O projecto cultural 23 Milhas acolheu, em residência artística, a concepção e gravação de Trégua, o novo CD de José Valente que insere a viola d’arco num contexto que lhe é particularmente invulgar (e, até ver, único em Portugal): uma banda filarmónica. Este registo original, num alinhamento de sete actos, reflecte a já conhecida persistência de José Valente “em percorrer um trilho desassossegado, mapeado pela constante descoberta de novas possibilidades musicais para o seu instrumento”, como referido pelo próprio.

Esta construção artística não poderia viver sem o acolhimento da Orquestra Filarmónica Gafanhense, dirigida pelo maestro (e saxofonista) Henrique Portovedo. A aproximação destes dois universos distintos cria “uma iniciativa verdadeiramente política: (…) há um músico que vem de um lugar, lugar esse que é completamente diferente do berço cultural de uma banda filarmónica. Como é que eu contribuo para a comunidade de forma política? Eu aproximo os mundos.” José Valente refere ainda que a articulação necessária para concretização desta obra foi sempre consumada num ambiente quase pedagógico e de proximidade genuína entre todos os intervenientes.

Como nos lembra Rui Eduardo Paes, no esclarecedor texto de apoio ao CD, o nome “Trégua” inspira-se directamente no romance La Tregua de Primo Levi, que se baseia na viagem de regresso a casa do escritor após a libertação de Auschwitz. Este relato “é lido por José Valente como o processo de «transferência de qualquer ser humano de uma fase de dificuldade extrema, de um flagelo, para algo mais optimista e pacífico»”.

 

 

José Valente é considerado um dos violetistas mais inovadores da sua geração, precisamente pelos percursos composicionais que, com uma promoção clara da simbiose entre estilos musicais, o levam aos limites da música dita erudita. Conta já com a presença em diversos palcos mundiais e trabalhou com músicos como Dave Douglas, Paquito D’Rivera, Hank Roberts, Alberto Conde e os mestres da música clássica indiana Shakir Kahn e Vikas Tripathi. Fundou o quarteto de cordas Acies Streichquartett, o projecto PuLso – nova poemúsica portuguesa e o dueto de cordas Valente Maio, onde colabora com o violinista Manuel Maio. Estudou Jazz e Improvisação em Nova Iorque, tendo sido já várias vezes premiado em Portugal e nos Estados Unidos. Lançou já vários álbuns em novo individual, de que se destaca “Serpente Infinita”, que ganhou o Prémio Carlos Paredes 2019.

Além do já referido acolhimento do 23 Milhas e do apoio imprescindível da Orquestra Filarmónica Gafanhense, este projecto editado pela recente editora 9 Musas conta com o apoio institucional da República Portuguesa – Cultura, pela Direcção-geral das Artes, da Fundação GDA e da Associação Interferência.

 

Ficha técnica
José Valente – Viola d’arco, composição, orquestração e direcção artística
Orquestra Filarmónica Gafanhense, dir. Henrique Portovedo
Black Dress – Produção
Interferência – Apoio à produção
José Lourenço – Produção técnica, gravação, captação, mistura e masterização
Nélson d’Aires – Fotografia
Pedro Zimann e Nuno Ferreira – Vídeos promocionais e documentário
Rui Eduardo Paes – Textos
this is ground control – Assessoria de imprensa
9 Musas – Edição
Apoio Media – Antena 2, jazz.pt e Comunidade Cultura e Arte.

 

Sobre o autor

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Licenciado em piano pela Escola Superior de Música de Lisboa, na classe de Jorge Moyano, concluiu o Conservatório Nacional com a classificação máxima, tendo aí estudado com Hélder Entrudo e Carla Seixas. Premiado em diversos concursos, apresenta-se em concerto em variadas formações. Estreia regularmente obras de compositores contemporâneos. Gravou para a RTP/Antena 2, TV Brasil e MPMP: editou, em 2020, o CD “La fièvre du temps” em duo com Philippe Marques. É membro fundador do MPMP Património Musical Vivo, dirigindo temporadas e coordenando inúmeras gravações. Termina, actualmente, o mestrado em Empreendedorismo e Estudos da Cultura do ISCTE. Foi director executivo da GLOSAS entre 2017 e 2020.