Há coisas que não consigo entender e esta produção da Carmen que agora estreia é uma delas. O São Carlos apostou numa produção vinda da English National Opera, ao que parece do Sr. Calixto Bieito, encenador. As produções deste senhor são esquisitas e pedem às vezes coisas esquisitas aos participantes; até aqui tudo bem, tem que haver para todos os gostos, embora eu não veja a razão para ter que ver mulheres em fato de banho, e sexo em carros — dizem — numa produção da Carmen.
O que já não entendo tão bem é a péssima utilização dos nossos recursos vocais no referido teatro. Em primeiro lugar, o tenor Paulo Ferreira já cantou esta produção em Bilbao — é no mínimo de estranhar que não tenha sido convidado para o fazer no seu país. Numa produção estranha para a qual são precisos vários ensaios não seria útil e até inteligente utilizar um jovem cantor português que está a fazer uma magnífica carreira internacional e que já conhece a encenação?
Uma coisa destas seria impossível em Inglaterra onde as direcções e os governantes se batem pelos seus artistas (era por isso que Janet Baker dizia em entrevistas que estreava os seus papéis operáticos sobretudo no seu país, pois se sentia assim mais confortável do que no estrangeiro), mas em Viena, Paris ou aqui ao lado, em Madrid, isto também não sucederia. Que falta de noção se apoderou de nós?
De Micaelas conto pelo menos três ou quatro portuguesas que fariam maravilhosamente o seu papel: em primeiro lugar Dora Rodrigues mas também Sónia Alcobaça, Susana Gaspar ou Ana Maria Pinto. A senhora Brandon deve ser uma enorme diva, que eu desconheço, para ser convidada em vez de quatro excelentes cantoras portuguesas.
Enfim, até nem arranjámos um Zuniga e lá teve que vir (de Inglaterra, presumo eu) o senhor Keel Watson — elementar, “my dear Watson”. Concluo portanto que este país tem uma trampa de cantores (facto que desconhecia) e que estamos prestes a tornarmo-nos numa colónia inglesa.
O governo não abre os olhos a isto? Shame on them!