Esta breve peça teatral de Metastasio, L’Isola Disabitata, que será posta em música por inúmeros compositores, entre os quais Joseph Haydn, pode ser considerada uma reformulação galante do modelo fiabesco e, de alguma maneira, do mito de Orfeu e Eurídice. Os motivos principais do conto estão aqui todos reunidos: a viagem, a morte simbólica, a ressurreição, o triunfo final do Bem sobre o Mal. Ao mesmo tempo, encontram-se reunidos também alguns dos núcleos narrativos do mito órfico: a separação dos jovens esposos, a viajem do esposo, o reencontro com a amada.
Todo este aparato foi, por assim dizer, simplificado e domesticado: a descida aos ínferos é só levemente pronunciada, a experiência de abandono e solidão é de se considerar, de algum modo, esgotada; desta forma permanece para nós uma fabula bella, uma narração reconfortante onde o percurso iniciático é somente esboçado e no qual, contrariando o desfecho da narração de Orfeu, se destaca, numa espécie de apoteose, o final feliz. A experiência simbólica da vida, em substância, aparece deformada por uma visão utópica das relações humanas, que, na construção musical do texto, no ritmo rápido do fraseado e no tom retórico levado a um nível extremo, assume a forma de um brando ritual mágico propiciatório, virado para o exorcismo da dor existencial.
Em fase de consideração e reflexão geral, deveríamos também sublinhar o seguinte: num texto literário em que seja inteligível uma narrativa, a presença ou ausência de alguns motivos podem dar-nos uma ideia de como um autor, ou até uma cultura inteira, interpretam o espírito humano. No período Rococó e da Arcádia, provavelmente, tolerava-se mal a representação da parte escura da alma, mesmo que também certas tragédias – e.g., as de Shakespeare – fossem sujeitas à reelaboração de modo a conseguir um final positivo, ou que as frequentíssimas bizarrias do acaso parecessem seguir e satisfazer os códigos de necessidade e conveniência. Desta forma, a literatura adoptava frequentemente uma função de exorcismo consolatório, deixando em segundo plano a função cognitiva.
Esta acção teatral foi escrita pelo Autor em Viena, no ano de 1752, para a Real Corte Católica, onde foi magnificamente representada pela primeira vez com música de Bonno e direcção musical do célebre Cavalier Brioschi.
O jovem Gernando viajava pelo mar com a esposa, Costanza, e a irmã desta, a pequena Silvia, rumo às Índias Ocidentais, onde seu pai governava, quando uma longa e perigosa tempestade o obrigou a aportar a uma ilha desabitada para dar abrigo à esposa e à criança, escapando às agitações do mar. Enquanto aquelas descansavam numa gruta escondida, o infeliz Gernando foi surpreendido e sequestrado por piratas. Os seus companheiros, que observavam de longe os movimentos na ilha, crendo que Gernando, Costanza e Silvia tivessem sido raptados, decidiram seguir o navio dos piratas, mas em breve lhe perderam a pista e, inconsoláveis, retomaram o seu caminho por mar. Quando Costanza acordou e, depois de longas buscas, não encontrou o esposo e o navio, acreditou ter sido abandonada por Gernando. Com o tempo, os primeiros ímpetos da sua desesperada dor foram substituídos pelo natural amor à vida e pensou em sustentar-se a si e à irmã, procurando frutas e plantas abundantes na ilha e educando a pequena Silvia no ódio pelos homens que a criança desconhecia. Após treze anos de escravidão, Gernando conseguiu finalmente libertar-se, e, embora com poucas esperanças de encontrar a sua Costanza, a primeira coisa que fez foi voltar àquela ilha, onde involuntariamente a abandonara. A história aqui contada apresenta o inesperado encontro entre os dois.
Dramatis personae
Costanza, mulher de Gernando
Silvia, Irmã mais jovem de Costanza
Gernando, consorte de Costanza
Enrico, companheiro de Gernando
Fontes
– Pietro Metastasio, Tutte le opere (a cura di B. Brunelli), Milano, Mondadori, 1943-1954
– Pietro Metastasio, Opere (a cura di M. Fubini), Milano-Napoli, Ricciardi, 1968
O Autor
Pietro Trapassi / Metastasio (Roma, 1698-Viena, 1782) é autor de poesias líricas e numerosos melodramas, entre os quais Didone Abbandonata (1724), Olimpiade (1731), La Clemenza di Tito (1734) e Attilio Regolo (1740). Biografia: G. Natali, La Vita e le Opere di Pietro Metastasio, Livorno, Giusti, 1923.
Texto originalmente publicado em Glosas 12.
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