficleide, em Dó (1.º e 2.º figle);
– 2 partes de trombone em Dó (1.º e 2.º trombone);
– baixo em Dó.18
A obra, com duração de 13 minutos, aproximadamente,19 apresenta vários temas da ópera, utilizados para fazer variações, na sua maioria de carácter brilhante. Como apresentado por Rui Pinto20, os temas originais são citados na fantasia pelo instrumento solista e pelo tutti instrumental, quer na forma de transcrição textual, quer na forma de tema e variações, como sumariamente apresentado no seguinte quadro.
Compassos | Secção da obra | Tema original |
1-23 | Introdução | Dueto (Elisabetta/Roberto); Terceto, Acto II; Rondo finale |
52-82 | Andante cantabile | Romanza (Sara): All’afflitto è dolce il pianto |
109-177 | 1.º conjunto de tema e variações | Dueto (Elisabetta/Nottingham): Su lui non piombi il fulmine |
177-288 | 2.º conjunto de tema e variações | Cabaletta (Elisabetta): Ah, ritorna qual ti spero |
Quadro 1. Temas de Roberto Devereux utilizados na Fantasia para fagote de Santos Pinto
A fantasia inicia-se com um Andante Maestoso introdutório, de carácter solene, em que o naipe dos instrumentos de metal faz intervenções em dinâmica forte, intercaladas com intervenções em piano das madeiras (Fig.1), numa duplicidade que parece representar de algum modo as duas personagens que interpretam o dueto a que se refere o material musical utilizado.
O Allegro brilhante que se segue prepara a tensão musical, de um modo muito eficaz para a entrada da cadência do fagote solista. É esta uma afirmação inicial de carácter técnico, mas plena de intensidade, reforçada pela função harmónica utilizada (Fig. 2).
Esta cadência antecede uma secção cantabile do instrumento solista, com o carácter de um lamento, uma citação da Romanza de Sara, mezzo-soprano, do primeiro acto da ópera. Este cantabile exige do instrumentista um domínio do legato e expressividade sonora. A inevitável comparação com o lirismo operático é, nesta secção, posta à prova. Cumpre ao intérprete demonstrar a capacidade de fazer o instrumento “cantar”. Enquanto a utilização do tema da Romanza é de forma textual, outros temas da ópera, com tempi moderadamente rápidos, são utilizados para secções de variações com um carácter de execução brilhante. Como exemplo, podemos verificar o uso da cabaletta do dueto de Elisabetta e Nottingham, Su lui non piombi il fulmine, em Allegro giusto, que serve de tema ao primeiro conjunto de variações do fagote solo.
As dificuldades singulares mais evidentes desta obra, sob a perspectiva da execução instrumental, estão sobretudo relacionadas com dois factores: o equilíbrio sonoro entre instrumento solista e tutti orquestral e a resistência física exigida ao solista.
Esta combinação de fagote solo e banda é muito rara no repertório coevo do género. É muito comum este instrumento solo ser acompanhado com orquestra de cordas, com ou sem sopros, ou com piano. A dificuldade do equilíbrio sonoro tem origem na diferença entre um grupo instrumental de sopros composto por instrumentos, na sua maioria, com um volume sonoro normalmente superior ao fagote. Colocam-se, assim, alguns problemas de clareza na audição do instrumento solista. É o instrumentista obrigado, portanto, a um esforço físico suplementar para compensar este factor. Apesar de Santos Pinto ter contemplado este aspecto, tornando a textura do acompanhamento o mais leve possível, evitando texturas sonoras muito densas e indicando dinâmicas em piano e pianissimo para o tutti, não deixa de ser um factor de nota. As secções de maior virtuosismo, onde o efectivo instrumental do tutti é utilizado na totalidade, requerem especial atenção na gestão do equilíbrio sonoro. Como exemplo, indicamos os compassos 255 a 262 (Fig. 3 e 4). O modo como está escrito o acompanhamento instrumental, com dinâmicas e texturas transparentes, privilegiando a hierarquização de planos sonoros, reflecte também as características da escrita do acompanhamento do Belcanto.
O facto de o efectivo instrumental não contemplar instrumentos de percussão, normais neste tipo de agrupamento, revela particular atenção na gestão da intensidade sonora. Como exemplo da utilização de instrumentos de percussão por Santos Pinto neste tipo de repertório servem as Fantasias para trombone tenor e banda21, onde existe a utilização de tamburro militar e Gran Cassa, e as Variações para Cornetta de Chaves com acompanhamento de Banda Marcial22, com a utilização de Gran Cassa. Dadas as possibilidades sonoras destes últimos instrumentos solistas, o compositor utilizou o instrumentário completo da banda, sem receio de colocar em causa o equilíbrio sonoro.
Na apresentação moderna da Fantasia para Fagote e Banda foi observado um critério de adaptação do efectivo actual da Banda Sinfónica da PSP às indicações da partitura original. Daqui resultou uma redução do efectivo instrumental, por comparação com o efectivo normal deste agrupamento. Não sendo completamente claro na partitura autógrafa o número de instrumentistas a que se destinaria cada parte, foi adoptado o critério de ter dois instrumentistas a executar cada parte de clarinete soprano e nos instrumentos de metal ter apenas um executante por parte. Foi também utilizado o naipe de cordas graves, 4 violoncelos e 2 contrabaixos, o que, sem adicionar massa sonora significativa, resultou num enriquecimento do timbre de conjunto. Não obstante tratar-se de instrumentos modernos, as desigualdades sonoras entre o fagote e os outros instrumentos, embora mais atenuadas, mantêm-se. Tendo existido um cuidadoso trabalho no equilíbrio sonoro entre o instrumento solista e o acompanhamento, as escolhas do efectivo instrumental revelaram-se correctas.
Os desafios que se colocam à resistência física do solista estão relacionados com a duração de algumas secções a solo. Exemplo disso é a secção solo ininterrupta que começa no compasso 232 e termina no c. 283. Temos assim uma execução quase contínua, para o solista, de 56 compassos. O esforço físico exigido numa passagem tão extensa é considerável. O estilo de execução, ágil e brilhante, necessário a uma realização eficaz exige do músico um bom domínio instrumental, permitindo superar o cansaço deste tipo de passagens. Como agravante, verifica-se o facto de a passagem citada ser no final da obra, de duração considerável, onde já existe algum cansaço acumulado.
Embora esta obra não tenha dedicatário, não passa sem nota o facto de ter sido composta no ano da primeira apresentação pública registada de Augusto Neuparth, no Teatro de São Carlos, a 22 de Abril de 1847. Neste concerto teria sido executado, com Thiago Canongia, a Fantasia para dois fagotes com acompanhamento de orquestra de Santos Pinto. As relações pessoais entre o músico e o compositor, num meio musical tão restrito como a Lisboa oitocentista, não seriam dificilmente estreitas. Foram colegas de orquestra, militantes nas mesmas incontornáveis associações de classe e, segundo Vieira23, Neuparth em jovem terá tido aulas de harmonia com Santos Pinto. Como demonstra a dedicatória da Rêverie, de 1856, as relações profissionais eram também alicerçadas numa forte amizade.
Não é evidente a ligação de Neuparth à Fantasia para fagote e sopros, pelo facto de o músico parecer não ter tido qualquer relação directa às bandas. É, no entanto, sem dúvida nenhuma, Augusto Neuparth o fagotista de maior notoriedade em Lisboa à data da composição. A notoriedade deste músico é tal que faz com que não exista quase nenhuma menção de relevo artístico a fagotistas seus contemporâneos. Uma excepção digna de nota é Thiago Canongia, que encontramos a tocar com Neuparth e que tem uma prestação digna de relevo na impressa, no concerto realizado na Academia Melpomenense a 16 de Março de 184924, quando interpretou o Souvenir de Bellini de G. Tamplini (Na parte instrumental mencionaremos com especialidade a Fantasia de fagote).
Dedieè a son ami A. Neuparth
A Rêverie sobre o original de Rossini, para fagote e piano, foi escrita por Santos Pinto em 1856 e dedicada a Augusto Neuparth. A canção original de Gioacchino Rossini (1792-1868), Il Rimprovero, que Santos Pinto utiliza como material para compor a sua Rêverie, faz parte de uma colecção de 8 pequenas árias e 4 duos italianos, compostos entre 1830 e 1835 e editados pela casa Schott.25 Esta ária foi dedicada ao Conde Anatole Demidoff (1813-1870). A colecção foi composta por Rossini na fase da vida em que tinha abandonado a composição de óperas. Destinada a ser apresentada nos serões musicais da residência de Paris de Rossini, é o perfeito exemplo do repertório de canções de salão destinadas a servir de entretenimento em encontros de melómanos e diletantes. Il rimprovero é um texto original de Pietro Metastasio (1698-1782) musicado por Rossini e publicado numa versão trilingue: italiano, alemão e francês. É digno de menção o facto de esta composição ser escrita no ano que antecede a publicação, pela editora parisiense Brandus et Dufour, da única obra impressa para fagote e piano da autoria de Augusto Neuparth: Fantasie sur Robert le Diable.26
Santos Pinto faz a transcrição da melodia da canção de Rossini, mantendo a mesma tonalidade. Utilizou a canção na íntegra, usando material temático para variações instrumentais. A estrutura da obra é muito apoiada na estrutura do original, como se demonstra no segundo quadro27, adicionando o compositor português, de sua autoria, algumas outras secções.
Secção | Compassos | Autoria |
Introdução e recitativo | 1 a 44 | Santos Pinto |
Tema A | 45 a 75 | Rossini |
Tema B | 75 a 90 | Rossini |
Variação sobre o tema A | 90 a 104 | Santos Pinto |
Trabalho motívico sobre o incipit da introdução do piano | 105 a 117 | Santos Pinto |
Trabalho motívico sobre o incipit do tema A | 119 a 134 | Santos Pinto |
Secção de virtuosismo do Fagote acompanhado com trabalho motívico no piano sobre o tema A | 135 a154 | Santos Pinto |
Tema A’ | 155 a 177 | Rossini |
Coda | 177 a 195 | Rossini |
Figuração de clausura | 196 a 199 | Santos Pinto |
Quadro 2. Secções da Rêverie de acordo com a autoria
Sendo uma peça de curta duração (aproximadamente 5 minutos28), mais curta do que a Fantasia para Fagote e Banda de 1847, as maiores exigências que se colocam ao instrumentista dizem respeito à utilização do registo agudo do instrumento e à execução das variações respeitando o carácter cantabile do tema.
Como primeiro desafio instrumental, temos a utilização do Ré 429 agudo, que surge duas vezes no recitativo da introdução: no final do arpejo de Ré M do compasso 11 (Fig. 5) e no salto de oitava dos cc. 41 a 44 (Fig. 6). A dificuldade colocada ao instrumentista reside na boa emissão do Ré 4, no extremo do registo agudo do instrumento. Para além de a nota ser extrema, acresce ainda à dificuldade ser escrita em intervalos de 6.ª e 8.ª, o que obriga o instrumentista a uma flexibilidade de mudança de registo eficaz. Esta mudança de registo no fagote é obtida não só com digitações que facilitem a emissão da nota aguda, mas também através de técnicas correctas de colocação da embocadura, de apoio de respiração e da utilização de palhetas adequadas. Se no fagote moderno esta passagem é de dificuldade moderada, dados os recursos do instrumento por via das diversas modificações que sofreu ao longo dos sécs. XIX e XX, já no instrumento romântico a dificuldade é consideravelmente maior.
Da consulta dos métodos para fagote que se publicaram até à década de 1860, podemos verificar que a extensão do registo do fagote tem como limite geralmente o Mib 4. Os poucos que o ultrapassam, como é o caso do método de Frederic Berr de 183630 e o de Eugene Jancourt de 184731, não o fazem sem a ressalva de Peut Usitées para as notas de Mi 4 e Fá 4, no caso de Jancourt, e Mib 4, Mi4 e Fá 4 no caso de Berr. Esta indicação aparece escrita nos pentagramas das tabelas de posições do instrumento (Fig. 7 e 8). Dado que os métodos, escritos na sua maior parte por fagotistas virtuosos, eram destinados à aprendizagem, tinham como propósito demonstrar as possibilidades e estabelecer os limites do instrumento. Apesar de serem indicadas em alguns métodos notas bastante agudas, verifica-se que nos exercícios práticos a nota mais aguda raramente atinge o Dó 4 e nunca o ultrapassa. O que era descrito como o extremo do registo agudo na parte teórica destes métodos raramente tinha reflexo na prática instrumental do músico médio. Podemos concluir que a utilização da totalidade do registo do instrumento por qualquer fagotista não era sequer um objectivo expectável pelos autores. Uma visão mais pragmática era a constante dos tratados nas enciclopédias musicais coevas.
Da consulta destas obras resulta uma conclusão mais redutora: a maioria indica a extensão de registo do fagote de 3 oitavas, de Sib a Sib 3, como sendo a recomendável (Quadro 3).
Autor | Obra | Data | Extensão apresentada |
Antoine Reicha | Cours de Composition Musicale32 | 1816 | Sib – Sib 3 |
M. Castil-Blaze | Dictionaire de Musique moderne33 | 1821 | Sib – Sib 3 |
Jean George Kastner | Traite général d’instrumentation comprenant les propriétés et l’usage de chaque Instrument34 | 1836 | Sib – Fá 4 |
Jean George Kastner | Supplément au cours d’instrumentation35 | 1837 | Sib – Mib 4 |
Alexander Choron | Manuel Complet de Musique Vocale et Intrumentale36 | 1836 | Sib – Lá 3 |
François Fétis | Manuel des compositeurs, directeurs de musique, chefs d’orquestre et de musique militaire37 | 1837 | Sib – Ré 4 |
Hector Berlioz | Grand traité d’instrumentation et orchestration modernes38 | 1844 | Sib – Réb 4 |
Hector Berlioz | Grand traité d’Instrumentation et orchestration moderne: Nouvelle édition39 | 1855 | Sib – Mib 4 |
François Gevaert | Traité général d’instrumentation. Cours de Composition40 | 1863 | Sib – Sib 3 |
Quadro 3. Tratados e enciclopédias musicais do início do séc. XIX até 1863, com a respectiva indicação da extensão de registo do fagote
Berlioz, nos tratados de 1843 e de 1855, define a extensão do fagote como 3 oitavas e uma quarta, ou seja, de Sib a Mib 4. Ressalva, no entanto, que a utilização das notas entre Si3 a Réb 4 é “perigosa”, fazendo a seguinte recomendação: “é mais prudente não o fazer tocar mais agudo que o seu último Sib”. Kastner, no seu tratado de 1847, apresenta de Sib a Fá 4 como a extensão para o fagote. Acrescenta, no entanto, que as notas de Sol 3 a Fá 4 são “très rares”. Apresenta, paralelamente, aquilo que chama a extensão do fagote em orquestra e que define como sendo de Sib a Sib3. Posteriormente, no suplemento ao seu tratado de composição, corrige a extensão do fagote como sendo Sib a Mi 4, numa visão menos ambiciosa.
O outro grande desafio que a obra coloca, transversal ao fagote romântico e moderno, diz respeito ao carácter da execução das variações. Estas variações são feitas sobre um tema lírico de natureza simultaneamente dolce e lamentoso. Exige, deste modo, um domínio instrumental adequado para pôr em evidência as possibilidades líricas do instrumento e instrumentista. A escrita das variações, de índole mais técnica, não deverá alterar a característica do tema inicial (Fig. 9).
Composta para fagote e piano, a obra utiliza uma combinação instrumental que facilita o trabalho de equilíbrio sonoro, permitindo ao solista optar por uma execução que privilegie a leveza e elegância de som por oposição à utilização de um grande volume sonoro. Tornar-se-ia, pelo contrário, a execução mais pesada e exigente fisicamente. Também a nível da textura do acompanhamento do piano verificamos que se encontra mais simplificada do que no original de Rossini, privilegiando também o equilíbrio sonoro entre os instrumentos. A escolha de uma canção de carácter tão requintado, com características diversas da escrita instrumental, utilizada do modo como faz Santos Pinto, está em clara oposição ao que se definia como característica sonora do fagote. François-Joseph Fétis, no tratado de 1837, atribui ao fagote uma sonoridade débil, devendo a sua utilização ser feita num plano secundário.41 Existia, de facto, uma tendência para definir o fagote através de uma caracterização menorizadora, como expressa Hector Berlioz no tratado de orquestração de 1843:
Sa sonorité n’est pas trés forte, et son timbre, absolument dépourvu d’éclat et de noblesse, a une propension au grotesque, dont il faut toujours tenir compte quand on le met en évidence […] Le caractére de leurs notes hautes à quelque chose de pénible, de souffrant, je dirai même de misérable, qu’on peut placer quelques fois soit dans une mélodie lente, soit dans un dessin d’accompagnement avec le plus surprenant effet. … Quand Mr Meyerbeer, dans sa résurrection des Nones, a voulu trouver une sonorité pàle, froid, cadavreuse, c’est au contraire, des notes flasques du médium qu’il l’a obtenue.
Berlioz define o som do fagote, então, como “desprovido de brilho, de nobreza e com uma propensão ao grotesco”. Caracteriza o registo agudo como “penoso” e mesmo até “miserável”. Utilizando os adjectivos pálido, frio, cadavérico fez uma caracterização com referência ao grotesco e sobrenatural encontrado na cena da Ressurreição das Freiras de Robert le Diable de Giacomo Meyerbeer. Esta cena é reproduzida por Berlioz no seu tratado por nela estar o naipe de fagotes em grande evidência. A maneira como Meyerbeer compôs para estes instrumentos foi de tal modo eficaz a exprimir musicalmente o ambiente tenebroso da cena que fez com que o fagote ficasse associado a este efeito. Esta imagem de grotesco representada pelos fagotes é mais tarde reiterada por Berlioz na Marcha para o Suplício da sua Sinfonia Fantástica.
Em conclusão, podemos dizer que as obras para fagote de Santos Pinto se assumem no sentido da inovação e valorização deste instrumento como solista de primeira linha através da utilização de uma escrita instrumental exigente. Compôs para o instrumento empregando toda a extensão do registo, não se inibindo de colocar em particular destaque aspectos de maior dificuldade técnica, como é o caso do extremo do registo agudo. Recorreu, como referencial, aos padrões estabelecidos nos Métodos elaborados pelos grandes virtuosos internacionais do instrumento. Cumprem as suas obras, em termos estéticos, os padrões europeus em voga na época. No plano da execução, as dificuldades que estas colocaram ao intérprete excederam em requisitos técnicos e de exigência física aquilo que era comum no repertório do género. Utilizou numa das obras o acompanhamento de banda de sopros, uma opção extraordinariamente invulgar, se não mesmo inédita, no repertório coevo do instrumento.
Ao dedicar ao fagote este pequeno conjunto de obras, com referencial no repertório do Belcanto, Santos Pinto contribuiu significativamente para a boa recepção do fagote, enquanto solista na cena musical lisboeta. Com este repertório, conseguiu dar destaque a um instrumento muitas vezes subestimado, colocando-o a par dos outros instrumentos de sopro executados pelos virtuosos activos em Portugal. Esta afirmação implicou o disputar de palcos com estes mesmos virtuosos.
Só se compreende a existência deste repertório tão exigente através da emergência, em Lisboa, de um instrumentista de excelência com plenas capacidades para o executar. No decorrer das nossas investigações sobre a praxis fagotística de Oitocentos em Lisboa, a figura que se assume com este perfil é, sem dúvida, Augusto Neuparth. Como tal, foi da maior importância a relação que se estabeleceu entre o compositor e este músico. A contemporaneidade do fagotista virtuoso foi o estímulo e o meio que permitiu a realização destas obras. O facto de ter existido entre os dois uma relação de professor e aluno contribuiu para uma troca de influências que se manifestaram nas composições de ambos. Não só o fagote foi elevado à categoria de instrumento solista com o repertório de Santos Pinto, como também, com a sua contribuição, se iniciou a ascensão de Augusto Neuparth ao estatuto de virtuoso.
Através do estudo e interpretação das obras destes dois compositores, é possível ter uma caracterização da praxis virtuosística romântica do fagote em Portugal, permitindo ao fagotista moderno uma visão sobre um repertório pouco extenso, mas importante pela sua dimensão singularmente inovadora.
——————-
Notas
1 Referindo-se provavelmente ao clarinetista Manuel Inácio de Carvalho, instrumentista da orquestra do Real Teatro de S. Carlos, que faleceu em 1880.
2 Biblioteca Nacional de Portugal, M.M. 293//9.
3 O Espectador – Jornal dos Theatros e Philharmonicas, n.º 8, pp. 61-62 (20 de Outubro de 1850).
4 O Espectador – Jornal dos Theatros e Philharmonicas, n.º 20, pp. 153-155 (19 Janeiro de 1851).
5 BNP, M.M. 235//11.
6 BNP, M.M. 1859 // M.M. 2200 11.
7 Ernesto Vieira, Diccionario Biographico dos Musicos Portuguezes, Lisboa, Lambertini, 1900, vol. 2, p. 183.
8 Segundo Vieira, op. cit., vol. 1, p. 203, foi instrumentista de violino, violeta e fagote, filho de Joaquim Inácio Canongia (?-1850) e sobrinho do clarinetista virtuoso José Avelino Canongia (1784-1842).
9 Francisco da Fonseca Benevides, O Real Theatro de São Carlos de Lisboa, Lisboa, Castro Irmão e Ricardo de Sousa e Sales, 1883/1902, p. 219.
10 Barítono, nascido no Porto no seio de uma família de músicos de origem catalã, teve uma intensa carreira operática em Portugal e no Brasil.
11 Mário Moreau, O Teatro de S. Carlos, Lisboa, Hugin, 1999, vol. I, p. 400.
12 BNP, colecção de programas de Michel’Angelo Lambertini, vol. I.
13 O nosso agradecimento é devido ao Comissário Ferreira Brito e à Banda Sinfónica da PSP pela inexcedível disponibilidade e profissionalismo artístico com que acolheram este projecto de interpretação da Fantasia para fagote e banda.
14 Referência de catálogo ava070060. Agradecemos à AVA Editions pela disponibilização e impressão da edição das partituras de Santos Pinto utilizadas nos concertos e nas nossas investigações.
15 Referência de catálogo ava070060r.
16 Agradecemos ao M.º João Paulo Santos pelo trabalho de redução de piano e pela preparação e execução da estreia da obra nesta versão.
17 Segundo Vieira (op. cit., vol. 2, p. 443), na entrada sobre Manuel Augusto Gaspar (1843-1901), o regulamento militar do exército instituía para as bandas militares, em 1816, a constituição de 1 Mestre e simultaneamente 1.º clarinete, 1 primeiro requinta, 1 segundo primeiro clarinete, 1 segundo clarinete, 1 primeiro trompa, 1 segundo trompa, 1 primeiro clarim, 1 primeiro fagote, 1 trombão ou serpentão, 1 bombo e 1 caixa de rufo, totalizando onze elementos. Em 1864, é alterado para um total de 15 músicos.
18 Referindo-se possivelmente a tuba baixo em Dó.
19 Minutagem da execução desta obra numa série de três concertos, acompanhados pela Banda Sinfónica da PSP.
20 Para uma análise mais pormenorizada, vide Rui Magno Pinto, Virtuosismo para instrumentário de sopro em Lisboa (1821-1870), Tese de Mestrado, FCSH-UNL, 2010, Anexo I.
21 BNP, M.M. 234//3.
22 BNP, M.M. 235//10.
23 Ernesto Vieira, op. cit., vol. 2, p. 162.
24 O Espectador – Jornal dos Theatros e Philharmonicas, n.º 25 (18 de Março de 1849).
25 Chez les fils de B. Schott’s Söhne, n.º 4267, Mogúncia [ca. 1835].
26 BNP, Música Impressa M.P. 1775A, Augusto NEUPARTH, Fantasie sur Robert le Diable, para fagote e piano, Brandus, Dufour et Cie., Paris, 1857 (este exemplar contém uma dedicatória manuscrita a Santos Pinto).
27 Para uma análise mais pormenorizada, vide Rui Magno Pinto, op. cit., Anexo I.
28 Tempo da execução da estreia moderna (2015).
29 Recorremos a um sistema de designação de notas numeradas, correspondendo o Dó -1 ao registo sub-contra e o Dó 3 ao dó central do piano.
30 Frédéric Berr, Méthode complète de Bassoon, Paris, Messonnier, 1836.
31 Eugène Jancourt, Méthode théorique et practique pour le Basson en 3 parties, Paris, G. Richault, 1847.
32 Antoine Reicha, Cours de Composition Musicale, Paris, Gambaro, 1816.
33 François Henri Joseph Castil-Blaze, Dictionnaire de Musique Moderne (2 vols.), Paris, Magasin de Musique de la Lyre modern, Paris, 1825.
34 Jean George Kastner, Traité Général d’Instrumentation comprenant les propriétés et l’usage de chaque Instrument, Paris, 1836.
35 J. G. Kastner, Supplément au Cours d’Instrumentation, Paris, Bureau Central de Musique, 1837.
36 Alexander-Étienne Choron, Manuel Complet de Musique Vocale et Instrumentale , ou Encyclopedie Musicale , Roret, Paris 1836
37 FÉTIS,François-Joseph, Manuel des compositeurs, directeurs de musique, chefs d’orchestre et de musique militaire ou traité méthodique de l’harmonie des instruments, des voix, et de tout ce qui est relatif à la composition, à la direction et à la execution de la Musique, Paris, Brandus, 1837
38 BERLIOZ, Hector, Grand traité d’instrumentation et orchestration modernes, contentant: Le tableau exact de l’étendue, un aperçu, du mécanisme et l’étude du timbre et du caractère expressif des divers instruments, accompagné d’un grand nombre d’exemples en partition, tirés des œuvres des plus Grands Maîtres, et de quelques ouvrages inédits de l’Auteur, Paris, Schonenberg, 1844
39 BERLIOZ,Hector, Grand traité d’Instrumentation et orchestration moderne: Nouvelle édition revue, corrigée, augmentée de plusieurs chapitres sur les instruments récemment inventées, et suivré de l’art du chef d’orchestre, Paris, Lemoine, 1855
40 GEVAERT, François-Auguste, Traité général d’instrumentation: exposé méthodique des principes de cet art dans leur application à l’orchestre, à la musique d’harmonie et de fanfares, etc., Paris, chez Gevaert et Fils, 1863
41 FÉTIS, François-Joseph, Manuel des compositeurs, directeurs de musique, chefs d’orchestre et demusique militaire, ou traité méthodique de l’harmonie des instruments, des voix, et de tout ce qui est relatif à la composition, à la direction et à la exécution de la Musique, Paris, 1837, p. 55.
artigo pertencente a colectânea dedicada a F. Santos Pinto
3 de 5