Durante 24 horas, nos dias 20 e 21 de maio, ocorreu em São Paulo a 13.ª edição da Virada Cultural. Inspirado na Nuit Blanche francesa, o evento consiste em uma série de atividades dos mais variados gêneros em centros culturais, teatros, museus, ruas, escolas e bibliotecas. Neste ano, registrou-se uma considerável redução de público (1 600 000 pessoas, cerca de metade da média dos anos anteriores), atribuída à chuva e a uma polêmica tentativa de descentralização.

Acompanhei a programação do Theatro Municipal de São Paulo, que se iniciou às 18h de dia 20, com o ciclo Winterreise, de Schubert, pelo barítono Vinícius Atique e o pianista Anderson Brenner. Gerou interesse e atraiu público a presença do Balé da Cidade, que abordou a jornada do personagem em uma coreografia de Ismael Ivo. A abordagem contemporânea gerou, contudo, em algumas pessoas, uma quebra de expectativa em relação a um imaginário já consagrado dessa linguagem. Foi notável o desempenho de todos os envolvidos, com destaque para Atique, que demonstrou excelente técnica, interpretação e versatilidade, integrando-se aos bailarinos como participante da coreografia. Às 22h00, a Orquestra Sinfônica Municipal, sob a regência de Luís Gustavo Petri, apresentou canções do musical/opereta Magdalena, de Villa-Lobos. Foram especialmente divertidos os solos da personagem Teresa, brilhantemente interpretada por Luciana Bueno. Recebido por funcionários maquiados como zumbis, às 00h00 o público assistiu ao Opera Horror Show, uma bem-humorada abordagem de trechos de ópera com temas macabros, apresentada pelo Coro Lírico. A impressionante atuação do baixo Matheus França transformou o prolixo prólogo da ópera Mefistofele, de Arrigo Boito, num dos pontos altos do espetáculo. Às 2h00, foi a vez da Orquestra Bachiana apresentar-se com o cantor Thobias e parte da bateria da escola de samba Vai Vai, num espetáculo também calorosamente recebido pelo público.

O Theatro praticamente lotado à espera do concerto da OSM

No domingo às 10h00, a capitã/maestrina Naomi Munakata e o Coral Paulistano apresentaram uma divertida adaptação cênica contemporânea da peça Barca di Venetia per Padova, de Adriano Banchieri, uma caricatura, em 20 madrigais, de diversos tipos sociais do início do século XVII. Às 13h00 ouviu-se o Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo e o pianista Fernando Tomimura, com o Quinteto Op. 34 de Brahms. Os espirituosos comentários do violista Marcelo Jaffé tornaram o espetáculo bastante agradável e acessível a um público não habituado à música de câmara. Às 15h00, a Orquestra Experimental de Repertório, regida por Jamil Maluf, trouxe a Série Brasileira (1891), de Alberto Nepomuceno, e, em seguida, clássicos da música de raiz, em ousadas orquestrações de Renato Kefi, com a participação de Ivan Vilela na viola caipira. O último espetáculo, às 18h00, foi um concerto do fadista Camané, promovido através de uma parceria com o Consulado de Portugal. A apresentação dividiu a plateia: se, por um lado, muitos abandonaram o teatro a meio do concerto, quem ficou, ao final, pediu três bis. Causou muita comoção, apesar da evidente insuficiência de ensaios, a homenagem ao Brasil com a canção Inútil Paisagem, de Tom Jobim.

Nos intervalos o público também pôde acompanhar diversas intervenções. Em vários momentos da noite, ao som de obras de Bach tocadas na sacada, uma bailarina com uma longa e esvoaçante saia subia num balão pela fachada do Theatro, que também serviu de tela para diversas exibições de video mapping. No domingo, às 11h00, o coral infanto-juvenil Amba Vera, da aldeia indígena guarani Tenonde Porã, apresentou-se nas escadarias.

De maneira geral o evento correu tranquila e organizadamente. O próprio edifício, de 1911, e especialmente sua decoração interior foram um grande chamariz para o novo público. Fica a expectativa de que boa parte desses visitantes se tornem frequentadores ao longo do ano. Não é o que tem ocorrido; porém, os esforços nesse sentido fazem com que não se perca a esperança.

Sobre o autor

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Guilhermina Lopes é doutora em música pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil, com tese sobre a obra musical de temática brasileira de Fernando Lopes-Graça. Realizou um estágio de pesquisa PDSE-CAPES entre 2015 e 2016 sob a coorientação de Mário Vieira de Carvalho. É actualmente investigadora colaboradora do CESEM-UNL, membro do Grupo de Investigação Música, Teoria Crítica e Comunicação, participante do projecto temático “O Musicar Local” (FAPESP – UNICAMP/USP) e segunda-secretária da Associação Brasileira de Etnomusicologia (ABET), gestão 2017-2019. Participou de diversos eventos académicos nacionais e internacionais, tendo apresentado comunicações em Portugal, Brasil, Chile e Espanha. Dedica-se também ao estudo do canto lírico e integra o Coro Contemporâneo de Campinas, grupo ligado à sua universidade de origem.