Para comemorar a constituição do núcleo do Algarve da Associação José Afonso (AJA) realizou-se no Sábado 14 de Fevereiro um evento que reuniu alguns dos mais famosos nomes da música portuguesa.
Vitorino abriu o concerto numa formação que incluiu Zé Francisco na guitarra, Sérgio Costa no baixo, Rui Alves na bateria, Paulo Borges nas teclas e Daniel Salomé no clarinete. Em breve se lhes juntou a bela voz de Filipa Pais. Modificaram-se letras de acordo com a conjuntura actual, sendo que “tive o diabo na mão” se transformou em “tive um coelho na mão”. O tema A morte saiu à rua foi dedicado a Alípio de Freitas, convidado de honra presente no público. A este eclesiástico revolucionário, opositor da ditadura e preso político, autor do livro Resistir é Preciso dedicara José Afonso um tema no álbum As minhas Tamanquinhas. Janita reordou-nos A formiga no carreiro, Era um redondo vocábulo e A Ronda das Mafarricas: “estavam todas juntas, 400 bruxas…” As alusões à senhora Merkel não se fizeram esperar.
A voz clara e límpida de Francisco Fanhais soou então em Olha o sol que vai nascendo, e o cantar de outros poemas como Jerusalém essa terra prometida de leite e mel “porque sem utopias não vivemos, são elas que nos fazem caminhar, são elas que nos fazem não desistir”, afirmou emocionado.
O concerto incluiu também as vozes locais algarvias de Afonso Dias, Tânia Silva e Luís Galrito.
Fechou o concerto o sobrinho do homenageado, João Afonso, a cuja guitarra e voz se lhe juntou Sérgio Cardoso Pires. A interpretação de Que amor não me engana comoveu o apinhado auditório.
O concerto terminou em festa, com todos os músicos em palco e luz à sala, fronteiras entre artistas e público esbatidas, num Grândola Vila Morena sentido e arrojado.
De tanto cantar abriu-se o apetite, o vinho correu e a conversa fluiu no jantar de convívio. Francisco Fanhais, fundador e presidente da AJA desde 1987, contou como começou em 1969, espicaçado por José Afonso, a pôr a voz ao serviço da liberdade. Hoje considera que “chegámos a uma situação em que não nos podemos calar!”. Consciente das conotações políticas da música do homenageado, afirmou que “há pessoas que intervêm pela música e não música de intervenção!”…
Aliás, esta percepção foi partilhada por outros músicos. Paulo Borges frisou a importância de se “distinguir uma canção maravilhosa, independentemente de ser política ou não”. Também Sérgio Costa considera que “Zeca é em tudo brilhante, independentemente da ideologia e talvez por isso mesmo veicule tão bem o que se quer dizer”. Sérgio Cardoso Pires adjectivou José Afonso de “homérico”, emocionado pela enorme honra e prazer que é interpretar a sua música cuja beleza, profundidade e força tocam a alma humana. “Zeca era um homem inteiro!” e essa inteireza, o seu sentido de justiça, a sua completude, no seu entender, transparecem na sua arte.
João Afonso confessou sentir uma grande responsabilidade, aliada a um enorme prazer ao interpretar a música do tio, cuja qualidade e diversidade não se resume a questões de intervenção ou políticas, até porque “é preciso não entrar em demagogias fáceis nem em populismos! Há que ouvir, ler, informar-se!”. Considerou ainda que a multiplicidade de universos na música de José Afonso permitiu que o projecto “Um redondo Vocábulo”, que desenvolveu com o pianista João Lucas, obtivesse um grande êxito na Islândia, onde obviamente não se fala português e a música vale por si, desvinculada das conotações de intervenção política que por vezes se tornam redutoras.