Uma orquestra eternamente jovem, abundantemente apta e cumplicemente colaborativa: eis um esboço do presente da Orquestra de Jovens dos Conservatórios Oficiais de Música de Portugal, que, na semana passada, foi reunida no seu 16.º estágio, pela terceira vez, na Madeira. A personalidade musical do maestro convidado, Pedro Neves, foi um catalisador potente para a culminação efervescente deste estágio, o seu concerto final, no dia 8 de Abril, no Centro de Congressos da Madeira.

Os setenta e seis jovens artistas, seleccionados de entre muitos colegas seus pelo maestro convidado, num périplo pelo País, reuniram-se à volta de um programa bastante exigente mas muito recompensador, tanto para eles próprios como para o público, que encheu a sala e, dada a ocasião, já antes do início vibrou com sentimentos de gáudio e felicidade pelo momento de partilha de um evento único.

O concerto abriu com a Fantasia Sinfónica A Contemplação da Matéria, em três secções contínuas, do compositor madeirense Francisco Loreto, professor do Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira (CEPAM), Primeiro Clarinete da Orquestra Clássica da Madeira e maestro da Orquestra Académica do Conservatório, uma obra estruturalmente coesa e desenvolvida a partir de um número restrito de motivos nucleares. Nesta obra, estreada no âmbito do Festival da Música da Madeira em 2008, o compositor, explorando efeitos espaciais com a colocação de um trompete, percussão (incluindo tímpanos e sinos tubulares) atrás do público e até contando com as vozes dos instrumentistas num coro uníssono “à maneira gregoriana”, utiliza sonoridades evocativas e eclécticas para colocar o ouvinte num ambiente transcendente, onde o passado e o futuro se misturam de uma maneira líquida e o som passa a ser a tradução de ideias metafísicas.

No dia 11 de Fevereiro, realizou-se, no CEPAM, no âmbito do OJ.COM Madeira 2017, a fase final do Concurso Jovem Escalão D. Perante um júri composto por representantes de sete conservatórios e presidido pelo maestro Pedro Neves, apresentaram-se doze solistas, tendo obtido o 1.º Prémio a violinista Lia Yeranosyan, do Conservatório de Música do Porto. Este prémio valeu-lhe a participação neste concerto final, em que foi solista no 1.º andamento do Concerto para violino e orquestra de Jean Sibelius. A sua interpretação, grosso modo soberana e profissional, pautou-se, nesta sala bastante grande e composta, por alguma insistência na sonoridade, que, ainda que talvez tenha tido por objectivo vencer o espaço, nem sempre se combinava organicamente com os timbres orquestrais, o que é um sine qua non para uma impressão íntegra desta jóia musical.

Um perito no que diz respeito às sinfonias de Joly Braga Santos, Pedro Neves escolheu a Quarta Sinfonia para a segunda parte do programa. Uma escolha deveras acertada, pois, além de ter sido dedicada “à Juventude Musical Portuguesa”, da qual o compositor foi um dos fundadores, e estreada em 1951 na sua forma original e em 1968 na versão com o coro no Epílogo (a parte que foi proposta para o Hino Mundial da Juventude e que vai constar desta forma do concerto da OJ.COM, a 28 de Abril, no Centro Cultural de Belém), essa obra situa-se nos finais da sua fase juvenil e oscila entre alusões ao passado musical e à modalidade e ritmos folclóricos, chegando muitas vezes a um congestionamento tonal que permite vislumbrar o futuro da sua linguagem. Dirigindo de memória e dotado de confiança absoluta, o maestro não teve problema em focar e manter a atenção plena dos jovens, cuja capacidade profissional foi posta à prova muitas vezes ao longo desta obra de quase 50 minutos, mas que sempre se mostraram à altura do desafio. Os jovens músicos conseguiram identificar-se com os momentos musicalmente mais exigentes (2.º andamento) e imbuíram tanto os momentos lírico-nostálgicos como as páginas caracterizadas por uma largura de espírito memorável de espontaneidade e prontidão de entrega que não podem ser emulados e pertencem propriamente a jovens. Conforme se aproximavam o final do quarto andamento e o epílogo, foi palpável o adensar do ambiente na sala e a expectativa crescente de um momento apoteótico – uma prova não só da construção formal exemplar, cíclica na sua interligação temática, mas também da inteligência musical dos intérpretes. Esta música absoluta que não é absoluta e programática que não é programática comunica de uma forma extraordinária porque possui um equilíbrio fascinante entre a forma e o conteúdo. Ouvi-la interpretada por jovens que ainda são musicalmente honestos e sinceros (e oxalá continuem assim para sempre) passa a ser uma experiência inesquecível.

A magia, então, aconteceu depois da primeira ovação de pé: Pedro Neves deu à orquestra a entrada para o Epílogo e saiu do palco, deixando toda a atenção nos jovens e na música. Os jovens, esses, efectivamente estavam numa tal ligação simpática que lhes permitiu ouvirem-se uns aos outros e sintonizarem com perfeição absoluta. A música sintonizou todos os corações na sala e acredito que não foram poucos que os chegaram ao fim com olhos molhados. A mais importante mensagem, no entanto, foi para todos os jovens presentes no público: eis o poder da música, eis o que ela pode fazer por vocês e eis o que vocês podem fazer com ela.

A segunda ovação de pé já foi um gesto de rendição ao poder da música e uma vénia à geração vindoura de músicos portugueses.

Sobre o autor

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Robert Andres é diplomado em piano pela Academia de Música de Zagreb (Croácia), tendo também estudado em São Petersburgo e Viena. Enquanto bolseiro Fulbright, estudou nos Estados Unidos com Sequeira Costa na Universidade de Kansas, tendo recebido o doutoramento em artes musicais, assim como um mestrado em musicologia. Desde 1993 ensina no Conservatório – Escola Profissional das Artes da Madeira, sendo atualmente professor de quadro e delegado do grupo de instrumentos de tecla. Para além da actividade concertista, orienta regularmente masterclasses de piano e já integrou mais de uma dezena de júris de concursos internacionais. Tem escrito para revistas musicais especializadas, enciclopédias reputadas e jornais. Em 2001 a editora americana Scarecrow Press publicou o seu livro sobre os inícios da abordagem científica da técnica pianística.