A situação em torno das condições do Conservatório Nacional — já antes incomportável — continua a degradar-se. Esta semana foi uma de particular agitação na Rua dos Caetanos.

O edifício da escola foi evacuado na passada terça-feira, dia 24 de Fevereiro, após ter sido soado o seu sistema de alarme. Não é claro se o disparo terá sido reacção a um verdadeiro incidente — não seria inédito a queda de uma janela ou de estuque numa sala ocupada — ou se foi motivado por uma acção de contestação ou espontânea ou premeditada. Certo é que, tendo o corpo docente e discente em peso evacuado e encontrando-se junto em frente ao edifício, não havia tempo como o presente para se voltar a manifestar contra a sua condição, que se arrasta dolorosamente há anos.

No início do ano lectivo, as chuvas outonais ameaçaram de tal forma ruir parte do tecto que a Protecção Civil ditou um encerramento compulsivo de parte do edifício. As salas em questão — cerca de dez — foram provisoriamente encerradas. No seguimento do ocorrido, nova vistoria da Câmara Municipal de Lisboa, já em Janeiro, confirma o relatório anterior, notificando o Conservatório a fazer obras urgentes. Para o caso, quiçá, da direcção não estar ainda a par…

Durante a madrugada desse dia para 25 de Fevereiro, os alunos fecharam a cadeado as portas da sua escola, sendo estas apenas desbloqueadas pela Polícia de Segurança Pública por volta das 09h45. A intervenção da PSP encontrou nova mobilização de mais de uma centena de professores, alunos e pais, que tentaram sensibilizar as autoridades competentes para a devida atenção que o processo merece.

A contestação continuou hoje, 26 de Fevereiro, pelo terceiro dia consecutivo, com duas acções. A primeira, por volta do meio-dia, consistiu num “Abraço ao Conservatório Nacional”, onde um cordão humano de alunos e professores, actuais e antigos, funcionários e admiradores, envolveu o edifício. Depois, a concentração moveu-se para a base da escadaria do Parlamento, em São Bento, onde os manifestantes levaram não apenas as palavras de ordem mas também os seus instrumentos. Esta acção contou com a presença dos deputados Luís Ferreira (PEV), Rita Rato (PCP), Catarina Martins (BE), Acácio Pinto e Inês de Medeiros (PS).

Estes deputados e os seus grupos parlamentares não foram capazes de fazer aprovar um pedido de audição a Nuno Crato, requerida pelo Bloco de Esquerda no dia do primeiro protesto desta semana, face ao voto contra da maioria PSD-CDS. Na discussão desta moção, Catarina Martins lembrou que esta é uma situação “que se arrasta há muitos anos”, pelo que é insuficiente afirmar que “o edifício vai ser intervencionado” sem saber como a intervenção “será feita, quanto tempo irá durar, e onde os alunos vão ter aulas enquanto o edifício está a ser intervencionado”. Dia 27 de Fevereiro, os grupos parlamentares da oposição apresentarão novas moções que visam estabilizar e melhorar as condições não apenas do Conservatório Nacional mas de todo o ensino artístico especializado, instando à “regularização do financiamento a atribuir” a estes estabelecimentos de ensino (PS, PEV) e ao debate sobre medidas para a “estabilidade e financiamento” (BE) e até mesmo ao “alargamento da rede pública do ensino artístico especializado” (PCP).

Em declarações à Agência Lusa, Ana Mafalda Pernão, directora da Escola de Música do Conservatório Nacional, confessou ter luz verde do Ministério da Educação para “pedir três orçamentos” para a realização de obras. Durante a manhã de 26, a direcção reuniu com a Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares; no entanto, dessa audiência não terá saído qualquer medida para uma intervenção a curto prazo, nem indicações de que a tendência para o silêncio tenha sido significativamente quebrada.

Esse silêncio dos órgãos do Ministério traduz-se, segundo a directora, num acto de “desresponsabilização”. Questionado pela Lusa, o Ministério da Educação declara que esta foi uma reunião preparatória para “concretizar os procedimentos já iniciados na semana passada, tendo em vista a realização, deste momento, das intervenções mais urgentes”, não se comprometendo com uma verdadeira intervenção de fundo que reclamam como necessária os que frequentam o edifício.

As condições do edifício — que celebra este ano 180 anos — ferem mais que a dignidade de um espaço tão emblemático: os professores são sujeitos a condições de trabalho para lá de frustrantes e os alunos hipotecam o seu desenvolvimento, privados de disciplinas essenciais para lá das artísticas — como Português ou Matemática, História ou Fisico-Química, às quais vão ser sujeitos a exames nacionais daqui a poucos meses. Todos arriscam a sua integridade física.

Sobre o autor

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Luís Salgueiro é licenciado em Composição pela Escola Superior de Música de Lisboa. Para além da sua actividade criativa, dedica também a sua energia à preparação de partituras e musicografia, primeiro como 'freelancer' e actualmente como coordenador das actividades editoriais do MPMP, Movimento Patrimonial pela Música Portuguesa.

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