A primeira récita do VI Ciclo de Concertos Didáticos “Os Iberzitos Vão à Música” teve lugar no passado domingo, dia 28 de maio, no Teatro José Lúcio da Silva em Leiria. Esta iniciativa do grupo industrial Ibermoldes conta com a colaboração do Orfeão de Leiria | Conservatório de Artes (OLCA) desde 2017, numa aposta de integração dos seus colaboradores e respetivas famílias em atividades de cultura, conhecimento e de sensibilização para as artes. O espetáculo foi dividido em duas partes: a primeira, conduzida pelo maestro Mário Teixeira com simpatia, humor e proximidade com o público, revela-se muito importante para o propósito didático do evento. Na segunda parte, deu-se a estreia do projeto de música e dança “Será o mar o meu lugar”. Trata-se da adaptação do livro homónimo da autoria de Sarah Roberts (título original: “Somebody Swallowed Stanley”). A versão portuguesa da história integra o Plano Nacional de Leitura, estando direcionada a crianças dos 9 aos 11 anos.

Nesta adaptação, os personagens ganham vida, personalidade e nomes: é-nos narrada a história de Tomé Plastique, um saco “muito chique” de cores vibrantes que voga pelos oceanos; contemplado pelas medusas, que quase o confundem como uma delas, ele é engolido pela baleia Dulcineia, é transportado pelos ares pela gaivota Carlota e entrelaçado na tartaruga Chattanooga. Por fim, um menino (a quem a história está a ser contada pela sua mãe) encontra-o no areal e dá-lhe uma nova vida: um colorido papagaio. A temática do espetáculo está perfeitamente enquadrada com o propósito educativo que serve. O Ensino Artístico Especializado, que nos últimos anos se direcionou grandemente para uma maior democratização, é terreno fértil para projetos desta natureza: um concerto didático para o público, mas também para os alunos em palco.

A letra, da autoria de Maria Helena Vieira, é o esqueleto da história: inspirou tanto a música como a coreografia. Com humor subtil, que muito cativa o público infantojuvenil, cada personagem ganha uma identidade única. A letra transporta-nos para cada momento da história, como se nós, ouvintes, a estivéssemos a viver na primeira pessoa.

Através de uma textura sonora, que oscilou entre uma estética erudita, ligeira e swing, a música de Mário Nascimento acompanha na perfeição todo o espetáculo. Belissimamente orquestrada para a Camerata de Sopros do OLCA, confere à grande maioria dos seus elementos secções solisticas, onde são demonstradas as suas capacidades instrumentais. Experiente diretor coral, musicou a letra com grande mestria, tendo especial atenção às acentuações, à métrica das palavras e à coerência rítmica. As melodias percorreram didaticamente grande parte da extensão vocal infantojuvenil. Talvez tenha faltado maior variedade de texturas corais: em vez de um uníssono omnipresente, poder-se-iam ter ouvido momentos solísticos, passagens antifonais (pergunta-resposta) ou canto polifónico com ostinati, cânones e passagens com 2 ou 3 vozes. Ainda assim, o Coro Juvenil preparado por Nádia Gomes (narradora do espetáculo) revelou-se muito seguro e fez uma apresentação de qualidade.

A coreografia, criada por Luís Sousa, coloriu e deu vida a toda a história. Evidenciou momentos-chave do enredo e dos textos de forma muito simples, inteligente e eficaz, sem deixar de incluir passagens e elementos mais elaborados ou trabalhoso. Para além do corpo de baile de “medusas”, incluiu vários duetos, pequenas variações e secções de grupo. A escolha de cast para o personagem “Tomé” foi fenomenal! O jovem aluno de dança dá vida ao personagem “Tomé”, que está sempre presente em cena, e transporta o espetáculo todo “nos seus ombros”.

Esta história procura sensibilizar para a poluição, e sobretudo para a criação de soluções de reutilização para o desperdício plástico, material que assola os oceanos e ameaça milhares de espécies aquáticas e de aves. Pala além de ter sido baseado num livro do plano nacional de leitura, o que por si só revela grande coerência com a experiência escolar global dos alunos, “Será o mar o meu lugar” é um ótimo exemplo de como a cultura, a música e a dança podem ser elementos importantes para a educação de qualquer cidadão. Ademais, os alunos (instrumentistas, cantores, bailarinos), os professores e os Encarregados de Educação transpuseram o projeto para a prática com uma sessão educativa de recolha de resíduos na praia de S. Pedro de Moel. Este é um belo projeto cultural que sensibiliza para problemas reais da comunidade. Educa pela vivência da história, pela vivência artística e pelo incentivo à ação pela melhoria do “mundo real”.

Sobre o autor

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Ana Lúcia Carvalho iniciou os estudos musicais no Orfeão de Leiria. Concluiu a Licenciatura em Música (2012) e em Musicologia (2014), na Universidade de Évora. É mestre em Ensino de Música na variante de Direcção Coral e Formação Musical pela Universidade do Minho (2021). Como coralista, ingressou o Ensemble Vocal Manuel Mendes, o Ensemble Eborensis, o Coro Ricercare e o Coro Ninfas do Lis. Frequentou formações em Direcção Coral e pedagogia coral infanto-juvenil e tem realizado publicações nessa área disciplinar. Actualmente, é professora do Ensino Artístico Especializado e estudante-investigadora no Programa Doutoral em Estudos da Criança (Educação Musical) na Universidade do Minho.