TOMÁS VAZ BORBA nasceu na freguesia de Nossa Senhora da Conceição da cidade de Angra do Heroísmo, ilha Terceira, Arquipélago dos Açores, a 23 de Novembro de 1867.

CEDO SE MANIFESTOU A SUA VOCAÇÃO. Ainda criança, iniciou a sua aprendizagem musical na chamada Claustra da Sé, sendo simultaneamente moço-cantor da Capela da Catedral de Angra. Aí teve como professores Guilherme Augusto da Costa Martins, Zeferino da Silveira e José Pedro Soares, entre outros, tendo como condiscípulos Aniceto dos Santos, Vieira Mendes, Alfredo Campos, António José da Rocha, o notável tenor Francisco de Paula Moniz Barreto e o distinto compositor Pedro Machado de Alcântara.

ESTUDOU NO SEMINÁRIO DE ANGRA, onde se formou em Teologia. Depois de ordenado Presbítero, por não poder continuar a desenvolver a sua vocação musical, dadas as limitações da Claustra da Sé, vai viver para Lisboa, partindo de Angra a 21 de Abril de 1891.

NO CONSERVATÓRIO FAZ UM PERCURSO BRILHANTE, estudando piano com Francisco de Lacerda, outro açoriano, da ilha de S. Jorge, e harmonia, fuga e contraponto com Frederico Guimarães e Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida. Foi tal a sua dedicação ao estudo que concluiu os cinco anos do curso de Piano em a­penas três; Harmonia , que se distribuía por três anos, concluiu-a Tomás Borba em apenas um; frequentou também a aula de contraponto e fuga conseguindo fazer o curso de cinco anos em ­a­­penas três.

TERMINADOS OS ESTUDOS OFICIAIS, não deixou de continuar a apetrechar-se de conhecimentos que o levariam ao magistério, quer no Conservatório Real de Lisboa, quer na Real Academia de Amadores de Música, na Escola Normal de Lisboa, no Liceu da Lapa, cujo orfeão dirigiu, e no Liceu Maria Pia, onde, com o apoio da reitora, Dr.ª Domitila de Carvalho, realizou revolucionária e inovadora acção pedagógica, introduzindo a ginástica rítmica nos currículos escolares daquele estabelecimento de ensino. Os conhecimentos, adquiridos por aturados estudos, haviam de conferir-lhe também o necessário métier que transformaria radi­calmente as suas composições, tornando o seu talento – antes experimental, frágil e amadorístico – depois sólido, amadurecido e profissional.

TOMÁS BORBA possuía uma curiosidade natural e insaciável por aprender e saber. Assim é que, simultaneamente com a formação teológica e musical, vai frequentar o Curso Superior de Letras de Lisboa. Na altura, estudar letras era, sobretudo num sacerdote, uma escolha relativamente ousada. Se se considerar que o Padre Tomás Borba vai estudar, além de Filosofia Moderna, Sânscrito e Literatura e Filosofia Védica, a curiosidade e o respeito pelo pensamento oriental, que ele manifestamente assume, afiguram-se quase heréticos.

PARA ALÉM DE TEÓFILO BRAGA, foram também seus professores neste curso Augusto Maria da Costa e Sousa Lobo, Guilherme de Vasconcelos Abreu, Francisco Adolfo Coelho, e Zósimo Consiglieri Pedroso. A abertura a novas ideias e o convívio com intelectuais de quadrantes ideológicos diferentes não o faziam vacilar nas suas convicções. Em entrevista a Dinis da Luz, já no fim dos seus dias, refere: “Teófilo Braga foi meu professor no Curso Superior de Letras. Além disso, mais do que isso, foi meu amigo e conselheiro até. Falava-me sempre com a maior delicadeza espiritual, embora tivéssemos filosofias opostas.”. A amizade e admiração são recíprocas. Borba escreveu algumas canções para letras do seu professor, algumas de pendor religioso: disso é exemplo uma peça coral natalícia, Nasceu o Messias, que também aparece num cânone, porém com o título de Hora de Resgate. A 16 de Outubro de 1913, Teófilo Braga, em bilhete-postal, mostra a sua admiração pelo seu antigo discípulo nestes termos:

Ex.mo amigo

Dá-me muita honra a elaboração musical de qualquer texto meu pelo delicado talento

do meu glorioso patrício, com o que só compete confessar-me imensamente obrigado

eseu velho amigo e admirador

Teófilo Braga

AINDA, SOBRE A COMPOSIÇÃO SACRA e o seu relacionamento com Teófilo Braga, Borba inclui numa conferência sobre a Música Sacra Renascentista – que proferiu a 31 de Outubro de 1938, a anteceder um concerto com música daquela época –, um parágrafo com que argumenta a sua predilecção pela música para as escolas, apesar da superioridade da música de inspiração religiosa:

Uma vez dizia-me Teófilo Braga, que foi dos meus mestres – por mais paradoxal que isto vos pareça, tratando-se de um filósofo desorientado e de um padre no exercício das suas funções – foi dos meus mestres o que melhores conselhos me deu, não só na orientação da minha vida artística, mas ainda na conduta moral da minha vida social: “Meu amigo, não se agarre demasiado à música profana; componha um StabatMater, um Te Deum, um Salmo, uma Missa, um Dies Irae, uma Salve Regina, porque na música religiosa encontrará temas de expressão e força emotiva, que noutra parte não achará nunca, por mais talento que possua ou mais técnica escolar que tenha adquirido. Ninguém tem pejo ou vergonha de se dirigir a Deus, para Lhe pedir um pouco do seu amor ou da sua clemência sobre as misérias da vida, ao passo que nenhum homem, por mais sincero que se suponha ser, se dirige sem certo acanhamento a uma dama, para lhe dizer, embora com requintes de delicadeza: minha senhora, eu amo-a.”. Pena foi que, por circunstâncias superiores à minha vontade desordenada, eu não tivesse seguido à risca este conselho bom do mestre, que não era, sei-o eu, tão ateu como as ligeiras críticas biográficas o têm pintado. Porque eu, em vez de compor hinos de louvor ao Deus Eterno, como me competia – sendo padre, de mais a mais – tenho levado quase a vida inteira a escrever cantigas, sem número, para a rapaziada das escolas. Resta-me a consciência de que também não cometi um grande pecado assim procedendo.

NA REALIDADE a maior parte das composições de Tomás Borba destinam-se ao ensino da música nas escolas e à prática coral dele decorrente.

A SUA GRANDE PREOCUPAÇÃO foi a educação musical do povo. Para a implantação destas disciplinas nos currículos escolares muito lutou, designadamente como vogal do Conselho Superior de Instrução Pública. Foi ele o primeiro a ocupar este cargo, após a reforma que decretou que este Conselho passasse a incluir um professor do Conservatório.

ALÉM DISSO, foi encarregado de fazer os programas aprovados pelo Decreto 6.203, de 7 de Novembro de 1919 – para o ensino primário geral e superior, e para o ensino normal –, elaborar manuais, ser o mentor da legislação que regulamentava a contratação de professores . O Diário do Governo, a 30 de Agosto de 1919, mandaria, pelo Ministro de Instrução Pública, que, nas condições estipuladas pelo nº 2 da Portaria, de 8 de Agosto de 1919, Tomás Vaz de Borba e Pedro José Ferreira fossem agregados à comissão de elaboração de programas, a fim de se encarregarem dos de Canto Coral e Ginástica, respectivamente. Para os níveis de ensino antes referidos, Borba publicou os manuais Escola Musical, em três volumes, O Canto Coral nas Escolas, em quatro volumes, Canções para as Crianças, para as Mães e para as Escolas, em dois volumes, Vá de Roda, O Canto Infantil e Toadas da Nossa Terra.

NO QUE RESPEITA AO ENSINO LICEAL, o Decreto 6.132, de 26 de Setembro de 1919, nos quadros de distribuição das disciplinas, atribuiria à disciplina de Canto Coral a mesma carga horária antes definida pelo diploma de 1918, porém, tanto num como noutro decretos, os programas da recém-criada disciplina ainda não eram incluídos. Só em 1932, o Decreto 21.150 de 13 de Abril aprovaria e especificaria os programas de Canto Coral para as 1ª, 2ª, 3ª, 4ª e 5ª classes dos liceus, tendo Tomás Borba editado apara esse ensino os manuais Solfejos, Canções e Cânones, em dois volumes.

PARA ELABORAR OS PRIMEIROS MANUAIS, como em Portugal ainda não houvesse o tipo musical, comprou na Alemanha os instrumentos e máquinas necessárias e, em sua casa, em parceria com o violinista Gustavo de Lacerda (irmão de Francisco), mesmo perdendo dinheiro, venceram a luta, sendo editadas as obras musicais para crianças.

OUTRA LUTA VENCIDA foi a introdução do solfejo entoado nas escolas de música e noutros graus de ensino. No entanto, a má orientação política desviou os propósitos do pedagogo de alcançar os objectivos em que assentava a sua nobre intenção de educar artística, estética e musicalmente, o povo português. Luís de Freitas Branco, na conferência que proferiu no primeiro aniversário do falecimento de Borba, lembra as palavras que o mestre lhe dissera na última vez em que falaram: “Nunca estivemos tão mal em matéria de ensino de solfejo e de canto nas escolas, desde que, em tempos, chegámos a ter um início de organização bem orientada.”. Neste estado de espírito viria a falecer, lembrando Luís de Freitas Branco que, nos a­licerces da renovada escola musical nacional, “as primeiras pedras foram colocadas pelo Prof. Padre Tomás Vaz de Borba”.

DESDE QUE ASSUMIU o cargo de docente no Conservatório – onde leccionou Harmonia, Contraponto, Composição, Português, Canto Coral, e História da Música e Literatura Musical, disciplina esta criada por sua iniciativa, a qual vinha regendo ainda antes dela ser criada oficialmente –, Borba esteve presente em todas as reformas do Conservatório, destacando-se de modo particular a de 1919, que criou disciplinas de cultura geral por que tanto se debatera. A cultura do artista músico era uma das suas preocupações. Também para o ensino especializado da música publicou manuais: Exercícios Graduados de Solfejos, em três volumes, Novos Exercícios Graduados de Solfejo, em dois vo­lumes, Solfejos Autógrafos de Compositores Portugueses, Manual de Harmonia, Trechos Selectos para Uso das Classes de Português do Conservatório Nacional de Música de Lisboa e Trechos Selectos para Uso da Classe de Francês do Conservatório Nacional de Música. Em co-autoria com Fernando Lopes-Graça, foi publicado após a sua morte um Dicionário de Música, em dois volumes.

PARA ALÉM DE FUNÇÕES DOCENTES, exerceu, no Conservatório, os cargos de Director da Biblioteca e Conservador do Museu. Por várias vezes o quiseram nomear Director do Conservatório, e, apesar de várias recusas, exerceu o cargo provisoriamente em 1913.

LOPES-GRAÇA, SEU ALUNO, refere-se ao cuidado que o mestre colocava numa pedagogia musical correcta, afirmando que, à frente de um escol de dois ou três pioneiros, por direito histórico, está Tomás Borba, lutando contra “ideias e concepções rotineiras”, vendo “com mais clareza e sem preconcebimentos esclerosantes os complexos problemas de uma arte complexa entre todas”. Nunca, como professor, Borba foi o mestre-escola cuja férula cortasse os arrojos e as audácias das índoles mais rebeldes. Era um “espírito fundamentalmente liberal”. Ao orientar determinado aluno (hoje sabemos ter sido o próprio Lopes-Graça), na aula de composição, perante a liberdade responsável do pupilo, Borba reconhecia os “direitos que a personalidade artística tem a desabrochar e a afirmar-se de acordo com os imperativos do seu eu íntimo, da sua visão ou concepção pessoal do fenómeno criador”; ao examinar uma partitura desse discípulo, “primeiros frutos da sua, aos olhos de tantos, iconoclasia artística”, disse o Mestre estas palavras, decerto tolerantes e incitadoras: “Eu já não posso acompanhá-lo. Mas ande para diante, você é que deve estar na razão.”.

A CORAGEM E NOBREZA DE CARÁCTER de Borba manifestam-se claramente ao enfrentar o poder político do Estado Novo, convidando, em 1941, Lopes-Graça a assumir funções em instituição de que era director, a Academia de Amadores de Música, quando aquele vira o pertinente concurso anulado e fora proibido de ensinar pelo Ministério do Interior, devido às suas convicções políticas. Borba arrostou com uma situação que lhe poderia ter saído muito cara, apesar da sua idade, da condição de sacerdote e da posição destacada que ocupava.

NA ACADEMIA DE AMADORES DE MÚSICA, para onde entrou como docente em 1906/07, como Director Artístico – cargo que ocupou entre 1922 e 1932, e 1937 até morrer em 1950 –, elevou o nível daquela instituição que, em 1922, via o seu futuro muito negro. Borba encetou um trabalho de “restauração”, de modo que o número de alunos aumentou, e o nível de ensino também, dada a qualidade dos docentes contratados. Nos concertos que promoveu, deu lugar aos mais novos , aos artistas e compositores portugueses. O interregno na direcção artística deveu-se ao Decreto 19.244 de 16 de Janeiro de 1931, que regulamentava o ensino particular, e que dizia no art.o 17, § único: “é proibido aos funcionários [do ensino oficial] dirigir ou exercer o ensino em cursos de explicações, salas de estudo ou pensionatos escolares [no ensino particular] a alunos do grau ou curso a que pertencem os estabelecimentos de ensino [oficial] em que estão empregados.”. Após a sua aposentação, em Novembro de 1937, retomou o cargo de Director Artístico da Academia. Colaborou com Emma Romero Santos Fonseca da Câmara Reys na organização de primeiras audições em Portugal de peças de diversas épocas e nacionalidades.

COMO COMPOSITOR, EM 1895, findos os estudos, estreou-se com uma Missa para solistas, coro e orquestra, executada na presença da Família Real, na Igreja dos Mártires. Por encomenda da Comissão do Centenário da Índia, compôs um grande Te Deum para solistas, coro e orquestra, obra de grandes proporções, de pathos wagneriano, onde se misturam a linguagem modal e cromática, com momentos impressionistas. Por questões orçamentais, a obra não chegou a ser estreada. Mais tarde, foi e­xecutada acompanhada só com piano.

EM IDADE MADURA, a sua composição veio a confinar-se a um estilo de cunho nacional marcado pela singeleza, que contém páginas de verdadeiro interesse. Borba defendeu a criação de uma canção erudita portuguesa assente numa estilização da música popular e nos modos gregorianos.

A SUA OBRA DIVIDE-SE POR VÁRIOS GÉNEROS. O catálogo foi por mim elaborado entre 2005 e 2008, sob orientação do arquivista José Elmiro Rocha, tendo sido publicado on-line a 1 de Outubro de 2008, contendo o meu nome como primeira menção de responsabilidade.

DE TODAS AS SUAS COMPOSIÇÕES, as suas eleitas são, conforme afirmou em entrevista a Dinis da Luz, aquelas que escreveu para crianças .

TAL FOI O SEU ENTUSIASMO na educação musical das crianças que introduziu no Liceu de Maria Pia de Lisboa, como já se disse, a experiência da Ginástica Rítmica, para a qual escreveu as chamadas Canções de Gestos.

O DOCUMENTO QUE MELHOR SINTETIZA o pensamento borbiano é a tese que proferiu no Primeiro Congresso dos Músicos Portugueses, realizado em Lisboa, em Junho de 1913 :

• Razões para uma urgente criação da disciplina de Canto Coral nas escolas.

• Razões para que o artista músico fosse apetrechado com uma sólida cultura geral.

• A criação de uma música portuguesa eminentemente assente nas características da identidade nacional.

É-ME DIFÍCIL RESUMIR A PERSONALIDADE DE BORBA. Aconselho a leitura de testemunhos de alguns dos seus alunos . Entre muitos discípulos, foram seus alunos nomes eminentes da música portuguesa: Francine Benoît, António Lima Fragoso, Croner de Vasconcellos, Flaviano Rodrigues, Varella Cid, Ruy Coelho, Eduardo Libório, Lopes-Graça, Artur Santos, Armando José Fernandes, Florinda Santos, Luís de Freitas Branco, Pedro de Freitas Branco, Ivo Cruz, Artur Fonseca – primeiro director do Conservatório Regional de Angra do Heroísmo –, Marina Dewander Gabriel, também natural de Angra.

NA APRESENTAÇÃO, NO CONSERVATÓRIO DE LISBOA, a 29 de Março de 2009, da monografia que publiquei com o título Tomás Borba, para a inauguração, em Maio de 2008, da Escola de que é patrono e que tem o seu nome, em Angra do Heroísmo, Rui Vieira Nery, que também foi o prefaciador da obra, disse – cito de memória –: “Sem embargo, em Borba temos o exemplo de um sacerdote que vem dos Açores, de quem seria de esperar uma postura conservadora, mas que, pelo contrário, é um homem que é um pensador livre e que se dá com os melhores intelectuais portugueses, sem acepção política e ideológica, estabelecendo amizade com Manuel Arriaga, Teófilo Braga, Guerra Junqueiro, entre outros. Numa época em que se notava a divisão entre uma direita e uma esquerda esquizofrénicas, que não falavam uma com a outra, da qual são conhecidos os atritos ferozes entre a República e a Igreja, Tomás Borba lida com esses intelectuais com um à-vontade e uma independência de espírito surpreendentes, revelando uma natural capacidade de navegar nestas águas, mantendo relações cordiais e fraternais com pensadores, poetas, compo­sitores e intelectuais de todo o espectro ideológico e cultural português.”.

ACERCA DA SUA VOCAÇÃO PEDAGÓGICA, na já mencionada conferência que proferiu, sobre música sacra renascentista, a convite de Emma Romero Santos da Fonseca da Câmara Reys, Borba, com o requintado humor e com a riquíssima escrita que lhes eram peculiares, conta um interessante episódio com ele passado:

Eu não sei se o hábito faz o monge ou se é o monge que faz o hábito. Do que eu não duvido é que as nossas profissões imprimem carácter. Estando eu em Roma, por ocasião das festas jubilares do Ano Santo, hospedado, com uma das minhas sobri­nhas, numa pensão religiosa, onde se hospedavam também alguns portugueses e vários sacerdotes de nacionalidades diferentes, um deles verdadeiro tipo de alemão, porque alemão era, cumprimentando-me no momento da partida para o seu país, quis saber não só qual era a minha nacionalidade, mas ainda que funções exercia na minha terra. Fiz-lhe constar, naturalmente, que não passava de um simples padre, que dizia quotidianamente a sua missa, porquanto era um músico modesto e empregava toda a minha actividade no lugar de professor que ocupava no Conservatório, embora sem prestígio notável. O jovem sacerdote chama imediatamente para junto de nós os do grupo de que fazia parte e, com ar alegre e sorridente de quem se sentia muito satisfeito, grita­-‐lhes, com toda a força de que os seus pulmões germânicos dispunham: “Eu não vos dizia que este padre tinha cara de professor?” O que tinha na minha cara, e tenho, além das rugas e tecidos flácidos – prenúncios fisiológicos de uma idade já adiantada – não sei. Mas fiquei a ruminar no caso, e cada vez me convenci mais e convenço de que o hábito do cachimbo nos põe a boca à banda, como muito bem expressa o nosso prolóquio popular.

LOPES-GRAÇA SINTETIZA a personalidade do artista e do Mestre nestes termos: “Um apóstolo da educação, um mestre exemplar, um espírito ilustrado, tolerante, liberal e largamente compreensivo.” .

NA SUA ÚLTIMA AULA, NO CONSERVATÓRIO, a 23 de Novembro de 1937, Borba leccionou uma grande lição sobre o tema: Labor omnia vincit (O trabalho tudo vence) . A concluir deixou a mensagem da consciência de responsabilidade que o artista tem perante a comunidade. O valor nacional será engrandecido com a colaboração séria dos artistas que, com a sua produção, alimentam a Pátria:

Nas minhas prelecções vos repeti mais duma vez, como hoje, que quem nesta casa [o Conservatório] entra iluminado, por Deus, com uma pequena faixa que seja do fogo sagrado da divina arte, contrai perante o país inteiro uma grande e grave responsabilidade por que é em nós que a Pátria tem postos os olhos como factores necessários da sua grandeza nacional. Porque uma nação estruturiza-se não pelo número de espadas, de baionetas, nem pelo tiro mais ou menos acertado dos seus canhões, mas com as telas harmoniosas dos seus pintores, os contos elevados dos seus poetas, os sonhos elevados dos seus arquétipos e as sinfonias inspiradas dos seus compositores. Camões, Duarte Lobo, Marcos Portugal, Luísa Rosa de Aguiar, Grão Vasco e Afonso Domingos deram à Pátria que glorificaram muito mais que os mais arrojados impulsos conquistadores de D. Afonso Henriques, as mais ardilosas diplomacias do Marquês de Pombal e os mais impetuosos avanços guerreiros de Afonso de Albuquerque ou Sá da Bandeira. Os guerreiros e os diplomatas defendem-na, mas somos nós que a alimentamos.

Texto originalmente publicado na Glosas 4, 2011, p.84-89.