A estação de metropolitano “Aeroporto”, em Lisboa, pertencente à linha vermelha, foi inaugurada a 17 de Julho de 2012, em conjunto com as estações de metropolitano de Moscavide e da Encarnação, no âmbito da expansão desta linha até ao Aeroporto Humberto Delgado.1 O projecto arquitectónico é da autoria de Leopoldo Almeida Rosa e as intervenções plásticas são de António.2 Numa estação de metro que acolhe centenas de turistas que diariamente chegam a Lisboa, pode indubitavelmente afirmar-se que todo o programa iconográfico funciona como um cartão-de-visita da cidade e do País. São retratos de várias personalidades, mas interessa-nos a representação de Vianna da Motta.3 Esta obra de António é baseada no retrato a óleo4 da autoria de Columbano Bordallo Pinheiro (1857-1929), que se encontra no Museu Nacional da Música.
O retrato de Columbano insere-se no movimento Realista; apresenta uma paleta de tonalidades escuras, em manchas, concentradas no piano, na roupa de Vianna da Motta e nos tons que circundam o rosto. O tratamento da luz é cuidado, realçando as teclas do piano, as mãos e o rosto. As mãos pousam sobre o teclado, em acordes sólidos; a expressão facial é séria, absorta e parece fitar quem o retrata. Verifica-se uma ausência de partitura, sendo a ênfase da representatividade colocado no piano. É possível que se tenha pretendido destacar a carreira como pianista e não tanto como compositor.
Na estação de metro do Aeroporto, há uma adaptação da pintura a óleo para caricatura. Representado a preto e branco, Vianna da Motta está sentado ao piano. O instrumento tem o tampo aberto e é visível na sua totalidade (o que não acontece no retrato). Uma partitura (ilegível) é adicionada, encontrando-se sobre o instrumento. Os seus dedos repousam sobre as teclas, mantendo-se a ideia de um acorde. As mãos são exageradas – enfatizando-se assim o seu talento como pianista e lembrando as caricaturas de Liszt – tendo um tamanho algo desproporcional relativamente ao resto do corpo. A roupa é elegante. Vianna da Motta apresenta-se em idade mais avançada (comparativamente ao retrato de Columbano), acentuando-se a calvície.
O maior trabalho caricatural está no rosto, na sua fisionomia e expressão. A cabeça apresenta-se deformada, mais esguia, com o rosto alongado e com a testa exagerada. A orelha é grande demais, bem como o nariz. O bigode é maior. O sobrolho está franzido, conferindo-lhe um ar carrancudo. Olha directamente o observador.
Comparativamente ao retrato a óleo, há que referir que este tipo de suporte não permite um trabalho tão refinado ao nível do traço e da perspectiva, assumindo uma ideia visual muito mais simples e adaptando-se, também, ao decorum da estação de metro: uma visão moderna, caricatural, uma visão do século xxi de Vianna da Motta, ideal para todo o público em trânsito que passa por este local.
Outra fonte aqui analisada tem muito mais interesse pela sua funcionalidade e valor como peça de colecção do que pela inovação iconográfica. Trata-se de uma edição comemorativa do centenário do nascimento de Vianna da Motta, dos CTT, datada de 1986, que contém dois selos. É uma reprodução exacta do já mencionado retrato de Columbano Bordallo Pinheiro, apenas com cercadura e texto adicionados. O selo de 1 escudo adopta uma cercadura em tom dourado, que se funde com os tons do retrato, e o selo de 9 escudos uma cercadura em tom prateado, por sua vez contrastante, diferenciando assim o valor dos dois selos da colecção.
A terceira e última fonte analisada é, talvez, a mais desconhecida. Trata-se de um busto que se encontra no jardim do Torel, em Lisboa. Localizado junto ao Campo dos Mártires da Pátria, mas bastante escondido dos transeuntes que passam por aquele planalto de Lisboa, o jardim é também um miradouro com vista que permite um olhar privilegiado para a Avenida da Liberdade, a Baixa lisboeta e o rio Tejo. O nome Torel provém de uma família, Thorel, talvez de origem holandesa, com uma propriedade no local.5
O jardim actual possui vários lagos e o referido busto de Vianna da Motta, de bronze, está assente sobre plinto de pedra, instalado numa base de dois degraus. Obra de Anjos Teixeira, filho, (1908-1997), executada em 1953, foi inaugurada quatro anos mais tarde, a 22 de Abril de 1957. Apresenta este monumento a seguinte legenda: “Vianna da Motta, 1868-1948, Insigne pianista, mestre dos músicos do seu tempo”.
No campo da iconografia musical, muito se encontra ainda por investigar no que concerne a Vianna da Motta. Por exemplo, o documentário sobre a sua vida e obra produzido pela RTP6, com introdução de João de Freitas Branco, revela fotografias da época e imagens de arquivo que são extremamente pertinentes para a (re)construção dos estudos sobre o músico e compositor e que nunca foram devidamente estudadas. Talvez seja este um ponto de partida para uma monografia que analise a iconografia e iconologia de José Vianna da Motta e possa trazer novos dados sobre a vida e obra desta figura ímpar quer do panorama musical português do seu tempo, quer de toda a nossa História da Música.



NOTAS
1 ALVES, Isabel (ed.), Waves of influence – cinco séculos do Azulejo Português, Lisboa, Metropolitano de Lisboa, 1995; PEREIRA, José Castel-Branco, Azulejos no Metropolitano de Lisboa, Lisboa, Metropolitano, 1990.
2 António Moreira Antunes nasceu em Vila Franca de Xira, a 12 de Abril de 1953. Caricaturista político, ficou conhecido pelas suas colaborações em vários jornais e revistas: Diário de Notícias, A Capital, A Vida Mundial, O Jornal e Expresso. Foi precisamente neste último jornal que publicou o seu mais famoso e contestado cartoon, com o Papa João Paulo ii com um preservativo no nariz.
3 BRANCO, João de Freitas, Vianna da Motta: uma contribuição para o estudo da sua personalidade e da sua obra, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987; CASCUDO, Teresa e Maria Helena Trindade (edd.), José Vianna da Motta: 50 anos depois da sua morte, Lisboa, Instituto Português de Museus, 1998; LOPES-GRAÇA, Fernando, Vianna da Motta: subsídios para uma biografia incluindo 22 cartas ao autor, Lisboa, Editorial Caminho, 1984.
4 Este retrato é realizado a partir de fotografia de Manuel Alves San Payo (1890-1974), que, entre os anos de 1920 e 1950, foi o mais bem sucedido fotógrafo português. Pelo seu atelier passaram as figuras mais notórias da vida nacional, gente de sociedade, políticos, artistas e intelectuais, que registou através da sua espantosa qualidade de retratista.
5 SANTANA, Francisco (dir.), Dicionário da História de Lisboa, Lisboa, Carlos Quintas e Associados, 1994.
6 Centenário de Vianna da Motta: https://arquivos.rtp.pt/conteudos/centenario-de-vianna-da-motta/#sthash.Uex02Zra.dpbs (22/04/1968).

Título Retrato de Vianna da Motta
Autoria Columbano Bordalo Pinheiro — 1857– 1929
Ano de conclusão 1928 — assinado e datado no canto superior esquerdo Columbano 1928
Técnica Pintura a óleo
Suporte Tela
Dimensões 70× 90cm
Propriedade Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado
N.º de Inv. 640
Local Actual Museu Nacional da Música
Historial Doação de Emília Bordalo Pinheiro, viúva do pintor, em 1930
Conservação Pintura em excelente estado de conservação, com pontuais problemas de despigmentação. Etiqueta vermelha da casa parisiense Chenue (emballeur) no suporte de madeira da tela. Moldura dourada pela casa Manuel João da Costa (dourador), segundo etiqueta no verso.
Texto publicado na Glosas n.º 17, p. 38-40.
